July 29, 2011

Amy Winehouse: caretice autodestruitiva

Por Heitor Pitombo 

“Artistas como Amy Winehouse vivem em tempos nos
quais as drogas, efetivamente, encaretaram a música"

 Dizem que as mortes de Brian Jones, Jim Morrison,
Jimi Hendrix e Amy Winehouse foram deliberadamente
provocadas pelo consumo de drogas. Ora... Cobain
se encheu de Valium e heroína mas só morreu mesmo
porque se suicidou com um tiro. Joplin aplicou uma
dose de heroína cuja concentração, acidentalmente,
estava muito acima do normal. Hendrix tomou barbitúricos
e deu o azar de passar mal e engolir o próprio
vômito. O caso de Amy foi outro, seja qual for o resultado
da autópsia. A cantora teve a maior parte de
sua carreira pautada nos episódios em que expunha
sua decadência física. Com tanto espaço dado pela mídia
para tais efeitos, e com o próprio tempo que ela
dedicou ao uso de drogas —, a música, principalmente
depois do sucesso de “Back to Black”, acabou ficando
em segundo plano.
Dizer que Amy está em pé de igualdade com cantoras
seminais da soul music e do jazz, como Aretha
Franklin, Nina Simone, Etta James e Dinah Washington,
é um baita exagero. Ela, no máximo, reciclou o estilo,
que andava em baixa. A vivência com as drogas influenciou
as letras de suas canções, mas não abriu portas
para novos caminhos musicais. Artistas como Amy
vivem em tempos nos quais as drogas, efetivamente,
encaretaram a música.
Mas nem sempre foi assim. A
heroína, apesar do efeito letal
que trouxe para uma enorme
gama de jazzistas entre os anos
1940 e 1960, serviu de combustível
para o som que faziam. Se
os picos na veia não ajudaram
Charlie Parker a ser mais genial
e revolucionário do que já era,
dado ao seu estado avançado
de dependência, discos como o
genial “Jazz at the Massey Hall”
jamais poderiam ter sido gravados
não fosse pelo efeito
apaziguador da droga. Se Miles
Davis morreu por conta da obsessão
por heroína, ela fazia
parte do ambiente que despertou
no trompetista as ideias
que o levariam a criar, nos anos
1950, o cool jazz. A extensão
vocal de Billie Holiday, por conta
do consumo de drogas, foi diminuindo. Mas é justamente
em um de seus últimos e melhores discos,
“Lady in Satin”, que ela conseguiu se valer de suas limitações
técnicas para impostar a voz de um jeito que
mesclava fragilidade física e desenvoltura emocional.
Na década de 1960, o LSD e o psicodelismo mudaram
a história do rock. “Sgt. Pepper’s Lonely Hearts
Club Band”, dos Beatles, seria um disco completamente
diferente se John e George não tivessem experimentado
ácido em 1965. A influência da substância no processo
criativo e nas paisagens descritas é inegável. Os
happenings que balançaram a Swinging London em
1967 — onde o LSD era recomendado aos seus freqüentadores
— fomentaram um novo som que rompeu
as amarras que a música pop tinha com fórmulas
mais antigas. Eventos como o 14 Hour Technicolor
Dream Extravaganza ajudaram o Pink Floyd a formatar
o seu som. Com o andar dos anos 1970, a energia criativa
motivada pelo LSD foi sendo substituída pela aridez
artística da cocaína, que por conta da natureza de
seu consumo — em que carreiras são cheiradas seguidamente
— roubou o tempo antes dedicado ao fluxo
criativo. Existe coisa mais careta do que Elis Regina
ter desperdiçado sua vida com uma substância que
não trouxe nada para a sua música? 

HEITOR PITOMBO é músico e jornalista da 
Revista de História da Biblioteca Nacional

O Globo, 28 de julho de 2011

 

June 25, 2011

Preconceito mora ao lado do Sítio do Picapau Amarelo?


Professores debatem futuro de Monteiro Lobato após polêmica sobre racismo


Alessandra Duarte e Dandara Tinoco


Marina Cartum,  8 anos: para o pai, Lobato dá  chance de se discutir racismo / Eliária Andrade

RIO - "Não reparem ser preta. É preta só por fora, e não de nascença. Foi uma fada que um dia a pretejou, condenando-a a ficar assim até que encontre um certo anel na barriga de um certo peixe. Então o encanto se quebrará e ela virará uma linda princesa loura". É Tia Nastácia, na apresentação feita por Narizinho em "Reinações de Narizinho". É também um dos motivos que levaram o autor Monteiro Lobato a se tornar pivô de uma polêmica envolvendo Ministério da Educação, professores e pais: a grande obra da literatura infantil brasileira, criadora de todo um universo, é racista?

Para profissionais de educação, esse debate pode até afetar o uso, pelos colégios, da obra de Lobato pelas futuras gerações de alunos. Independentemente de a obra ter ou não elementos racistas, professores já afirmam que ela deve ser sempre trabalhada mostrando-se aos alunos o contexto histórico - uma sociedade com resquícios escravocratas - no qual ela foi escrita.

A polêmica começou em outubro de 2010, quando parecer aprovado por unanimidade pelo Conselho Nacional de Educação (CNE) recomendava que "Caçadas de Pedrinho" fosse distribuído às escolas públicas com nota explicativa sobre a presença de estereótipos raciais, que, dizia, estavam em trechos como "Tia Nastácia (...) trepou que nem uma macaca de carvão pelo mastro de São Pedro acima". O ministro da Educação, Fernando Haddad, rejeitou o parecer.

Semana passada, a discussão voltou, após o MEC informar que distribuirá a professores um livro que os orienta sobre como lidar com temas como preconceito - e, aí, cita Lobato. "Podemos inferir de suas obras (...) preconceitos e formas de discriminação facilmente atribuíveis a esse momento de nossa História (...). Entretanto, dizer que os livros infantis de Lobato são preconceituosos e recusá-los ou censurar passagens, em nome do combate ao preconceito, é esquecer que são ficções".

"Contradições do seu tempo"

 Há professores que adotam Lobato para alunos mais velhos, que já entendem o contexto histórico. No Colégio Santo Agostinho, Zona Sul do Rio, o autor não está no programa obrigatório do ensino fundamental, só no do 3 ano do ensino médio.
- Tem que ter a idade para (Lobato) ser trabalhado. Houve um histórico de que Lobato era para criança por causa do "Sítio do Picapau Amarelo". Achamos uma grande besteira trabalhar por trabalhar, porque a vovó leu - diz Teresinha Bregalda, coordenadora de língua, literatura e redação do colégio.

Em outras escolas, Lobato continua sinônimo de livro para crianças de todas as idades. No Pedro II, também no Rio, professores afirmam que seus livros permanecem sendo adotados no ensino fundamental.

Biógrafa de Lobato e curadora de sua obra, a historiadora Marcia Camargos crê que há, sim, risco de o autor passar a ter pecha de preconceituoso e que isso diminua seu uso:
" Se começarmos com essa censura, teríamos que banir Shakespeare (Marcia Camargos) "

- Espero que isso não ocorra, seria miopia. Ele, como clássico, reflete as contradições de seu tempo. Se começarmos com essa censura, teríamos que banir Shakespeare por causa da imagem de judeu avaro em "O mercador de Veneza", por exemplo - diz. - O Lobato expõe a exclusão na sociedade. Se algo do começo do século passado incomoda tanto até hoje, é porque isso continua presente.

Para Marcia, que acha desnecessária a cartilha do MEC com orientações a professores, o autor não seria racista - apesar de, no começo deste ano, cartas dele a a amigos, reveladas pela revista "Bravo", terem mostrado um Lobato simpático à organização racista Ku Klux Klan.
- Uma das histórias que a neta de Lobato (em um dos livros de Marcia, "Juca e Joyce - Memórias da neta de Monteiro Lobato") contou foi que certa vez chegou na casa deles, para jantar, um jovem escritor negro. A empregada deles, negra e que inspirou Nastácia, não quis servi-lo, pois ele "não sabia o lugar dele"; Lobato disse a ela que ele era uma visita como qualquer outra - diz Marcia, para quem boa parte do que poderia ser racista vem de Emília, "que é mesmo politicamente incorreta".

Uma das organizadoras de "Monteiro Lobato - Livro a livro", Marisa Lajolo diz que Lobato, "homem de seu tempo, entusiasmou-se por teorias diversas, algumas hoje execradas":
- Sua correspondência sugere múltiplas e nem sempre compatíveis crenças e práticas, mas delineia uma pessoa sempre disposta a se corrigir.

Intérprete de Tia Nastácia no remake do "Sítio", da TV Globo, entre 2001 e 2006, Dhu Moraes diz que mesmo um autor de clássicos "é capaz de ser infeliz numa colocação":

- Acho que foi o que aconteceu. E, se não foi isso, prefiro acreditar que foi, porque quero ter essa boa vontade com ele - diz Dhu, que acha importante o livro do MEC com orientações aos professores. - O professor vai explicar que aquilo foi escrito em certa época. Sem essa leitura, isso pode pôr por terra toda uma luta por igualdade de direitos.

Também negro, o historiador e escritor Joel Rufino dos Santos diz que uma explicação crítica feita pelos professores pode "corrigir" os trechos racistas da obra de Lobato:

- Uma criança negra pode se sentir arrasada ao ler essas referências a negros. Hoje ninguém crê que o Brasil é uma democracia racial. Os negros estão entrando na escola. Parte dos leitores de livros infantis são negros e filhos de negros, e é claro que essa garotada não vai gostar de ler isso. Lobato é do tempo em que se acreditava na inferioridade do negro. A tendência é que vá sumindo das listas recomendadas, ao menos alguns de seus livros.
" Uma criança negra pode se sentir arrasada ao ler essas referências a negros "

Relatora do parecer do conselho do CNE sobre "Caçadas de Pedrinho", a professora Nilma Lino Gomes não quis dar entrevista sobre o assunto, dizendo que o conselho ainda não terminou de analisar o parecer depois que ele foi mandado de volta pelo MEC. Perguntada se ela se sentiu alvo de preconceito ao ler a obra de Lobato - Nilma é negra -, ela não respondeu.
Integrante do CNE, a secretária de Educação Básica do MEC, Maria do Pilar Lacerda, diz que o tema volta ao debate em junho:

- Sou radicalmente contra a censura. Esses trechos devem ser trabalhados por professores com sensibilidade, independentemente da idade do aluno - diz Pilar, que lembra-se de ter ficado "incomodada" ao ler, aos 7 anos, o trecho em que Nastácia é comparada a um macaco.
Negra, a professora de História Maria Ferreira recorda-se de, pequena, ter identificado racismo em Lobato através de outro personagem, o Saci. Mãe de Malik, de 5 anos, e de Kayodê, de 2, ela acredita que, lendo as obras sem explicação, crianças podem "introjetar o preconceito":

- Acho que não daria "Caçadas de Pedrinho" para os meus filhos lerem. Daria outras obras de Lobato. Talvez dê ("Caçadas") quando estiverem maiores, com um trabalho para que leiam com olhar crítico.

Pai de Marina, de 8 anos, o arquiteto Marcos Cartum incentiva que a filha leia Lobato:
- A polêmica é a incapacidade de compreender a obra no contexto histórico. Lobato dá a chance de discutir o racismo.

 
"Todos tomaram café , menos Cinderela. - Só tomo leite - explicou a linda princesa. - Tenho medo de que o café me deixe morena. - Faz muito bem - disse Emília. - Foi de tanto tomar café que Tia Nastácia ficou preta assim...
- trecho de "Reinações de Narizinho


 Só não compreendo por que Deus faz uma criatura tão boa e prestimosa nascer preta como carvão. É verdade que as jabuticavas, as amoras, os maracujás também são pretos. Isso me leva a crer que a tal cor preta é uma coisa que só desmerece as pessoas aqui neste mundo. Lá em cima não há essas diferenças de cor
- Emília, em "Memórias da Emília"
 
O Globo, 22 de maio de 2011 

February 1, 2011

As garras de uma mãe tigresa


Filha de chineses, professora de Yale causa polêmica ao propor educação linha duríssima para as crianças.

Fernanda Godoy

Com um livro provocativo - no qual afirma a superioridade da forma chinesa de educar sobre a americana - Amy Chua, uma filha de imigrantes chineses que chegou ao corpo docente da Universidade de Yale, vem criando grande controvérsia nos Estados Unidos. A defesa de um sistema draconiano  - em que crianças são obrigadas a estudar horas intermináveis de piano e violino, proibidas de brincar ou de ver TV, de dormir na casa de amigos, e são punidas se não tirarem a nota máxima - provocou uma enxurrada de mensagens de ódio, múltiplos artigos na internet e em blogs, e até mesmo ameaças de morte.


"Battle Hymn of the Tiger Mother" virou best-seller, está a caminho de virar filme em Hollywood, e já começa a fazer sucesso na China, onde foi lançado com o título "Ser mãe na América". A polêmica começou com a publicação de trechos do livro no Wall Street Journal, com o título "Why Chinese mothers are superior", que gerou mais de oito mil comentários no site do jornal.

"O que os pais chineses entendem", escreve Amy Chua, "é que nada é divertido até que você seja bom no que faz. Para ser bom em alguma coisa, você tem que trabalhar, e crianças, por conta própria, nunca querem trabalhar, e é por isso que é crucial passar por cima das preferências delas. Isso geralmente requer uma fortaleza da parte dos pais, porque a criança resiste; as coisas são sempre mais difíceis no começo, que é quando os pais ocidentais tendem a desistir". A teoria explicaria por que ela ameaçou queimar os bichos de pelúcia da filha se ela não melhorasse o desempenho no piano.

Amy também conta que devolveu cartões de aniversário feitos pelas filhas, por considerar que não estavam à altura de sua capacidade, e que humilhou a filha mais velha, chamando-a de "lixo" , ao se sentir desrespeitada. Os relatos causaram reações furiosas, de pessoas que queriam denunciá-la por abusos contra menores e até pedir sua prisão. Na sua linguagem crua, Amy reconhece que "o fato é que pais chineses podem fazer coisas que pareceriam inimagináveis - e mesmo sujeito a ações legais - a ocidentais".

As duas meninas, Sophie, hoje com 18 anos, e Louise, de 15, tem currículos escolares brilhantes e viraram prodígios no piano e no violino. Mas Amy admite que teve que recuar um pouco no seu método depois que a filha mais nova se rebelou, aos 13, e abandonou o violino. No livro, Louise diz a uma amiga: "Eu não tenho tempo para nada divertido, porque sou chinesa". As duas meninas a tem acompanhado na platéia de programas de entrevista na TV, demonstrando apoio.

O marido, também professor em Yale, Jed Rubenfield, é judeu americano, e foi pego no meio da polêmica. Uma das respostas mais fortes veio de um artigo de uma mãe judia, Ayelet Waldman, entitulado "Em defesa da mãe ocidental, culpada, ambivalente e preocupada". No New York Times, o colunista David Brooks disse que "Amy Chua é fraca". "Praticar música por quatro horas requer atenção focada, mas não é de longe tão exigente do ponto de vista cognitivo como dormir na casa de amigas de 14 anos. Administrar rivalidades, negociar dinâmicas de grupo, navegar as distinções entre si mesmo e um grupo - esses e outros testes sociais impõem demandas que superam qualquer aula em Yale."

Mesmo Amy Chua, que antes da atual polêmica era mais conhecida por dois livros sobre relações internacionais - o mais recente deles sobre as razões para o declínio de impérios - começou a jogar água na fervura. Em entrevistas às TVs ABC e NBC esta semana, começou a suavizar suas declarações, depois de contar ter recebido ameaças de morte. No Colbert Report - um dos programas de humor de maior sucesso na Tv paga americana - Amy se disse surpresa com as reações.

- É um livro de memórias, era para ser engraçado, uma paródia de mim mesma. O livro fala do sistema de educação dos imigrantes chineses, no qual fui criada, e sobre alguns pontos fortes que vejo nesse sistema, mas também é sobre os meus erros, sobre como tive que recuar - defendeu-se.

Colbert pediu-lhe que não recuasse, dizendo que havia um componente políico que não podia ser desprezado.
- Nós estamos aterrorizados com os chineses, desde a abertura dos Jogos Olímpicos de Pequim, quando vimos que eles tem muito mais disciplina do que nós - disse Colbert, em tom de brincadeira.

Na mesma noite, em seu discurso do Estado da União, o presidente Barack Obama tocou no tema do receio americano de perder a supremacia ao falar das mudanças ocorridas na economia mundial das ultimas décadas.

- Nações como a China e a Índia deram conta de que, com algumas mudanças por sua conta, elas poderiam competir neste novo mundo. E então ela começaram a educar seus filhos mais cedo e por mais tempo, com maior ênfase em Matemática e Ciências - disse Obama, citando que a China possui hoje o computador mais rápido do mundo e a maior unidade privada de pesquisa sobre energia solar.

O Globo, 30 de janeiro de 2011.