December 26, 2009

0S MELHORES PROGRAMAS DE TV DE 2009

“MAYSA”: Só o apuro da reconstituição de época e as credenciais da minissérie, com texto de Manoel Carlos e direção de Jayme Monjardim, bastariam para atrair a atenção do público. Mas o programa também tinha como fio narrativo a vida marcada por excessos da cantora Maysa Matarazzo, vivida pela estreante Larissa Maciel. No time de revelações ainda havia Mateus Solano, elogiado no papel de Ronaldo Bôscoli.



“CAMINHO DAS ÍNDIAS”: Eram duas novelas em uma. A mais exótica se passava na Índia, onde o intocável Bahuan (Márcio Garcia) e a funcionária de telemarketing Maya (Juliana Paes) viviam uma paixão proibida, ameaçada pelo casamento arranjado dela com Raj (Rodrigo Lombardi).

A outra, passada no Rio, tinha como destaques a luta pelo poder na empresa Cadore, os saracoteios de Norminha (Dira Paes) na Lapa e o amor entre o esquizofrênico Tarso (Bruno Gagliasso) e Tônia (Marjorie Estiano).

Escrita por Glória Perez e dirigida por Marcos Schechtmann, a novela fez história ao ser a primeira produção brasileira do gênero a conquistar o Emmy Internacional. Ainda popularizou rituais e danças da cultura indiana e botou na boca do povo expressões como “are baba” e “atchá”. O público deu ao folhetim uma média de 39 pontos de ibope.
 
E chegou a influenciar a trama, consagrando o personagem de Lombardi, que terminou ao lado da mocinha.




“ESQUADRÃO DA MODA”: Versão do reality britânico de sucesso “What not to wear”, o programa conseguiu igual repercussão no SBT. Apresentada pela modelo Isabella Fiorentino e pelo stylist Arlindo Grund, a atração promove a transformação do guarda-roupa de uma pessoa comum. O ponto alto do ano foi a participação da cantora Stefhany.



“CARAS & BOCAS”: Apesar do tema — o mundo das artes plásticas —, a novela de Walcyr Carrasco nada tem de elitista. A atração das 19h, que conseguiu elevar em 20% a média de audiência dos últimos três folhetins do horário, chama a atenção pelas cenas de comédia, pelo texto ágil e por incluir um macaco pintor no elenco. A história é centrada na relação de amor e ódio entre a galerista Dafne (Flávia Alessandra) e o pintor Gabriel (Malvino Salvador). O sucesso popular fez a novela ser esticada em dois meses.



“POR TODA MINHA VIDA”: Embora tenha sido criado em 2006, o programa que biografa nomes da música brasileira teve em 2009 sua consagração.

Indicada pela terceira vez ao Emmy Internacional (pelo episódio sobre Mamonas Assassinas), a atração que une documentário e dramaturgia recriou as trajetórias de Cazuza, Claudinho (parceiro de Buchecha) e Raul Seixas.



Com boas audiências, virou fenômeno até no Twitter, onde fãs criaram o “Claudinho e Buchecha Day”.



“CINQUENTINHA”: Quatro viúvas, uma herança. Com essa receita de confusão, Aguinaldo Silva escreveu a divertida minissérie dirigida por Wolf Maya. As ex-mulheres eram vividas por Betty Lago, Maria Padilha, Marília Gabriela e Susana Vieira. O autor brincou com a biografia das atrizes para criar suas personagens.



“SOM & FÚRIA”: Escorada no prestígio do diretor Fernando Meirelles (de “Cidade de Deus”), a minissérie, versão da canadense “Slings and arrows”, foi das estreias mais comentadas do ano. A produção da 02 mostrava as coxias de montagens de Shakespeare.

No elenco, Felipe Camargo em seu primeiro protagonista de TV depois de 17 anos, Maria Flor e uma elogiada Andrea Beltrão.



“TRUE BLOOD”: A onda de vampiros que contaminou a ficção chegou à TV, pela HBO, com a série de Alan Ball. A trama se passa numa cidadezinha onde convivem sugadores de sangue, outros seres bizarros e humanos com a sexualidade a mil. Anna Paquin e Stephen Moyer são os protagonistas.



“GLEE”: Junte pérolas da música pop, uma trama passada numa high school e personagens à margem do sonho americano: esta é a receita do seriado de maior sucesso de 2009. Exibido pela Fox e inspirado no açucarado “High school musical”, o seriado retrata um coro de colégio formado por “perdedores”. Entre eles, um cadeirante, um gay e uma negra obesa. Além da história saborosa, a produção também virou fenômeno musical. Suas versões vocais de canções como “Don’t stop believing”, do Journey, chegaram ao topo das paradas.



“CILADA”: Roteirista e ator da sitcom, Bruno Mazzeo conseguiu um feito para poucos este ano: estar no ar, ao mesmo tempo, na TV aberta e na a cabo. Surgido no Multishow, o programa, na sexta temporada em sua versão original, virou quadro do “Fantástico” em abril. A proposta, de mostrar as roubadas em que o sujeito comum acaba se metendo, continua a mesma, mas agora Mazzeo faz graça com relacionamentos amorosos.



Os melhores de 2009 foram escolhidos pela equipe da Revista da TV
 
 
O Globo, 24 de dezembro de 2009

December 17, 2009

O poder das empresas de ônibus do Rio

Na capa do jornal "O Globo" de ontem o destaque foi dado à grande via que a Prefeitura vai abrir ligando a Penha à Barra da Tijuca. Para viabilizá-la 3630 imóveis serão desapropriados e e o investimento será da ordem de 790 milhões de reais.

É muito dinheiro e seria interessante fazer uma avaliação que qual será o percentual da população que se beneficiará dessa grande obra. Afinal é realmente muito mais significativo o fluxo de gente daquela região para a Barra do que para o Centro da cidade?

Não seria mais importante criar vias alternativas e melhoras as que já existem, além da própria avenida Brasil tão abandonada e deteriorada?

Ao que parece esse grande investimento continua a fazer o dinheiro público fluir na direção dos interesses dos empreiteiros da Barra e dos donos das grandes empresas de ônibus.
Este é um mistério que sempre me inquietou: como é que as empresas de ônibus conseguem fazer com que todas as políticas públicas sempre as beneficiem e que nenhuma medida no sentido de contê-las se viabilize?

Não se viu nenhuma redução do número de ônibus que todos os dias atravacam as suas do rio com suas enormes carrocerias depois da restrição às vans. Não se consegue implementar o bilhete único que reduziria o extorsivo custo do transporte que atende (mal) à maior parte da classe trabalhadora. Não houve nenhum investimento significativo no sentido de melhorar e ampliar a malhar ferroviária que, no passado, já foi o mais importante meio de transporte para a população dos subúrbios.

E praças outrora lindas como a Saens Pena e a General Osório, desaparecem e se tornaram lugares feios e insalubres devido ao paredão de ônibus que fazem ali seu ponto final.
Será que não se deve também à força dessas empresas e de suas bancadas municipais e estaduais o atraso secular do projeto de ampliação do nosso metrô?

Uma das coisas interesses que esse grande urbanista que é Sergio Magalhães diz em sua entrevista publicada no caderno Razão Social do Globo e que linkei nesta página é que as autoridades são reativas. Ou seja elas reagem à pressão e podem modificar suas políticas em função de pressões de seus virtuais eleitores. É preciso então que todos, sempre que tiverem oportunidade, se manifestem contra essas duas forças do atraso que impedem a renovação do Rio de Janeiro histórico e popular: empreiteiros e empresários de transporte ganaciosos que não estão nem um pouco comprometidos com o bem-estar da população. 
 
- Isabel Lustosa

December 16, 2009

Choque de ordem: uma fórmula antipática e ineficaz

A idéia de que a ordem social se transforma a partir de uma atitude de impacto não se comprova na prática.

A prática demonstra que choques de ordem funcionam no momento em que são aplicados mas não implicam em melhorias continuadas da ordem. Essas só ocorrem com projetos de longa duração, com investimentos de fluxo contínuo, com a constante presença do Estado junto à comunidade sob a forma de boas instalações e de funcionários bem formados.

Todas essas medidas que vemos anunciadas nos jornais com estardalhaço, algumas ridículas como o recolhimento dos brinquedos em algumas praças, outras atacando apenas os setores menos capazes de opor resistência, como os vendedores ambulantes; ou destruindo instalações de bares de alguns desapadrinhados, visam apenas a publicidade e o voto dos desavisados. E são desmoralizadas, por exemplo, pela volta dos moradores de rua aos mesmos lugares no dia seguinte. Sinal de que essa não é a solução para o problema da população de rua. É preciso achar uma outra política.

Não é assim que o Rio vai mudar para melhor.

Esse progresso só será alcançado a partir de um planejamento consciencioso e articulado das políticas públicas de longo prazo que contemplem as questões urbanas em seu conjunto: transportes, circulação, iluminação pública, limpeza das ruas, escoamento das águas, segurança e, é claro, saúde e educação.

Sem esquecer o planejamento ordenado do crescimento da cidade e, este é um problema que, no momento, diz respeito à expansão especulativa que se volta para a Zona Oeste e que pretende se beneficiar dos recursos públicos destinados às Olimpiadas de 2016.

- Isabel Lustosa


December 13, 2009

Sonho de cinema por trás dos muros

Menores infratores do Instituto João Luiz Alves, na Ilha, fazem filme sobre futebol



Tulio Brandão

Para os menores infratores do Instituto João Luiz Alves, na Ilha do Governador, o melhor da vida é a ficção.

Pelas retinas de cada um deles, escorrem lembranças de violência, colapso familiar, perdas. Para mudar as imagens dessa sala escura, eles ganharam de presente a oportunidade de fazer um filme. Decidiram, claro, não escrever sobre seus dramas reais, mas contar a história do mundo em que eles gostariam de viver. “Sonho de futebol” — que está sendo dirigido por Zelito Viana, Cris D’Amato e Cininha de Paula — narra as dificuldades de jogadores de um time de terceira divisão do Rio.

O filme — resultado do Projeto Oficinas Culturais Cine Degase, patrocinado pela Oi — tem cenas sendo rodadas neste momento no próprio Instituto João Luiz Alves. A Justiça só autorizou a participação dos menores no projeto com a condição de que eles aparecessem maquiados ou ganhassem uma caracterização de personagem.

A adaptação foi feita a partir de sugestões dos próprios garotos pelo maquiador Vavá Torres. José Renato Monteiro, um dos coordenadores da oficina, espantou-se com a reação de garotos que normalmente têm cara de mau ao ficar diante das câmeras: — A primeira pergunta é: “eu estou bem”? Alguns falam em continuar no ofício de ator, quando ficarem livres.

Um abismo separa os dois mundos.

X, de 16 anos, oscilava entre o sonho do galã e a dura realidade que o aguarda fora dos muros do instituto.

— Não tenho ilusão. No crime uma hora a casa cai: você morre, fica aleijado ou vai preso. Por isso vou mudar, mas antes tenho que resolver umas paradas sérias lá fora — diz ele. — Depois, vou procurar as pessoas para fazer um curso. Tudo o que eu quero, consigo.

Para a psicanalista Leila Ripoll, que apoia o grupo durante o projeto, eles têm pressa: — Nas filmagens, há uma intolerância muito grande à espera. Eles querem jogar bola, mas são obrigados a parar o tempo todo para filmar. Dizem que, assim, com interrupções, não tem graça. A questão do tempo, para eles, é muito complexa. Mas, ao mesmo tempo, gostam da experiência do cinema.

Um deles me disse que a filmagem é o único momento da vida em que ele não sofre.

A falta de paciência contrasta com o esforço dos menores em chegar preparados às filmagens. A diretora Cris D’Amato, que dirigia as cenas do campo de futebol, driblou com categoria os problemas da filmagem: — Encontrei pessoas delicadas, que decoram os textos e, literalmente, vestem a camisa para fazer um filme.

A arte é importante porque contribui para tirar esses jovens de uma realidade cruel, e oferece o lúdico, o amor, a esperança.

O talento salta os muros altos do instituto. Um dos menores confinados fez um rap sobre o filme. Virou a trilha sonora.

O filme deve ser finalizado até dezembro.

Os produtores ainda não sabem se haverá lançamento comercial. Só uma coisa é certa: cada menor infrator ganhará uma cópia, em DVD, para eternizar, ao menos na televisão da família, o sonho de uma vida longe do crime.

O Globo, 7 de dezembro de 2009

 





December 12, 2009

Solar Del Rei, em Paquetá, vive seus dias de plebeu




Imóvel que já hospedou Dom João VI está interditado e espera reforma emergencial para não desabar por completo


Jaqueline Costa

foto de Custódio Coimbra


Depois de ter sido a mais suntuosa propriedade de Paquetá e de ter hospedado por diversas vezes Dom João VI , o Solar Del Rei, em Paquetá, vive tristes dias. Logo na entrada, uma placa adverte sobre a interdição e o risco de desabamento. O imóvel, que abriga a única biblioteca da ilha, foi fechado pela prefeitura em 27 de outubro, após anos de abandono. A construção está caindo aos pedaços.

Em decorrência dos problemas no telhado, infiltrações e rachaduras se espalham por toda parte, o forro do teto está empenado e ameaça cair, e estão podres as esquadrias de madeira. O muro da propriedade também corre o risco de ruir. Nas salas que abrigam duas carruagens do século XIX, a água escorre pelas paredes internas nos dias de chuva.

Para garantir a restauração do imóvel histórico, o Ministério Público Federal está movendo uma ação civil pública contra a Fundação Anita Mantuano de Artes do Rio (Funarj), proprietária do solar. Mas a instituição informa que, como o imóvel está cedido para o município do Rio por prazo indeterminado desde 1976, cabe à prefeitura fazer a manutenção dele.

O município reconhece a responsabilidade e informa que está prevista uma obra emergencial, que inclui parte da cobertura, esquadrias e o muro. Mas ainda não há data para começar, já que os R$ 667 mil orçados ainda não foram liberados. Segundo Paulo Vidal, coordenador da Subsecretaria municipal de Patrimônio Cultural, está prevista uma restauração completa, financiada pelo BNDES.

— A reforma emergencial deve durar seis meses e visa a dar segurança ao solar, ao acervo e às pessoas que lá trabalham. Em seguida, assim que os trâmites do financiamento estiverem resolvidos, começará uma reforma completa, incluindo a parte de paisagismo, que custará cerca de R$ 1.900 — explica Paulo.

Em 21 de outubro, o Iphan realizou uma vistoria no local e constatou que o principal ponto de deterioração é o telhado. Foi feito um novo ofício à prefeitura para que obras emergenciais sejam iniciadas logo. Segundo o laudo, o imóvel está em franco estado de degradação interna e externa. A visita anterior da instituição ao solar ocorreu em 2006, quando já haviam sido feitas recomendações para cessar o processo de ruína.



Ameaça de multa pelos anos de abandono
Tentativa de acordo para a reforma do imóvel fracassou

Além da restauração do solar, o Ministério Público Federal (MPF) quer que a Funarj pague uma multa correspondente ao dobro dos prejuízos causados pelo abandono. Se não houver recursos suficientes para as obras necessárias, o MPF pede ainda que o Instituto do Patrimônio Artístico e Histórico Nacional (Iphan) se responsabilize pelas reformas.

— O MPF tentou resolver a questão por meio de um acordo, um termo de ajustamento de conduta, mas as instituições não se manifestaram — disse a procuradora da República Gisele Porto, responsável pela ação civil pública.

Cláudia Luna, coordenadora da ONG Nosso Papel, responsável pelo projeto Ponto de Cultura de Paquetá, lamenta o fechamento da biblioteca não só pela decadência do patrimônio histórico, mas pela interrupção do atendimento na biblioteca. Ela foi uma das organizadoras de um abaixoassinado entregue na última segunda-feira à Secretaria municipal de Cultura.

A Biblioteca Popular funcionava desde 1977 na construção.

O acervo, com cerca de 15.300 títulos, ainda está lá, assim como parte da memória da Ilha de Paquetá, que inclui fotografias antigas.

— O solar é fundamental para a educação das crianças da ilha porque, além dos livros, o espaço abriga exposições, lançamentos e cursos. A ilha tem cerca de quatro mil moradores, sendo cerca de 700 crianças e adolescentes. Eles são desprovidos de opções de lazer e cultura e vivem isolados até por conta do preço das passagens das barcas — argumenta Cláudia.

Bens tombados, porém tombados

Em Paquetá, há 17 bens tombados em níveis diferentes — um deles é um conjunto de ilhas próximas. A Escola Municipal Pedro Bruno, um dos dez imóveis tombados pelo município, é outra construção da ilha que carece de restauração.

Na fachada lateral, há infiltrações e muitas janelas estão com os vidros quebrados.

O palacete, em estilo neoclássico, foi a terceira e última sede da Fazenda São Roque e, desde da década de 60, funciona como escola. Paulo Vidal, da Subsecretaria municipal de Patrimônio, diz que há um projeto em curso para reformar toda a escola.

Em frente à escola, há um singelo coreto, na Praça São Roque, feito de alvenaria, com colunas toscanas e guarda corpo em cobogós cerâmicos.

No alto, há um beiral recortado em madeira. Alguns pedaços estão faltando.

No Parque Darke de Mattos, na Praia José Bonifácio, quase todas as luminárias e brinquedos estão quebrados. O lugar, tombado pelo Inepac, foi parte de uma antiga residência. Seus jardins têm árvores centenárias, túneis, mirantes e trilhas.

O Globo, 6 de dezembro de 2009

December 2, 2009

Mercado de armas no Rio e em SP é lucrativo

Grande fluxo bélico para os dois principais mercados do país segue por via rodoviária, vindos do Paraguai e da Bolívia

RICARDO BONALUME NETO
DA REPORTAGEM LOCAL

O contrabando de armas para criminosos segue as mesmas regras comuns da economia legal, regulado pela mais básica das leis: a da oferta e da procura. O mercado está tão lucrativo que a novidade do momento no Brasil é a utilização esporádica de pequenos aviões para contrabandear armas como fuzis automáticos. Previamente, apenas cargas mais valiosas, como drogas, justificariam o uso de aeronaves.

O grande fluxo de armas para os dois principais mercados do país -criminosos da Grande São Paulo e do Grande Rio- segue mesmo é por via rodoviária, vindos da mesma direção básica: as porosas fronteiras com Paraguai e Bolívia.

Lotes maiores chegam misturados a cargas de caminhões. Os frigoríficos são boas opções, pois é difícil que um policial rodoviário queira se embrenhar no meio de carcaças de bois para vasculhar um eventual contrabando. Caminhões-tanque também são boas opções: as armas vão bem embrulhadas dentro do líquido.

O armamento, segundo se depreende pelas amostras apreendidas, tem origem muito variada.
Os fuzis automáticos preferidos são dos dois calibres mais comuns no mundo ocidental, o 5,56 mm padrão Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) -caso do M-16 ou sua versão semiautomática vendida livremente nos EUA, o AR-15- e 7,62 mm padrão Otan (caso das várias versões do fuzil belga FAL, utilizado pelo Exército). No momento, apenas Chile e Brasil produzem fuzis na América do Sul.

A Argentina chegou a produzir sua versão do FAL, mas sua produção está parada. Fuzis FAL argentinos já foram apreendidos no Brasil com criminosos, assim como armas que eram dos exércitos da Bolívia e Paraguai.

Mesmo uma arma razoavelmente antiga -como um fuzil americano BAR, que a Força Expedicionária Brasileira usou na Segunda Guerra- continua sendo potente hoje nas mãos de criminosos. Conforme o popular clichê da imprensa, "é capaz de derrubar helicópteros" (caramba, uma pedrada bem colocada basta para derrubar um helicóptero sem blindagem!). E certamente perfuraria um carro-forte se armado com a munição adequada.

As Forças Armadas brasileiras são uma pequena fonte de armas. Além de elas estarem bem vigiadas internamente, atacar um quartel é uma medida rara e arriscada para obtenção de armas. Em 2009, apenas 16 armas foram roubadas ou furtadas do Exército; e 12 já foram recuperadas.

Algumas armas do crime vêm direto de Miami por navio para os países vizinhos antes de começarem a jornada por terra. Fuzis Ruger, por exemplo, são apenas fabricados nos EUA.
Uma outra rota de contrabando, usada principalmente no Rio, é aquela feita por navios. Como os "clientes" estão nos morros ali perto, fica fácil usar uma lancha ou um aparentemente inocente pesqueiro para receber o armamento antes mesmo de o navio atracar. Por não ter "fregueses" tão próximos, Santos, não costuma estar na rota.

A rota por mar tende a ser mais usada por contrabandistas de um modelo de arma mais raro no país, mas que começa a se fazer presente: os fuzis russos da série AK, conhecidos como "a Coca-Cola das armas", pois estão em toda a parte, são produzidos em muitos lugares, e a quantidade produzida foi prodigiosa: 60 milhões.

O russo Mikhail Kalachnikov -o "K" do nome; o "A" é de "automática"- produziu uma arma robusta e simples de usar, também calibre 7,62 mm, mas disparando uma munição mais curta que a do padrão Otan. A AK-47 (que data de 1947), sua versão melhorada AKM, e uma versão de calibre menor (AK-74, calibre 5,45 mm), costumam ser contrabandeadas de países do leste europeu (os ex-satélites do mundo comunista), e de países africanos que viveram guerras civis, como Angola, onde uma arma dessas é vendida literalmente a preço de banana. O preço, claro, aumenta quando chega nos morros cariocas. Questão de mercado, de oferta e de procura

Folha, 22 de novembro de 2009


 

December 1, 2009

Traficantes utilizam via turística

DOS ENVIADOS ESPECIAIS A CORUMBÁ (MS)


Os 120 km de terra da turística estrada Parque, que atravessa o Pantanal sul-matogrossense, são uma rota alternativa segura para os traficantes de drogas e armas que ingressam no Brasil a partir da fronteira com a Bolívia.

Com o piso ainda em bom estado, embora a temporada de chuvas já tenha começado, a estrada dá acesso às grandes fazendas pantaneiras e aos hotéis rurais que exploram as atrações oferecidas pelas planícies alagadas.

O motivo da preferência do tráfico pela rota turística é a absoluta falta de policiamento e vigilância. Recentemente, chamou a atenção dos policiais o aumento da frequência de caminhões.

"É uma estrada exclusivamente para o turismo, não há razão para caminhões de mercadorias passarem por ela. O que fazem os caminhões ali? Não é comum. Tem alguma coisa errada nisso", afirmou o delegado Hausner Helmut Voss, diretor-regional da Polícia Civil em Corumbá.

Como a falta de policiamento, a imensidão ajuda o tráfico. A estrada começa e termina na BR-262, em pontos diferentes, fazendo uma espécie de arco.

Os caminhões com armas e drogas não precisam nem deixar a estrada com o carregamento. Basta seguir para alguma propriedade, onde aviões de pequeno porte e helicópteros decolam sem qualquer vigilância, em direção aos centros urbanos da região Sudeste.

SERGIO TORRES
JOEL SILVA

ENVIADOS ESPECIAIS A PUERTO SUÁREZ (BOLÍVIA) E CORUMBÁ (MS)

Folha, 22 de novembro de 2009

 

November 29, 2009

Sem policiamento, Pantanal "exporta" armas para o Rio

Falta de fiscalização na região da fronteira faz de Corumbá um entreposto de armas ilegais que abastecem traficantes

Folha atravessou a fronteira com a Bolívia de carro pelo menos 20 vezes sem ser abordada por policiais federais ou pela alfândega

SERGIO TORRES
JOEL SILVA
ENVIADOS ESPECIAIS A PUERTO SUÁREZ (BOLÍVIA) E CORUMBÁ (MS)


Não existe policiamento na fronteira Brasil-Bolívia na região de Corumbá (MS), cidade no Pantanal sul considerada pela Secretaria de Segurança do Rio a porta de entrada de parte dos armamentos em poder do tráfico em favelas.

No posto oficial da fronteira entre os dois países só há um destacamento da Receita Federal. A Polícia Militar de Mato Grosso do Sul mantém um homem de plantão para proteger os técnicos alfandegários. Não cabe a ele abordar suspeitos. Nem a ninguém. Não há policiais federais no posto.

A fronteira pode ser atravessada de carro e a pé. São cerca de mil veículos por dia e um número impreciso de pedestres. Não é preciso mostrar passaporte ou outro documento. Ninguém pergunta para onde você vai ou o que carrega no carro ou caminhão.

Segundo a Polícia Civil fluminense, metralhadoras ponto 30 e fuzis, que podem ter derrubado um helicóptero no Rio em outubro, entram por Corumbá. Desde 2007, 40 metralhadoras do tipo já foram achadas com traficantes; quatro com o brasão da Bolívia.

Durante oito dias a Folha cruzou a fronteira ao menos 20 vezes de carro. Só viu fiscalização no último dia 10, quando o Exército fiscalizou as fronteiras com Bolívia e Paraguai.

Naquele dia, apreenderam 50 kg de bananas, com um boliviano. Nem armas nem drogas. Liberadas à tarde, as bananas voltaram à Bolívia.

Na Bolívia, há um posto da Polícia Fronteiriça e a alfândega. Mas é como não existissem. Veículos e pessoas transitam livremente. Ninguém vigia, aborda, demonstra interesse em policiar a ponte de 10 metros sobre o arroio Conceição.

De um lado do córrego é Brasil; do outro, Bolívia. Se quiser evitar a ponte, basta seguir pelas "cabriteiras", trilhas ao lado da Receita, sem fiscalização.

Apesar da facilidade, quem prefere não se arriscar opta por estradinhas, atalhos, rios, o espaço aéreo e a imensidão do Pantanal. Nada é policiado.

A PF em Corumbá tem 40 policiais, dos quais 18 novatos, de outros Estados. Pouco sabem sobre a região, fala o delegado-chefe Mario Nomoto. Ele diz que para uma ação mais eficiente, precisaria, no mínimo, do dobro do efetivo.

Na estatística da delegacia consta neste ano a apreensão de só um fuzil, argentino. Não por agentes federais, mas por PMs que suspeitaram de um homem numa "cabriteira". Essa ação decorreu da sorte, não de planejamento

Planejamento que não passa pela ocupação da fronteira com pessoal e equipamentos, disse o diretor de Combate ao Crime Organizado do Departamento de PF, Roberto Troncon Filho.
O que a PF tem feito, diz, é acordos de cooperação com Paraguai e Bolívia. Fará com o Peru. Com o Paraguai está funcionando, segundo ele. Com a Bolívia, ainda não. Daí a fronteira em Corumbá servir para a entrada de armas.

Embora haja múltiplas opções de ingresso, só há uma estrada pavimentada para escoar a carga do tráfico. Armas e drogas entram por terra, ar e água, mas para chegar ao Sudeste o caminho é único: a BR-262.

Nela, que sai de Corumbá, há um prédio em bom estado da Policia Rodoviária Federal. Por falta de pessoal, permanece fechado. A PRF de Mato Grosso do Sul diz ter 400 profissionais, o que representa um terço do efetivo ideal para a corporação, de 1.200. Essa a razão de o posto não funcionar.

 Folha, 22 de novembro de 2009


 
 

November 12, 2009

Should Writing, Like the Butterflies, be Free?

With the rise of many great free fiction websites, we wonder: Are we are headed toward a future where fiction writing is largely an unpaid labor of love? Will an expectation grow among readers that writing 'should' be free?

Right now, many writers publish for free to gain recognition, and one day hope to sell the novel that will get them paid. But with advances for literary novels going down to $5,000 - $10,000 we can see that hope become less and less justified. Is the abundance of free content contributing to that decline?

Many have an ethical stance that free is better - a cultural conversation and free exchange of ideas that we all benefit from. But does that makes writing a hobby, or a vocation for the trust-funded? Writing is a craft which can require a lifetime to master. If novelists are squeezing writing in after day jobs, will literature suffer?

Or, will the proliferation of free material make people need editors and aggregators they trust more than ever? Will readers be willing to pay to support that effort? What do you think?

Is it a problem? If so, is there a solution?

Electric Literature

November 7, 2009

Drama do lotação em cartaz no Rio olímpico

Promessas se atrasam para Jogos Escolares por falta de ônibus da Suderj

< Ary Cunha e Gian Amato





foto de Ivo Gonzales


Na longa estrada até 2016, o Rio já comete imprudências na condução de suas jovens promessas. Convocados para representar o estado nas Olimpíadas Escolares, que começam hoje, em Maringá e Londrina (PR), cerca de 90 atletas, entre 15 e 17 anos, se apresentaram com suas bagagens por volta das 15h da última terça-feira, sem saber que protagonizariam um roteiro de desrespeito e constrangimento, num cenário emblemático.

Ao contrário do que havia sido prometido pela Suderj, não havia ônibus os esperando em frente ao portão 13 do Maracanã, palco das cerimônias de abertura e encerramento dos Jogos, daqui a sete anos.

Se entre os competidores o abatimento era indisfarçável, entre os pais dos atletas, que acompanharam o episódio, o clima era de revolta.

— Tratam estes jovens como gado e depois vão querer desempenho igual ao das potências olímpicas em 2016. É assim que começou a preparação dos talentos para a nossa Olimpíada? Quem está aqui hoje, será o futuro nos Jogos do Rio — desabafou Luiz Marcos de Souza, pai do judoca Luiz Marcos de Souza Freire Filho, campeão estadual e vice-campeão brasileiro sub-17 e sub-20 na categoria até 55kg.

Suderj joga responsabilidade para empresa de ônibus

Foram cerca de nove horas de espera e nenhum esclarecimento oficial até que a delegação fosse convidada a ocupar seus assentos nos dois ônibus fretados, por volta das 22h. Mas a alegria durou pouco. Alegando que a Suderj não enviara as autorizações para a viagem dos menores, a empresa de ônibus contratada não permitiu que seus veículos partissem e todos tiveram de desembarcar e voltar para casa. O descaso se repetiu ontem, com mais 50 minutos de atraso, na saída remarcada para as 13h. A delegação carioca, última entre as 28 inscritas a se apresentar, só chega aos locais de competição hoje de manhã, um dia após o previsto. Os competidores de judô e xadrez seguem para Maringá, enquanto os do handebol e da natação ficam em Londrina. Até ontem à noite, o comitê organizador das Olimpíadas Escolares, que vão até o dia 15, não havia sido informado sobre o atraso dos atletas do Rio. Os atletas correm risco de eliminação se nenhum representante da delegação comparecer ao congresso técnico, hoje, às 10h.

— Teremos apenas cerca de 12 horas antes da luta depois de toda a viagem — lamentou Carolina Fernandes, de 16 anos, campeã estadual de judô meio pesado e terceiro lugar no Brasileiro sub-17 deste ano. — Alguns atletas talvez desistam do esporte se continuar assim. Se numa competição estudantil já fazem isso, imagine numa adulta...

De acordo com os organizadores, ligados ao Comitê Olímpico Brasileiro (COB), o “transporte até as sedes é de inteira responsabilidade de cada uma das delegações”. A Suderj, porém, tentou empurrar a culpa pelo atraso à empresa de ônibus que ela mesma contratou.

Através de sua assessoria de imprensa, a entidade informou que “toda responsabilidade pelo transporte e deslocamento dos alunos é de responsabilidade da empresa Normandy”. Ainda, de acordo com a nota divulgada, a Suderj teria notificado os realizadores das Olimpíadas “para as devidas providências, inclusive as penalidades cabíveis”.

Representantes da Normandy não foram encontrados ontem para comentar a nota da entidade.

O Globo, 5 de novembro de 2009

November 5, 2009

Ensino particular, circo e zoológico

ESCUTA AQUI

Álvaro Pereira Júnior 

Não foi o vestido, afinal nem tão curto. Foi o tamanho da multidão o que mais me impressionou nos vídeos do YouTube sobre a aluna hostilizada numa universidade paulista na semana passada.

Enquanto a estudante de turismo sai da faculdade escoltada por PMs, a câmera sobe e mostra uma cena dantesca: como numa arena romana, milhares de alunos berram e gesticulam.

O mundo do ensino "universitário" privado brasileiro, especialmente à noite, é um amálgama triste de circo com zoológico.

Estão lá filhinhos de papai que poderiam estudar numa faculdade melhor, mas por burrice e/ou preguiça acabaram em alguma boca de porco, período noturno. Estão lá as pessoas de classe média/média baixa que fizeram com sacrifício os ensinos básico e médio, ganharam uma formação cheia de falhas e agora veem numa faculdade de quinta categoria e chance de um diploma superior.

Estão lá também as exceções das exceções, alunos com bom potencial, que sentam na frente, estudam, tentam se motivar -mas são solapados pela mediocridade geral do ambiente e pelas necessidades imediatas da vida real.

Eu podia arriscar aqui comentários rasos sobre psicologia de massa, podia tentar falar de moralismo e de falso moralismo. Podia tentar entender por que uma aluna de vestido mais ou menos curto fez disparar tamanha reação de ódio em cadeia.

Mas prefiro focar na cena da multidão, naquele momento animalesco. Como uma universidade pode ter tantos alunos assim? Que tipo de ensino esses caras recebem? Será que dá para chamar de ensino? Um diploma obtido desse jeito, e num lugar desses, vale tanto assim?
Perto de casa, há uma universidade desse naipe. No começo e no fim das aulas, as ruas são tomadas pela horda de estudantes. Não há, literalmente, espaço para os carros passarem. Nessa universidade, minha vizinha, existe até curso de medicina. Como dizem no Twitter: #medo.

Folha, 2 de novembro de 2009

 

November 4, 2009

O FUTURO DA NAÇÃO


ALLAN SIEBER


Pois é, eu também fiquei chocado, mais precisamente enojado com essa notícia.
Que gente(?) é essa?
E não estamos falando de garotos do Primeiro Grau ou do Segundo Grau, não, é gente que está na FACULDADE.
Esse episódio explicita duas coisas bem nojentas e muito em voga:


1 - O atual movimento de prolongar a adolescência ad eternum. Ninguém mais quer ser adulto, todo mundo quer ser adolescente a vida toda, jogar videogame, usar boné, se vestir como garotos propaganda da Adidas, Nike ou Puma, chamar as meninas de puta.
2 - O espírito de turba. Numa multidão qualquer fascistinha dá vazão a seus impulsos e a barbárie tem lugar, é só o primeiro idiota gritar "lincha!" e o resto vai atrás. Por isso eu não gosto de  torcida de futebol. É o mesmo espírito. Ninguém tem coragem de SOZINHO ir lá na frente do jogador e xingar a mãe dele ou a mãe do cara da torcida adversária, mas num coro de "machões" todo mundo é super corajoso.
É tudo muito nojento. 


 



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October 29, 2009

Coração balão

Quando a hipereficiência da comunicação global se une à supercarência do público, notícia e ficção se equivalem no show da vida


ARNALDO BLOCH


Sinopse de notícia: menino de seis anos com nome de boneco parte num balão desgovernado rumo ao infinito.

Rastreado por helicópteros munidos de câmaras, o balão se materializa, é notícia, tangível, o argumento ganha voo e, em minutos, convertese no maior espetáculo da Terra, à guisa de confirmação, o lazer à solta, o taxímetro correndo em megabytes por segundo.

Em terra, equipes de resgate, polícia, milicos, acompanham o trajeto até que, duas horas depois, a aldeia global se contorce diante do desfecho grego: o balão, em forma de espaçonave, pousa suavemente, mas está vazio, Falcon morreu, caiu, despedaçou-se num descampado qualquer, foi até visto por um policial, ali está, o corpo que cai.

Correntes de solidariedade se formam no twitter em torno da palavra-chave balloonboy, campeã de audiência.

Mulheres e alguns homens choram copiosamente em casa, em repartições, em escritórios, redações de jornal: o pequeno Falcon, de seis anos, se foi, lançou-se, em pânico, lá do alto (4,5 mil metros).

Morte, rapto ou abdução

Permanecesse a bordo, na cesta (mas que cesta?, posto que era um balão em forma de disco voador?) até a involuntária aterragem, o menininho chegaria incólume à outra margem da travessia, como um Moisés contemporâneo, vítima inocente das vicissitudes dos adultos.

Os pais, aliás, logo estão na boca do povo: numa reedição do caso da portuguesa Madeleine, teriam, acidentalmente, causado a morte do filho. Diante do inevitável, enterraram-no, desenlaçaram o balão e mandaram o filho mais velho, de oito anos (fonte primária do grande esforço de reportagem multinacional!) , dizer que Falcon partira a bordo do artefato.

Ou seria obra de um forasteiro?, como no conto de Aníbal Machado, “O iniciado do vento”, que inspirou, junto com outros escritos dele, a novela “Felicidade”, de Manoel Carlos: em uma cidade pequena, um garoto é carregado por uma ventania e um viajante de passagem, amigo seu, é acusado de tê-lo molestado...

Na melhor das hipóteses, tratar-se-ia de alta negligência daqueles anormais rancheiros ufólogos soltadores de balões, deixar suas naves loucas assim, dando sopa no quintal, ao alcance do filhinho. Isso se não tivessem enviado o menino numa imaginária missão de terceiro grau no olho de algum tornado.

Na trilha do livre-pensar cibernético, até a abdução extraterrestre, para quem acredita, esteve entre as primeiras cogitações de blogueiros, twitteiros e circunstantes, naquelas horas em que a CNN se transformou na janela do mundo. Pois ali, na janela, estava o balão e, enquanto não se resolvesse a trama do balão e do menino, o mundo não dormiria em paz.

Se o menino morresse, por outro lado, o mundo teria emoção, dor e revolta suficientes para entreter-se por uma semana.

No início da noite, contudo, o desfecho se fez como uma ducha de água fria, para o bem e para o mal: um suspiro de alívio ecoou Terra afora, Falcon estava vivo, na garagem de casa, e o que se anunciava como um drama de longa duração convertera-se numa piada. Esse traquinas vai é levar uma surra!, e vão lhe contar de novo a fábula do menino e do lobo, pois da próxima vez que Falcon soltar o balão de papai ninguém vai acreditar, e o balão vai esvairse espaço afora, e o menino vai estar lá dentro, como no romance de Ian McEwan, “Um amor para sempre” (que virou filme), em que o avô, mesmo ajudado por um grupo de homens, não consegue evitar que o neto parta, sozinho, a bordo de um artefato voador.

Ontem, novos ingredientes se adicionariam à avalanche ficcional que, de súbito, tomou conta da corrente instantânea das comunicações humanas: uma inconfidência do menino, ao vivo, na televisão, levantava a hipótese patética de o pai, habitué de shows televisivos, ter armado tudo, com o objetivo de atrair mais publicidade aos seus feitos e suas aventuras. O menino, nesta versão, seria um mero fantoche nas mãos de Richard Heene, gênio do mal, caçador de furacões, criador de títeres, manipulador do coração vazio do público e do vazio de idéias do jornalismo travestido em entretenimento.

Confirmada a armação — que teria contado com a anuência, ou, pelo menos, com a ingenuidade dos meios de comunicação — reforça-se a constatação de que, durante poucas horas, o mundo esteve à mercê de um conto de carochinha, obra não só da família Heene, mas obra coletiva, escrita a dezenas de milhões de mãos, por jornalistas, cinegrafistas, internautas e telespectadores.

Um jovem Orson Welles ressuscitado faria a festa se noticiasse, em pleno 2009, uma invasão marciana (como fez em 1938 numa transmissão radiofônica que causou ondas pânico nos Estados Unidos), desde que as imagens fossem minimamente críveis, como a sua narrativa de então.

Bin Laden e o padre voador

Tal tipo de mobilização espetaculosa em escala global não é de hoje. Ela começa com a primeira invasão dos EUA ao Iraque, quando se inaugurou a transmissão de conflitos pela televisão em tempo real. Dez anos depois, o ataque e a queda das Torres Gêmeas no 11 de setembro assombrou o mundo com uma qualidade de transmissão irretocável, só que, ali, não havia margem para muita criação: ao contrário, era a materialização de todo um imaginário ficcional construído pela paranoia americana, em consonância com seus ideais de grandeza insuplantável.

Poucas dúvidas restavam, então, quanto ao que acontecera e de onde vinha a ameaça (a ficção, com a culpabilização do Iraque, veio depois). Mesmo assim, o compositor contemporâneo Karl Stockhousen, em declarações que chocaram os incautos, elevou a armação de Bin Laden a arte, por sua perfeição estética, sua simetria, aliada aos seus propósitos ideológicos.

Jamais, contudo, desde a primeira Guerra do Golfo, um espetáculo do gênero mobilizou, num curto espaço de tempo, tanta emoção em torno de tantas incógnitas e com tanto conteúdo simbólico envolvido como no caso do menino no balão. Talvez, justamente, por se tratar de um balão, objeto que, desde sua invenção, em inícios do século 18, pelo jesuíta brasileiro Bartolomeu de Gusmão (o “padre voador”) vem transcendendo suas múltiplas utilidades e formatos (exploração, transporte, pesquisa, lazer) à medida que seu caráter revolucionário se transforma em história remota e ele passa a habitar o terreno do lúdico.

Passados quase dois séculos da fictícia volta ao mundo de Phileas Fogg e seu fiel mordomo em 80 dias (com uma ajudinha do fuso-horário), uma outra história de menino e balão foi um dos maiores sucessos de bilheteria este ano nos EUA. No Brasil em cartaz há um mês, o desenho “Up — Altas aventuras” narra o drama de um velhinho aposentado, sem filhos, que vende balões (no caso, bexigas) num parque de diversões. Quando sua mulher, que sonhava viajar para a América do Sul, morre, ele fica sozinho e é ameaçado de ir para um asilo. Um menino, escoteiro, é seu único amigo.

Diariamente, vem visitá-lo, ajuda-o na jardinagem, faz tarefas várias. Um dia, em desespero, o velho resolve atar centenas de balões ao telhado de sua casa que, em consequência, alça voo. Mas ele não está só: o menino, no último instante, conseguira entrar na casa, e eles partem para a maior aventura de suas vidas; destino: uma América do Sul meio fantástica, desértica, venturosa.

O sonho de perder-se

Aqui, onde pipas ainda singram os céus e balões o embelezam ao mesmo tempo que provocam incêndios e acidentes, comovemo-nos com histórias como as do balão que se vai e que, serendipitosamente, volta ao quintal da casa, na quasememória do menino recriado por Carlos Heitor Cony. Toda criança, um dia, sonhou ir-se num balão, e toda criança perdida sonhou voltar para casa sã e salva. Por isso seguimos Falcon com tanta expectativa: era nosso destino, e o de nossas emoções movidas por boas e más notícias (verdadeiras ou falsas, pouco importa) que estava em jogo naquele balão.

O Globo, 17 de outubro de 2009


 


Menino viaja 9 horas em lataria de ônibus para pagar promessa

DA AGÊNCIA FOLHA

Um garoto de 11 anos viajou os cerca de 550 km entre Sales e Aparecida (ambas no interior paulista) escondido entre o pneu e o para-lama de um ônibus para pagar uma promessa para que os pais parassem de brigar.

Na noite da última sexta, o menino Jefferson disse à mãe que iria se despedir de amigos na rodoviária, mas se escondeu no ônibus, que partia em excursão.

Ele ficou deitado sobre um compartimento da lataria durante as nove horas de viagem. "Achei um lugarzinho e fiquei sossegado lá", contou.

Jefferson disse que "foi tudo tranquilo", mas que sentiu medo quando o ônibus batia nos buracos. "Deu até para dormir um pouquinho."

A mãe, Sílvia Helena Aparecida da Silva, 43, relatou o desaparecimento à polícia e ao Conselho Tutelar. O motorista foi avisado da possibilidade de o garoto estar no ônibus, mas só depois de algum tempo o encontrou.

"Cumpri o prometido e fui pedir direto para ela [a santa]", contou Jefferson.

O garoto recebeu ajuda das pessoas da excursão, assistiu a uma missa no Santuário de Nossa Senhora Aparecida e foi de joelhos ver a santa.

A volta para casa foi anteontem. Segundo a mãe, não há brigas em casa. Ela diz que ele queria apenas voltar a Aparecida, onde havia estado três vezes com a família, por ser "muito religioso".

(RENATA BAPTISTA)

Folha, 20 de outubro de 2009



October 27, 2009

Governo ignora lições da floresta atlântica

CLAUDIO ANGELO
EDITOR DE CIÊNCIA

O mais deprimente na batalha em torno do Código Florestal não são as repetidas tentativas dos ruralistas de desmontá-lo, nem as repetidas reações do Meio Ambiente para manter as proibições. O que deprime é o fato de essa mesma batalha já ter sido travada antes, na mata atlântica, sem que o governo tenha tirado dela nenhuma lição. A floresta perdeu, claro.

Aconteceu em 1961, ano de aprovação do Código Florestal, a mesma lei que se tenta mudar agora. A legislação estabelecia que 20% da área das propriedades rurais fosse deixada como reserva legal de floresta. Quem tivesse desmatado a mais deveria recompor suas propriedades, sob pena de multa.

"Mas o fim da isenção fiscal para áreas com floresta, além das injeções cada vez maiores de créditos na agricultura, tiveram o efeito pernicioso de tornar extremamente caro até para os fazendeiros mais conscienciosos preservar o mínimo de 20% de floresta, e inteiramente além de seu orçamento reservar quaisquer trechos de mata." Assim, escreveu há 15 anos o brasilianista Warren Dean no livro "A Ferro e Fogo", que tanto Carlos Minc quanto seu rival Reinhold Stephanes fariam bem em ler.

Por conta disso, as áreas desmatadas de floresta atlântica no Sudeste não puderam ser recompostas a partir de 1970.

O mesmo destino aguarda a Amazônia: com uma exigência de 80% de reserva legal, imposta por uma medida provisória que alterou o código em 1996, e um passivo ambiental imenso (o limite de desmatamento antes disso era 50%), ficou caro demais para os fazendeiros reflorestarem suas áreas. Ninguém nunca fez isso, apostando que o limite de 80% seria derrubado um dia. E esse dia parece estar chegando.

Quase cinco décadas depois da aprovação do código, o Brasil continua sem uma política fiscal florestal. Não há isenção fiscal para áreas de floresta nem crédito oficial para reflorestamento ou para o manejo sustentável de madeira em áreas replantadas com mata nativa. Em compensação, sobra crédito barato e apoio governamental para plantar capim.

O governo poderia resolver essa tragédia com uma canetada esperta. Não o faz. No apagar das luzes da gestão Marina Silva, em 2008, uma tal Operação Arcoverde prometia cortar pela metade os juros da atividade madeireira e do reflorestamento. Inexplicavelmente, Minc manteve a proposta na gaveta por um ano e meio, para ressuscitá-la agora com novo nome. A medida é bem-vinda. Mas chega com 48 anos de atraso.

Folha, 24 de outubro de 2009




 

October 21, 2009

Responsabilidade, segurança e trégua

César Oiticica

Agradecemos, emocionados, às dezenas de mensagens de solidariedade enviadas por pessoas de várias partes do mundo pela tragédia do incêndio que destruiu grande parte da obra de Hélio Oiticica.

Não concordamos, de maneira nenhuma, que cabe culpa ao governo, municipal, estadual ou federal, por esse acidente trágico que deixa o mundo da arte órfão de uma das mais destacadas obras da segunda metade do século XX. Uma tragédia absurda, muitas vezes, tem como reação uma série de protestos contra o governo. É mais ou menos como a revolta do filho contra Deus pela morte prematura do pai.

Nós escolhemos, conscientemente, desde o início, o modelo no qual acreditávamos ser o melhor para gerir a obra de Hélio. Fundamos, em 1981, o Projeto Hélio Oiticica, uma associação cultural sem fins lucrativos, com as finalidades de guardar, conservar, estudar e difundir a obra do artista.

O projeto teve um desempenho excelente, nestes 28 anos, como provam o grande aumento do prestígio da obra a nível mundial, as inúmeras teses acadêmicas elaboradas sobre a obra de Oiticica, as restaurações de grande parte do acervo e o acondicionamento correto com controle ambiental perfeito em sua reserva técnica. O item segurança não foi negligenciado, contando com dois sensores de fumaça ligados ao sistema de alarme.

No interior da reserva, no momento do incêndio, só havia um ponto com energia elétrica ativo: o desumidificador, já que o sistema de ar-condicionado não tinha ponto de energia interno e a iluminação estava sempre desligada quando a reserva se encontrava vazia. Inúmeros especialistas em museus, restauradores, curadores, historiadores de arte e artistas visitaram a nossa reserva técnica e sempre a elogiaram.

Nunca houve uma crítica.

Mesmo assim, sempre nos perseguirá o sentimento de que talvez pudéssemos ter evitado o que ocorreu. A responsabilidade é só nossa e não seria justo tentar dividi-la com alguém.
Não duvidamos, porém, que o caminho que escolhemos para gerenciar a obra de Hélio foi o correto.

A administração da obra de um artista nunca deve ser feita pelo poder público principalmente quando não há o conhecimento e a estrutura necessários para isso.

A obra de Hélio Oiticica é extremamente complexa.


Até hoje é motivo de estudos até pelos mais veteranos pesquisadores e estimula, mais do que qualquer outra, os jovens acadêmicos a elaborarem monografias e teses. A sua ousadia a torna fonte de inspiração e estímulo à liberdade de criação em todo o mundo.

Uma estrutura estatal, burocrática, jamais poderia fazer o que foi feito pelo Projeto Hélio Oiticica nestes 28 anos. Depois do desespero, uma tristeza profunda, doída, tomou conta de todos que se acostumaram a amar a obra de Hélio Oiticica. Mas esse sentimento deve ser substituído pela vontade vital de continuar o trabalho de cuidar e difundir a sua obra.

Agradecemos à imensa ajuda do Ministério da Cultura, que rapidamente acionou o Ibram para nos ajudar a resgatar as obras que sobreviveram ao incêndio.

Essa força, neste momento, transformou a perplexidade diante da tragédia em ação para a recuperação do que restou do acervo.

Temos que pedir uma trégua a todos que, por um motivo ou outro, discordam ou desgostam do Projeto HO ou de nossa família. Por favor, um pouco de solidariedade.

Pedimos também um tempo a todos que, mesmo por motivos profissionais, desejam entrar em contato conosco. Estamos tentando salvar o que sobrou do incêndio.

Contamos com a sua colaboração.

CÉSAR OITICICA é irmão de Hélio e diretor do Projeto HO

O Globo , 21 de outubro de 2009

Muita discussão e... "até o próximo incêndio?"

MARCOS AUGUSTO GONÇALVES
DA REPORTAGEM LOCAL

Na madrugada do dia 8 de julho de 1978, a quase totalidade do acervo do Museu de Arte Moderna do Rio foi consumida por um incêndio. Pinturas de Di Cavalcanti, Portinari e Ivan Serpa viraram cinzas ao lado de obras de Picasso, Miró, Dalí, Magritte e do grande artista uruguaio Joaquín Torres-García -que figurava numa ampla exposição no museu e teve a maior parte de sua obra destruída pelo fogo.

O incêndio no MAM foi um trauma, uma espécie de chacina cultural ocorrida numa instituição criada para evitá-la. Num lance de trágica ironia, alguns anos depois ardeu o apartamento de Niomar Moniz Sodré, fundadora do museu. Desapareceram obras de Mondrian, Chagall e Volpi, entre outros artistas da coleção.

Incêndios nunca mais? Bem, há poucos anos o curador Paulo Herkenhoff deixou a direção do Museu de Belas Artes depois de denunciar riscos de incêndio. E sexta-feira, foi a vez de Hélio Oiticica. Culpa da família? Culpa do poder público?

É fácil sair atirando na hora da fúria -e não é de todo mal que se atire, mesmo com a chance de errar o alvo. A energia da revolta ajuda a criar movimento. O risco é conhecido: indignação nos botequins, discussões na imprensa, promessas de autoridades e... "nos vemos no próximo incêndio?".

Seria desejável que essa tragédia ajudasse a transferir para o plano das medidas práticas a reflexão sobre o papel dos museus de arte no Brasil já elaborada por críticos e curadores como Paulo Sergio Duarte e o próprio Herkenhoff.

O sistema de instituições é irracional, invertebrado e pobre, embora no meio artístico circule bastante dinheiro. Abrem-se centros culturais como lanchonetes, empresas bancam mostras com renúncia fiscal, mas os museus vivem com pires na mão. Alguns deles nem sequer possuem acervos próprios -apenas coleções particulares em regime de comodato. Aliás, é preciso pagar para expor em instituições como o Masp ou o MAM-Rio. Essa é a realidade.
A produção de arte se expande e os problemas vão se avolumando. Já é hora de criar meios para financiar e qualificar essas instituições -e o que é básico: fazer da aquisição de acervos uma rotina cultural no país.

Folha, 21 de outubro de 2009

October 14, 2009

As cores da intolerância na raia olímpica de 2016

Federação de Remo tira jovens de uma ONG de Campos do pódio por causa de diferenças nos uniformes




Aloisio Balbi e Ary Cunha

CAMPOS e RIO. A aventura dos remadores David Motta Chagas, de 14 anos, e Guilherme Braga, de 15, começara na última quarta-feira, quando eles deixaram Campos dos Goytacazes cedo, sob chuva torrencial, para cinco horas de viagem apertados com outros dois jovens no banco traseiro de um sedã. Junto com o cabo do Corpo de Bombeiros e técnico do Rema Campos, Dimisson Nogueira, hospedaram-se de favor na sede náutica do Vasco, dormiram em colchonetes e jantaram sanduíche de mortadela por quatro dias. Na manhã de domingo passado, com um barco emprestado pelo Clube Piraquê, as jovens promessas da ONG sem fins lucrativos que a duras penas mantém viva a tradição secular do remo no leito do Rio Paraíba, deixaram o favoritíssimo barco do Flamengo para trás e garantiram, dentro d’água, o terceiro lugar e o direito à medalha de bronze na final do double skiff infantil da sétima regata do Campeonato Estadual, na Lagoa Rodrigo de Freitas.

Entretanto, o que deveria ser apenas mais um episódio de superação, nas raias que abrigarão as competições dos Jogos de 2016, terminou em lágrimas e revolta, até mesmo entre torcedores de outros clubes.

Jovens promessas de um esporte há décadas carente de novos ídolos, David e Guilherme já estavam no pódio para a premiação, quando foram informados de que estavam desclassificados, sob a justificativa de que vestiam malhas de cores diferentes, o que, segundo os árbitros, fere o Código de Regatas da Federação de Remo do Rio (FRERJ). O item X do artigo 137 diz que será excluída “a guarnição que se apresente para participar da prova ou premiação, com atletas que não estejam devidamente uniformizados”.

— Se havia infração, como deixaram que os meninos competissem? Foi uma humilhação para eles. Já estavam contentes, com a bandeirinha do nosso clube, à espera da medalha, junto com os atletas de Vasco e Botafogo (primeiro e segundo lugares na prova, respectivamente), quando souberam que estavam eliminados e saíram chorando — indaga Dimisson, que foi remador e é pai de David. — Em 20 anos de remo, nunca vi torcedores de diferentes clubes gritando “Campos” juntos, tamanha era a revolta com a decisão. Disse a eles que aquele reconhecimento do público que assistiu à conquista deles na raia era muito maior do que qualquer medalha.

Sem recursos para investir em material esportivo para vestir as 260 crianças e adolescentes de seu projeto social, o Rema Campos normalmente compete com malhas antigas e mais recentes misturadas, todas no tom azul, amarelo e branco do clube.

Foi assim durante cinco das sete regatas do Estadual, garante Dimisson, sem que nenhum integrante da equipe sequer tivesse sido advertidos pela FRERJ. Na regata de domingo, David e Guilherme foram acompanhados por nada menos do que quatro árbitros, divididos em duas lanchas, e nenhum deles apontou a infração antes da largada. O mais grave é que a dupla já havia sido premiada na quinta regata. Segundo David, eles receberam a prata com as mesmas malhas que provocaram a desclassificação no domingo passado.

— Só temos aquele uniforme e foi o que usamos da outra vez. As meninas do nosso clube também competem assim e nunca implicaram. Os árbitros viram desde a saída e até filmaram a prova. Mandaram a gente descer do pódio. Passei uma vergonha enorme — afirmou David.

Remadora master do Vasco, Silvia Pontes assistiu à cena e, revoltada com a decisão, chegou a protestar com os árbitros e até com a diretoria da FRERJ. De nada adiantou.

— A árbitra disse que era a regra, que eles deveriam estar com o mesmo uniforme. Mas, então, por que deixaram os meninos largarem? Fui ao presidente Zelesco (Alessandro Zelesco) e ele alegou que não tinha estrutura para fiscalizar todas as partidas.

Ora, que não fossem tão rigorosos com o estatuto. Que exemplo eles querem dar para as crianças pensando na Rio-2016? — indagou.

Procurado pelo GLOBO, o presidente da FRERJ, Alessandro Zelesco, não retornou as ligações ontem.

O Globo, 13 de outubro de 2009

September 18, 2009

O Demônio

Luís Fernando Veríssimo

Há dias a CNN mostrou uma mãe americana chorando, preocupada com o que iria acontecer com seus filhos. E o que iria acontecer com seus filhos era terem que ouvir pela TV um discurso do presidente Barack Obama dirigido a estudantes do ensino básico de todo o país, no primeiro dia do ano escolar. Barack recomendaria a todos que fossem bons alunos e tomassem o seu leite, mas a direita histérica criou a expectativa de que ele aproveitaria a oportunidade para doutrinar as crianças sobre os seus programas nazicomunistas, talvez até recorrendo à hipnose. Muitas escolas se recusaram a mostrar a preleção presidencial. A mãe entrevistada pela CNN estava apavorada com o que o demônio negro de fala mansa poderia fazer com a mente dos seus filhos.

A demonização do Obama se deve em grande parte à sua intenção de criar um sistema universal de saúde pública como os que já existem em todos os países civilizados do mundo (e mesmo semicivilizados, não vamos citar nomes), para garantir assistência médica aos mais de 50 milhões de americanos que hoje não têm proteção alguma. As seguradoras, indústrias farmacêuticas e empresas hospitalares que já tinham liquidado com um plano similar do Clinton mobilizaram-se de novo, com a colaboração da imprensa conservadora, de políticos reacionários e de almas simples como a mãe apavorada, e transformaram a ameaça aos seus lucros numa guerra ideológica. Ainda é incerto se o Baraca conseguirá ver seu plano, ou uma versão chocha do mesmo, aprovado. Ou se chegará ao fim do seu mandato, nesse clima.

Dias depois da mãe chorosa a mesma CNN mostrou um pastor do Sul dos Estados Unidos declarando que rezava para Obama morrer de câncer e ir para o Inferno. E a congregação dizendo "Amém!".

o Globo, 17 de setembro de 2009

Como me livro da internet livre?

CLÓVIS ROSSI

 SÃO PAULO - OK, Fernando Rodrigues, você venceu, pelo menos no primeiro tempo: o Senado liberou geral (ou quase) a internet para a campanha eleitoral, tal como você exigiu. Nada contra a liberação, mas agora quero que você me ensine como defender a minha liberdade da liberdade da internet.

Já há essa montanha de "spams" que nem o melhor anti-spam consegue deter completamente. Já há, para jornalistas, a pilha de "press-releases" que antes chegava no papel e agora entope a nossa caixa eletrônica de correspondência.

Não falta a praga dos blogs. Todo blogueiro parece achar que eu não consigo começar o dia (ou terminá-lo) sem ler o seu imperdível blog. É claro que, em época de campanha eleitoral, só pode aumentar a quantidade.

Acho que a legislação e até a Declaração Universal dos Direitos do Homem (e da Mulher) deveria incorporar o seguinte artigo: "Todo ser humano tem o direito inalienável a escolher ele próprio quais blogs quer ler. Quem impuser seu blog à caixa postal alheia cometerá crime de lesa-humanidade".

Não faltam assessores de imprensa zelosos que mandam tudo o que seu chefe diz. Eu recebo diariamente todas as falas, por exemplo, do governador Aécio Neves. Fico aterrorizado só de pensar como será na hipótese de Aécio Neves ser candidato, qualquer que seja o cargo a que concorra.

Recebo também diariamente uma correspondência com o título "Imagens do Piratini". Imagino que seja do Palácio Piratini, sede do governo gaúcho. Olha, eu adoro o Rio Grande, sei até estrofes dos hinos do Grêmio e do Internacional, mas me reservo o direito de eu mesmo procurar que "imagens do Piratini" me interessam.

Na campanha eleitoral, tudo isso será multiplicado por mil ou mais.

Desse jeito, não vai sobrar tempo para trabalhar. Será esse o preço da liberdade?


Folha, 17 de setembro de 2009

 

September 9, 2009

A cultura das armas

MARCOS NOBRE



O ANO DA FRANÇA no Brasil mostrou a que veio: foi uma oportunidade para fechar grandes negócios com armas. Nada menos que R$ 22,5 bilhões, sem contar o contrato de compra de caças, que pode custar outros R$ 10 bilhões e que deve ir também para a França.

A discussão sobre os contratos continua em banho-maria. As explicações oficiais seguem sendo insuficientes. Joga-se a nuvem do antinacionalismo e do antipatriotismo contra quem exige esclarecimentos, quando qualquer nacionalista e patriota só merece esse nome se fizer valer antes de tudo a transparência exigida pelas instituições democráticas que o país com tanta dificuldade conseguiu construir.

Uma coisa é um aparelhamento adequado das Forças Armadas brasileiras que seja compatível com a extensão do país e com o atual patamar de armamento sul-americano. Coisa muito diferente é um projeto de se tornar potência hegemônica regional inconteste. Os contratos com a França representam o primeiro passo para isso.

A realização desse projeto inclui a tentativa já fracassada outras vezes de instalar uma indústria bélica de importância no país. Já parece suficientemente assustadora a ideia de usar dinheiro público para financiar a produção e exportação de armas para destruir vidas. Mas essa nem é ainda toda a história.

Tornar-se potência militar significa gastar muito mais recursos do que o necessário para manter o equilíbrio bélico regional. É esse gasto excedente que rouba recursos da luta contra a miséria e a desigualdade. E que terá por consequência produzir tensões onde hoje elas não existem e obrigará países vizinhos a tomarem o mesmo caminho desastroso. Não bastasse isso, serão preciosos recursos do pré-sal que acabarão por financiar, direta ou indiretamente, esse projeto militarista.

A cultura francesa foi hegemônica no Brasil por pelo menos um século e meio, até os EUA lhe tomarem essa posição. Mas esse tombo em nada abalou o velho colonialismo francês, que, condescendente, continua a oferecer ao povo brasileiro a oportunidade de degustar os biscoitos finos que fabrica.

E são mesmo muitas vezes biscoitos de sonho. Só que, como sempre, a França continua sem dar a receita. Práticas reais de cooperação e intercâmbio passaram longe da lista de mais de 400 eventos culturais do Ano da França no Brasil.

Figuras renomadas vêm, fazem seu show e se vão.

O que fica são armas. Para essas, o governo francês promete ensinar a receita. Transformou as armas da cultura no prelúdio enganoso de uma cultura das armas.

Folha, 8 de setembro de 2009 

August 24, 2009

Presidente Sarney, um município entre os piores

Terra natal de senador tem baixos índices em saúde e renda

Raimundo Garrone* Enviado especial


Crianças na caminhonete que serve de transporte escolar
(foto de Gilson Teixeira)

PRESIDENTE SARNEY (MA). Ao ser emancipado em 1997, o povoado de Pimenta, no município de Pinheiro (MA), mudou de nome, mas não atraiu o interesse do homenageado por sua terra natal. Hoje, Presidente Sarney amarga uma das piores posições no Índice Firjan de Desenvolvimento Municipal (IFDM).

Dos 5.560 municípios brasileiros, ele está em 5.542º lugar no IFDM, que mede dados de emprego, renda, saúde e educação.

Dos presidentes homenageados no Maranhão (Dutra, Juscelino, Vargas e Médici), Sarney é o pior colocado. Mas a pobreza não se limita ao município que leva o nome do atual presidente do Senado. Das 20 piores colocações no IFDM, sete estão no Maranhão, governado há 40 anos pela família Sarney ou seus aliados, com breves interrupções.

Presidente Sarney não tem abastecimento de água e depende dos poços de algumas casas e do da praça, que é perene. A esperança é a ligação com o Rio Turi, distante nove quilômetros.

— Aqui tem muito cano enterrado.

Os políticos dizem na campanha que vão trazer água, mas ela só chega no inverno — diz Oswaldo de Jesus Souza, de 62.


O lixo é recolhido de tres em tres dias.

(foto de Gilson Teixeira)


Na única avenida da cidade, lixo e animais soltos
'Emprego, só na prefeitura e se for aliado do prefeito'

Sem saneamento básico, água encanada, emprego e hospital, Presidente Sarney é o retrato do abandono. Porcos, bois, cavalos, cachorros e bodes passeiam pela única avenida da cidade, a Padre Rios, onde também se acumula o lixo, que só é recolhido de três em três dias. A secretária de Saúde do município, Jamily Soares, conta que todas as crianças têm vermes.

A população enfrenta outras doenças da pobreza, como tuberculose e desnutrição. O atendimento é apenas ambulatorial.

Os partos são feitos na cidade vizinha de Pinheiro, e casos graves têm de ir para a capital, São Luís, a mais de 80 quilômetros e ainda 90 minutos de barco.

No quesito emprego e renda, Presidente Sarney tem a pior nota do IFDM: 0,0782. Pela pesquisa, até 0,4 está abaixo da linha de desenvolvimento. Farinha de mandioca e pesca são as principais fontes de renda. Muitos homens partem em busca de trabalho, deixando as famílias.

— Emprego aqui, só na prefeitura e se for aliado do prefeito — diz Oswaldo de Jesus Souza.

Escola funciona em uma antiga estrebaria A falta de perspectiva começa na escola. A única de ensino médio tem 900 vagas e funciona à noite em salas emprestadas pela prefeitura ao governo do estado.

As condições das 54 escolas são precárias. Na comunidade do Pirinã, a 13 quilômetros, os alunos estudam em uma antiga estrebaria, coberta de palha.

— Os pais preferem isso a colocar seus filhos em risco nessas (caminhonetes) D20 que fazem o transporte escolar — explica o líder comunitário Raimundo de Moraes, enquanto as crianças pedem um ônibus.

A Secretaria de Educação do município explica que os recursos para o transporte escolar estão bloqueados no Ministério da Educação porque a administração anterior não prestou contas.

Já a biblioteca pública não tem previsão de funcionamento.

— Fizemos um ofício em março para o gabinete do senador Sarney, pedindo ajuda para conseguir um acervo para nossa biblioteca, e sequer recebemos resposta — lamenta a chefe do gabinete da Secretaria de Educação, que se identificou apenas como Iranilde.

(Raimundo Garrone, especial para O GLOBO)

Veja mais fotos de Presidente Sarney no Extra Online


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August 20, 2009

Jornal move ação contra blogueiro


Sérgio Matsuura, de São Paulo

“A livre manifestação de pensamento não é direito que pode ser exercido de modo absoluto e sem restrições”. Essa passagem é praxe em processos contra veículos de comunicação. Entretanto, ela foi retirada de uma ação movida pelo jornal Folha da Manhã, de Campos dos Goytacazes (RJ). O réu é o blogueiro Roberto Moraes. O motivo: dois comentários postados por leitores no blog.

“Ao autorizar a postagem e divulgação de comentários que depreciam e violam a honra da Autora, ainda mais quando mencionadas acusações despidas de veracidade, o Réu carreia para si a responsabilidade de indenizar a Autora nos danos morais por esta experimentados”, diz a ação, que pede a retirada dos comentários sob pena de multa diária de R$ 1 mil.

O jornal também pede que o blogueiro “se abstenha de autorizar postagem de comentários depreciativos à honra da autora”.

“Isso é censura prévia. É muito estranho um veículo de comunicação querer calar alguém”, afirma Moraes, que, além de blogueiro, é professor no Instituto Federal Fluminense.

Em sua opinião, interesses econômicos estão por trás da ação movida pelo jornal. Segundo ele, a Internet criou um espaço que não foi ocupado pelos veículos tradicionais e, agora, os jornais estão tentando reaver esse lugar.

“Isso é uma tentativa de não perder o controle da informação no município”, diz.

Moraes ainda não apresentou sua defesa, o que deve acontecer nos próximos dias. Motivado pelo processo, Moraes criou um outro blog, o “Não aceito censura aos blogs”, no qual disponibiliza os processos movidos contra blogs no Norte e Noroeste fluminense.


Jornal da Imprensa, 19 de agosto de 2009

Os "caras" do companheiro Obama

ELIO GASPARI

Má notícia para a torcida do companheiro Obama.

A jornalista americana Michelle Malkin botou na rua o livro “Cultura da corrupção — Obama e seu time de pilantras, sonegadores e cupinchas” e em apenas uma semana ele ocupou o primeiro lugar da lista de mais vendidos do “The New York Times”. No chute, isso significa uma circulação de 50 mil a 100 mil exemplares. Como John McCain teve 60 milhões de votos, esse número ainda não é motivo para se arrancar os cabelos.

Malkin bate pesado, mas cada adjetivo é acompanhado por fatos. Ela lista os maus passos de algo como 50 estrelas do firmamento de Obama.

Pilantras? Bill Richardson, seu secretário do Comércio, desistiu da indicação por conta das investigações a que estava submetido. (Noves fora o pecado venial de maquiar o currículo esportivo, como o vice Joe Biden, que maquiara o acadêmico.) Uma ONG dirigida por Patrick Gaspard, atual diretor da seção de assuntos políticos da Casa Branca, tomou a terceira maior multa já aplicada a malfeitorias eleitorais, US$ 775 mil.

Sonegadores? O senador Tom Daschle desistiu de ser secretário da Saúde por má contabilidade tributária.

Foi substituído por Kathleen Sebelius, que errou as contas com a Receita em três anos sucessivos. Timothy Geithner, secretário do Tesouro, esqueceu de pagar US$ 43 mil dólares ao Imposto de Renda.

Cupinchas? A mulher mais poderosa da Casa Branca, depois de Mme.

Obama, é Valerie Jarrett, amiga e guia do casal na política e na cleptocracia dos democratas de Chicago. Ela é sobrinha do poderoso lobista Vernon Jordan, que arrumou um emprego para Monica Lewinsky, tentando mantê-la de boca fechada.

Todos os episódios e culpas narrados em “Cultura da corrupção” já apareceram na imprensa ou na blogosfera.

Malkin montou o painel, usou tintas fortes e mostrou uma paisagem onde se misturam velhas figuras de Wall Street, companheiros sindicalistas truculentos e vorazes, com ONGs tisnadas por escroques. Isso e mais Chicago, o berço político de Obama, uma espécie de Maranhão rico e industrializado. Malkin demonstra que o discurso antilobista de Obama estava mais para lero-lero. (O procurador-geral Eric Holder é lobista registrado, como o secretário da Agricultura e, de certa forma, o diretor da CIA.) A retórica da transparência, prometida durante a campanha, foi esquecida em poucas semanas.

Na mão da xará, Michelle Obama come o pão que Asmodeu amassou.

Malkin mostra que sua secretária social ganhou US$ 1 milhão trabalhando para duas companhias de gás no ano da graça de 2008, o da eleição. A carreira profissional de Michelle tem duas lombadas. Ela foi contratada pelo Centro Médico da Universidade de Chicago para um cargo que não existia, extinto com sua saída. Mais: quando o marido era um político promissor seu salário ficou em US$ 122 mil anuais. Depois que ele se elegeu senador, subiu para US$ 317 mil.

Com menos de um ano de governo, só a má vontade pode instruir a suspeita de que a qualquer momento surgirá o neologismo Obamagate. Nada aconteceu na Casa Branca que possa lembrar a licenciosidade de John Kennedy, a paranoia de Richard Nixon, a plutofilia do casal Clinton ou o imperialismo irresponsável de George W. Bush. Contudo, se algo parecido acontecer, o livro de Michelle Malkin será lembrado. Ela avisou.


Globo & Folha, 19 de agosto de 2009


August 16, 2009

Uma saída para Sarney

JOSÉ ROBERTO TORERO


CARO EX-PRESIDENTE da República e atual presidente do Senado José Sarney, é possível que nos próximos dias o senhor perca seu cargo. Acho isso difícil, já que os seus companheiros são muito, digamos, compreensivos com os erros alheios. De qualquer forma, pode ser útil já ir pensando num novo trabalho, e é por isso que lhe escrevo. O desemprego é uma coisa triste e não o desejo a ninguém. Ficar em casa vendo TV seria muito ruim para uma pessoa tão ativa. E escrever seria pior ainda. Para todos.

Por isso, examinei atentamente sua história recente e me pus a pensar qual profissão seria mais indicada a Vossa Excelência. Cheguei a uma interessante conclusão: a saída é tornar-se presidente de um clube de futebol.

As vantagens são imensas. A primeira e mais óbvia é continuar a ser chamado de "presidente". É um termo que afaga o ego, que satisfaz a vaidade, que vicia. Afinal, o presidente é aquele que está acima de todos, que manda em tudo, é aquele que tem o poder.

Mas há outras coisas boas. Por exemplo, não há que prestar contas a ninguém. Sim, às vezes existe um conselho fiscal, um grupo de diretores ou coisa assim, mas é muito raro que eles criem problemas.

Geralmente são do seu próprio grupo. No futebol, o fato de Vossa Excelência receber irregularmente um auxílio-moradia de R$ 3.800 seria deixado de lado.

Para algumas das tarefas do presidente do clube, o senhor estaria mais que gabaritado. Eles adoram, por exemplo, mudar os estatutos para poderem governar por mais tempo. E não podemos esquecer que Vossa Excelência, quando mandatário máximo do país, conseguiu prorrogar seu mandato em mais um ano.

Muitos presidentes também adoram misturar suas coisas particulares com as do clube. Às vezes, o dinheiro, às vezes os funcionários.

Assim, por exemplo, não haveria problema em que o mordomo da casa da sua filha Roseana fosse pago pelo Senado.

As prestações de contas dos clubes também são um tanto obscuras e imprecisas. Assim sendo, os boletins administrativos secretos seriam uma inovação muito bem-vinda ao futebol. Neste caso, a publicação de coisas como a nomeação de seu neto João Fernando, de sua sobrinha Vera Portela ou mesmo do namorado de sua neta para integrar o quadro de servidores do Senado não causaria problemas.

Mas há mais coincidências entre os dois empregos, muitas mais. Li que a Fundação Sarney recebe um bom dinheiro de empresas estatais como a Petrobras, que repassou R$ 500 mil para patrocinar um projeto cultural que nunca teria saído do papel. Pois os clubes, mesmo devendo uma nota preta, recebem uma boa grana da Timemania.

Também é muito comum entre os dirigentes esportivos que amigos tornem-se inimigos e vice-versa. Ora, Vossa Excelência está mais que acostumado com isso. Antes, tinha Lula e Fernando Collor na conta dos adversários ferrenhos. Hoje, são fiéis companheiros seus. Nos clubes e na política, nunca se diz nunca.

Enfim, fica aqui o conselho: caso o Senado o dispense, sempre há o futebol.

Folha, 11 de agosto de 2009


August 14, 2009

Vida descarrilada

JOSÉ GERALDO COUTO



Pedrinho, que pendurou as chuteiras anteontem, foi vítima da cultura da truculência e da estupidez


UMA SEMANA depois de o argentino Juan Pablo Sorín anunciar sua aposentadoria, desligando-se do Cruzeiro, agora quem pendura as chuteiras é Pedrinho, ex-Vasco, ex-Palmeiras e ex- -uma porção de times do Brasil e da Arábia. Sorín tem 33 anos. Pedrinho acaba de fazer 32.
Ao anunciar a rescisão de seu contrato com o Figueirense e a decisão de abandonar os gramados, Pedrinho tinha o ar de um pugilista que, depois de muito apanhar, joga finalmente a toalha.

Segundo o agora ex- -jogador, acabou a paciência dele próprio e das pessoas à sua volta com suas sucessivas contusões, que há anos o impediam de exercer com eficácia o seu ofício.

Dono de um enorme talento, Pedrinho conviveu durante a maior parte da carreira com o estigma mais terrível que pode pesar sobre um futebolista profissional, o de "bichado". Os torcedores dos clubes pelos quais atuou alternavam um carinho quase paternal por ele com momentos de desconfiança, quando não de irritação. Já os adversários só vinham com ironia e crueldade.

O fato é que ninguém nasce "bichado". O calvário de Pedrinho teve início numa data precisa. Em 6 de setembro de 1998, num jogo pelo Vasco, dois dias antes de se apresentar à seleção, uma entrada violentíssima de um certo Jean Elias, do Cruzeiro, rompeu o ligamento cruzado anterior de seu joelho direito.

Aos 21 anos, Pedrinho vivia seu melhor momento. Tinha sido decisivo para a conquista da Libertadores daquele ano pelo Vasco. Jogaria pela primeira vez na seleção. Um único pontapé fez sua biografia tomar outro rumo, como um trem que descarrila. Nunca mais retornaria aos trilhos certos. A vida que poderia ter sido estava perdida para sempre.

Num de seus vários retornos, depois de uma cirurgia e da penosa recuperação subsequente, viveu uma cena que julgo emblemática.

Era a final da Taça Guanabara de 2000. Pedrinho, que tinha feito o último gol na goleada de 5 a 1 do Vasco sobre o Flamengo, recebeu uma bola junto à lateral do campo e a conduziu pelo alto em direção à área adversária. Uma "embaixadinha" em movimento, em suma.

O gesto, que expressava sua alegria por voltar a jogar e a vencer, despertou a ira rubro-negra. O zagueiro Juan deu-lhe um carrinho criminoso, vários flamenguistas avançaram contra ele, o tempo fechou.

À beira do campo, o então técnico do Vasco, Abel Braga, apressou-se em dizer ao treinador adversário que apoiava a agressão flamenguista a Pedrinho, pois este tinha ferido a assim chamada "ética" dos boleiros, que proíbe a "provocação". Na TV, locutores e comentaristas engrossaram o coro de censura a Pedrinho. Só faltou gritarem: "Lincha".

Naquele momento ficou claro, para mim (e certamente para Pedrinho), que vivemos sob o império da truculência e da estupidez. "Neste país é proibido sonhar", escrevera Drummond seis décadas antes.

Em outubro de 2002, em outro de seus renascimentos para o futebol, Pedrinho, então no Palmeiras, foi pego no antidoping, por conta do antidepressivo que tomava.

Esclareceu-se depois que o remédio era ingerido com a anuência da CBF. Pedrinho, afinal, tinha motivos de sobra para se deprimir.

Folha, 8 de agosto de 2009

August 13, 2009

Produtos eróticos com selo verde ganham as vitrines

Cresce o mercado para lingerie, cremes e brinquedinhos ecológicos

Que a revolução verde está tomando conta de vários segmentos, todo mundo sabe. Pois, agora, é a vez dos produtos eróticos ecologicamente corretos.
Apesar de ainda representarem uma fatia pequena dentro da dimensão do mercado do sexo — que no Brasil já movimenta anualmente R$ 900 milhões, com crescimento médio na ordem de 10%, segundo dados da Associação Brasileira das Empresas do Mercado Erótico (Abeme) —, peças produzidas com materiais biodegradáveis ou recicláveis começam a chegar ao país e representam uma boa oportunidade de negócio.
Algumas dessas novidades poderão ser conferidas na 15aedição da Erótika Fair, que acontecerá de 9 a 12 de outubro no Mart Center, em São Paulo. O evento comporta até 40 expositores e tem atraído em média 20 mil visitantes por edição, sendo 10% do público voltado para negócios.
Além de inovações tecnológicas — como o masturbador masculino japonês Tenga (que conta com três velocidades e forças de sucção diferentes) e a 3ageração do OhMiBody, que vibra de acordo com som ambiente —, o evento trará opções criativas na área sustentável.

Vibrador com selo do Greenpeace

— Há uma nova geração de empresários do ramo preocupados com a questão ecológica. Percebemos o uso de tecidos e bases cosméticas naturais substituindo as sintéticas, que são de difícil decomposição. Nesse contexto, entram as roupas íntimas feitas com fibra de bambu e as loções e cremes com óleos vegetais, ao invés de derivados de petróleo — diz Evaldo Shiroma, organizador da feira e presidente da Abeme.
Boa parte desses artigos ainda não ultrapassaram as fronteiras da Europa e dos Estados Unidos. Mas nem por isso empresários do ramo têm desistido de investir no segmento.

— As pesquisas e os produtos que já existem no mercado aliam preservação do meio ambiente com o bem-estar promovido por materiais inovadores, mas muitos ainda são trazido lá de fora — informa Shiroma, acrescentando que 70% dos produtos eróticos comercializados no Brasil hoje são importados.
Na loja Over Sexy, no shopping Città America, Barra da Tijuca, os mais antenados já encontram os vibradores da marca sueca Lelo, que aposta em materiais não tóxicos e formatos inspirados nas curvas femininas. A preocupação com a sustentabilidade está no uso de baterias internas recarregáveis, que dispensam pilhas. Dependendo do modelo, o preço pode chegar a R$ 1.573.
Há no mercado, ainda, chibatas de couro ecológico (R$ 60) e lingerie com fibra de bambu (R$ 90), que possui alta elasticidade e ainda é anti-bacteriológica.
Para garimpar novidades, a proprietária da Over Sexy, Izabela Berg, frequenta feiras e eventos internacionais.

— Acaba de ser lançado na Irlanda um vibrador que não utiliza bateria e tem o selo do Greenpeace. Para fazer vibrar é preciso “dar corda” manualmente.
E o mais legal é que a potência que não é utilizada fica armazenada — explica a empresária, que também é apresentadora do programa “Boa de cama”, do canal Sexy Hot, onde dá dicas sobre brinquedinhos eróticos.
Ralf Furtado, gerente comercial da A2 Conveniências Eróticas, em Ipanema, também não abre mão de viajar para conhecer as tendências do mercado. De malas prontas para visitar a StorErotica 2009, no mês de setembro, em Las Vegas, o empresário aposta na comercialização de óleos de massagem vegetais e biodegradáveis — que diferentemente dos minerais não obstruem as glândulas de excreção e são menos poluentes (R$ 69,70) — e vibradores feitos de cyberskin (R$ 457,90), que imita pele humana e não tem ftalato (composto difícel de ser biodegradado).
A loja vende até um consolo de vidro (R$ 529,70), que é hipoalergênico e pode ser reciclado diversas vezes, diferentemente do plástico.

— Como utilizam tecnologias diferenciadas, os produtos eróticos sustentáveis ainda têm custo de fabricação mais elevado, o que aumenta em pelo menos 30% o valor de venda. A procura ainda é pequena, pois os brasileiros ainda não estão ligados no assunto. Por isso precisamos chamar a atenção para o negócio de formas inteligentes — afirma Furtado.

Lingerie feita de látex ecológico

Antenada com a nova tendência, a empresária Suzana Leal, da Pselda, vai usar na próxima coleção um tecido ecológico feito de látex sustentável — extraído sem causar danos à natureza — para fazer leggings, sutiãs e calcinhas.
Parece couro sintético, mas a diferença é que não agride o meio ambiente.

— Aqui, essa preocupação faz parte da rotina. Nossas embalagens são ecobags, e os saquinhos de calcinhas são de filó.


O Globo, 9 de agosto de 2009

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Musa pornô vira caso de segurança nacional

Governo indiano usa lei para tirar da internet primeira HQ do gênero no país

Florência Costa

NOVA DÉLHI. Com seus longos cabelos negros, seu sári colado ao corpo curvilíneo e um apetite sexual insaciável, a bela dona de casa indiana Savita Bhabhi era a maior inspiração das fantasias sexuais de milhões de indianos. Ela nasceu há um ano, ganhou vida na internet e se transformou na primeira estrela pornô em quadrinhos online da Índia. Mas Savita ganhou um poderoso inimigo: o governo do país a considerou obscena e inaceitável. Assim, as aventuras sexuais dessa “cunhada” indiana — o sobrenome Bhabhi significa mulher do irmão mais velho — chegaram ao fim.

O mais curioso foi que o governo decidiu exterminar a estrela pornô valendose de uma lei usada para casos de segurança nacional, decretada após o ataque terrorista ao sistema de trens de Bombaim em 2006. A legislação permite ao Estado censurar sites que ameaçam a integridade do país e possam perturbar as relações de amizades da Índia com os países vizinhos.

“O que Savita fez para merecer isso?”, era a chamada de um dos muitos artigos da mídia indiana sobre o assunto. Os tradicionalistas acusaram Savita de ser um atentado contra os valores mais arraigados da conservadora sociedade hindu. O flerte com a cunhada mais velha é tema tradicional na cultura popular indiana.

Savita era um símbolo de pensamentos impuros, sonhos sexuais, fantasias, infidelidade. Ela seduziu os indianos: o site atraiu 60 milhões de pessoas por mês, 70% dos quais indianos.

A cada dia havia uma nova história no site. Mesmo casada, ela tinha escapadas sexuais com vários homens: vendedores ambulantes, adolescentes e até juízes de concurso de miss. Um dos últimos episódios mostrava-a seduzindo um personagem que lembra o ator Amitabh Bachchan, ícone de Bollywood.

O autor do quadrinho erótico é um empresário britânico de origem indiana, Puneet Agarwal, de 38 anos. Ele explicou que sua intenção era mostrar a sensualidade das mulheres indianas: — Elas também têm desejo sexual.

Os que criticaram a censura alegam que outros sites pornôs continuam no ar, mesmo com a pornografia proibida no país. Então por que o governo aplicou a lei somente com relação a Savita? A sedutora cunhada usava todos os adereços de uma indiana típica: o sári, o bindi no meio da testa, o mangalasutra (colar que sinaliza o status de casada). Há quem aposte que foi por isso mesmo — por simbolizar a sociedade indiana — que ela acabou vítima da pena de morte.

A vida breve e a morte repentina de Savita provocaram um debate sobre a reprimida sexualidade na terra do Kama Sutra, o milenar tratado erótico indiano.

Para alguns, o episódio revelou a problemática relação dos indianos com o sexo. Muitos achavam que Savita era um símbolo de liberdade, poder e sexualidade da reprimida mulher indiana.

— Isso mostra que somos uma sociedade hipócrita e sexualmente reprimida, ainda que tenhamos monumentos como Khajuraho, com pedras esculpidas há milênios com cenas eróticas — disse o publicitário e comentarista de TV Suhel Seth.

Logo após a censura, no início de junho, o criador de Savita organizou uma campanha de ressurreição de sua criatura: “Salve Savita online”. Foi um sucesso. Mas, na semana passada, o empresário jogou a toalha. Nem ele teve forças para resistir à pressão da conservadora família indiana: — Lamento os problemas causados a todos os blogueiros e fãs que apoiaram essa causa. Questões pessoais e familiares me obrigam a encerrar essa campanha — publicou Punnet Agarwal recentemente em sua página.

O Globo, 9 de agosto de 2009

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