March 28, 2009

Robin Hood, o malvado

Ladrão roubaria de pobres e ricos para si mesmo e não teria nada de nobre, diz historiador

Fernando Duarte Correspondente • LONDRES

Julian Luxford é o primeiro a admitir que Robin Hood tem sido uma mina de ouro para o mundo acadêmico no que diz respeito à projeção e à polêmica.

Mas para o australiano, professor do Departamento de História da Universidade de St. Andrew’s, na Escócia, o interesse pelo homem apelidado de príncipe dos ladrões não está ligado às discussões sobre sua existência. Luxford é fascinado pelo que chama de processo de revisionismo religioso e ideológico de uma figura que, diferentemente do que há séculos se conta, pode não ter sido heróica e tampouco nobre em suas andanças pela floresta de Sherwood, perto da cidade inglesa de Nottingham.

Luxford é o autor de um polêmico artigo publicado no início do mês na revista “Journal of Medieval History”. Com base na descoberta de anotações no rodapé de um dos volumes da “Polycrhonychon” (uma enciclopédia histórica com origens no século XIV) feitas por um monge católico, o historiador alega que Robin Hood e seu bando estavam longe de ser figuras populares entre os pobres e oprimidos.

Especialmente porque os mais desvalidos também faziam parte do rol de vítimas das ações dos bandidos, diferentemente da tão alardeada preferência por métodos mais drásticos de distribuição da renda obtida em pilhagens das grandes fortunas dos nobres ingleses.

— Em vez de descrever o herói revolucionário que hoje conhecemos, a inscrição fala em como um fora-da-lei conhecido como Robin Hood infestava Sherwood e outras áreas da Inglaterra com seus asseclas — conta Luxford, em entrevista ao GLOBO. — Trata-se não apenas da primeira referência histórica real medieval que temos sobre Robin Hood, fora os elementos de folclore, como também a primeira evidência sobre o contexto em que ele viveu.

A última frase é uma alusão ao debate sobre o período que em Robin Hood teria vivido. O historiador descobriu as anotações do monge anônimo durante uma pesquisa sobre desenhos medievais na biblioteca de Eton, a famosa escola particular britânica. Luxford afirma que o fato de a inscrição ter sido feita num trecho do livro que descreve o período entre 1294 e 1299 da história inglesa sugere que o bandido passou por esse mundo durante o reinado de Eduardo I (1239-1307). Uma datação diferente do período que anteriormente servia de pano de fundo histórico para as ações de Robin Hood — o reinado de Ricardo I (1189-1199), mais conhecido pelo apelido de “Coração de Leão”.

A construção do mito romântico

Embora assegure não duvidar da existência de que alguém real tenha inspirado a lenda de Robin Hood, Luxford vai reanimar a polêmica envolvendo o mito e o ladrão. A primeira menção escrita sobre o larápio-arqueiro está num poema de 1377, de autoria atribuída a William Langland. É uma referência breve, mas a invenção da imprensa multiplicou as citações, ao ponto de no século XVII já haver 200 menções de seu nome em poemas, romances e peças. Havia até homenagens de bandidos que adotavam as alcunhas de Robin e outros supostos integrantes do bando.

Para aumentar a confusão, para alguns historiadores Robin Hood era um apelido dado a bandidos comuns, abrindo a hipótese de que mais de um tenha vivido na mesma época e em regiões diferentes da Inglaterra. Mas, para o historiador australiano, a maior curiosidade é a construção do mito que chegou aos nossos dias.

— Não estou questionando a existência de Robin Hood, mas sim a percepção exageradamente romântica de sua figura. Existe uma grande tendência de idealização da Idade Média em relatos pós-Reforma, sobretudo os de origem protestante. E o fato de os documentos disponíveis sobre o período serem muito raros torna ainda mais fácil o fortalecimento de mitos, ainda mais com o folclore — explica Luxford. — No século XIX, por exemplo, Robin Hood era um típico herói da classe trabalhadora, por mais que não haja nenhuma evidência que ele roubava dos ricos e dava aos pobres.

Mas o historiador tampouco despreza o fascínio que a figura do ladrão ainda exerce em pleno século XXI. Ao lado do Rei Arthur, Robin Hood é a única figura de autenticidade questionada a constar no dicionário biográfico britânico publicado pela Universidade de Oxford.

O Globo, 28 de março de 2009

March 9, 2009

Liberdade enquadrada e impressa em madeira

O xilogravador Rubem Grilo exibe sua fase mais autoral e subjetiva

Táia Rocha


O limite estético sempre foi associado a uma ameaça para as artes plásticas. Contudo, se a idéia de que é preciso liberdade total para criar uma obra parece ser consenso universal, o xilogravador mineiro Rubem Grilo só considera e reconhece seu trabalho artístico a partir de 1973, ano em que passou a ilustrar jornais e fascículos periódicos. Se para muitos artistas a demanda formal da imprensa seria um desestímulo à criação, para Grilo representou a redenção:

– Me formei em agronomia, nunca fiz faculdade de belas artes. Não gostava da academia, sentia uma atmosfera de crítica e repressão a cada passo dado ali. No jornal, era livre para criar sem ficar me perguntando se o que estava fazendo era bom a cada minuto – conta.

Grilo – que inaugura nesta terça-feira a exposição Xilográfico, na Caixa Cultural, com 170 gravuras figurativas e abstratas, da fase que vai de 1985 até 2009 – permaneceu na imprensa até 1985, quando a ditadura militar chegou ao fim.

– A democracia voltou e pensei: "Perdeu a graça. Agora não há o que contestar, vai se tornar apenas mais uma opção profissional, como as outras". – explica o artista de 63 anos.

Processo ancestral

Foi quando a nova fase de seu trabalho, maduro para ser livre, começou a despontar. Os 25 anos seguintes foram de experimentação. A xilogravura havia sido adotada por unir as duas técnicas que mais encantavam o artista: a escultura e o desenho.

– Quando comecei com a gravura, a academia rejeitava as técnicas mais rudimentares, e não há nada tão manual quanto a xilo. Eu diria que é um processo quase ancestral – define. – Escolhi a técnica por isso, e essa pressão por estar fora do mercado, de tudo ser mais difícil para uma arte menos reverenciada, acabou me estimulando a insistir.

Grilo conta que, para criar, se inspira nas experiências passadas, que reaparecem em novos trabalhos.

– Como a matriz de madeira é um registro físico da experiência, volta e meia revisito o passado. As experiências não se repetem: elas abraçam as antigas. – analisa.

O artista, que só começou a desenhar aos 23 anos devido à timidez que o tomava ao se comparar com a mãe (artista) e o irmão (bom desenhista) na infância, é considerado hoje um dos maiores xilogravadores do país.

– A criação nos jornais me fortaleceu, mas a produção livre me fez crescer como artista. A exposição, a maior já feita no Rio, representa um ciclo na busca pelo amadurecimento.


Jornal do Brasil, 1 de março de 2009

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March 6, 2009

SOS Cultura

Patrocinadores fogem da Lei Rouanet, governos têm verbas contingenciadas e eventos importantes são cancelados: um pacote emergencial pode sair do MinC

Jotabê Medeiros


A exemplo das montadoras de automóveis, seguradoras e dos bancos americanos, socorridos pelo seu governo, o Ministério da Cultura brasileiro está trabalhando num pacote anticrise, tentando amenizar o impacto da turbulência econômica na cultura nacional. A notícia do pacote anticrise foi adiantada ao Estado por Alfredo Manevy, ministro interino da Cultura, que esteve em São Paulo esta semana para anúncio dos investimentos de um instituto cultural (o ministro Juca Ferreira está fora do País).

"A gente está preparando isso. Um pacote de medidas, no campo cultural, que tenha um efeito anticíclico em relação à economia. Incluirá reformas de espaços culturais, que geram construção civil, ampliação do parque exibidor cinematográfico e tudo o que for apresentado e gerar um impacto na economia, com interface no campo cultural. O presidente Lula já sinalizou que está disposto a incorporar o investimento estratégico este ano. E a gente está preparando o pacote", disse Manevy.

O sistema de financiamento da cultura no País está perto da asfixia. A Lei Rouanet, maior mecanismo de fomento federal, enfrenta desistências de patrocinadores importantes desde o final do ano passado. A verba investida decorre de renúncia fiscal - ou seja: as empresas usam dinheiro do seu Imposto de Renda que seria pago à Receita Federal. Mas, para ter dinheiro no caixa em tempos incertos, patrocinadores importantes estão cancelando compromissos pré-agendados com produtores culturais.

"Já é sabido, desde o fim do ano passado, que as empresas, sem capital de giro, ou para manter liquidez (mesmo não precisando botar a mão no bolso, porque é renúncia fiscal), mesmo assim estão cortando patrocínios que já estavam anunciados", admitiu Manevy. "Então, a expectativa do ministério é conclamar as empresas para confirmarem seu compromisso com a cultura num momento de crise, porque num momento de bonança é tranquilo. O patrimônio simbólico que os artistas e produtores culturais passam para as empresas é enorme. As marcas, a visibilidade. Num momento de crise, é momento de as empresas afirmarem esse compromisso."

O cenário é desanimador. A maior estatal em investimentos culturais, a Petrobrás, está retirando verbas de patrocínios (para festivais de teatro e até para escolas de samba, como a Viradouro, que perdeu R$ 7 milhões). Outras estatais estão cautelosas - estão entre as seis maiores patrocinadoras do País (Petrobrás, Banco do Brasil e Eletrobrás), que representam quase 40% do total das 500 maiores empresas brasileiras.

Governos municipais, como o de São Paulo, contingenciam verbas para a área, comprometendo programas (a verba para a Virada Cultural, este ano, foi cortada em 30%). No governo estadual, o orçamento da Secretaria de Estado da Cultura será um pouco menor este ano, R$ 534 milhões, ante R$ 540 milhões em 2008.

Outro problema que pode agravar tudo é o próprio orçamento do Ministério da Cultura, que foi contingenciado (teve recursos retidos) em cerca de 75%, a exemplo de todos os ministérios federais. Se for efetivamente cortado o orçamento direto, que tinha crescido cerca de 20% em relação a 2008 (foi destinado R$ 1,2 bilhão ao MinC), o ministério perderá a capacidade de fazer investimentos este ano.

O Ministério acha que a medida ainda não atingiu projetos e programas da pasta. "No começo do ano, os ministérios ainda não estão executando. Então essa liberação, na verdade, vai permitir que os projetos tal como estão desenhados sejam executados: o Mais Cultura, os editais, todos com os cronogramas tal como foram desenhados. A gente não sentiu ainda o impacto no nosso orçamento."

A cautela não inibiu ainda todos os grandes patrocinadores que se utilizam da Lei Rouanet. No início desta semana, o Itaú Cultural informou que vai investir cerca de R$ 40 milhões em 2009, ante R$ 37,5 milhões no ano passado. "Temos mantido um crescimento progressivo do investimento, usando sempre o princípio da contrapartida - ou seja: não é só dinheiro da lei, mas também dinheiro do banco", diz Eduardo Saron, diretor do Itaú Cultural.

Segundo Manevy, há uma retração sensível na área, que ainda não é sentida em estatísticas mas é diariamente levada ao governo por produtores e artistas. Ele aposta no pacote para inverter a tendência. "Se esse pacote impactar na geração de empregos e ocupação das áreas que são delicadas, o governo será plenamente favorável. A crise também é uma oportunidade. Se o Brasil investir em educação e cultura nesse momento, a oportunidade de sair reposicionado da crise é maior, em termos de capacitação, treinamento, capacidade de lidar com problemas da contemporaneidade, é investimento estratégico. E o governo reconhece que isso é relevante. Tanto que o orçamento do ministério tem crescido significativamente".

Manevy diz que não é possível medir ainda o tamanho da crise na cultura, e que isso só será possível "mais pelo meio do ano", prevê. "Mas é notório, pelo que nos chega por meio das conversas, da maneira como os produtores passam a procurar o Ministério com projetos que estavam predefinidos com patrocinadores e não vão mais ser patrocinados. Então a gente está se mobilizando com as estatais, com o setor privado, para que mantenham o compromisso. Não faz sentido tirar da cultura porque não vai impactar efetivamente as contas das empresas."


Fuga de patrocínio já afeta eventos do calendário no país


Alguns indicadores que apontam para um refluxo da atividade cultural e do seu financiamento no País em 2009:

O TIM FESTIVAL E O PRÊMIO TIM DE MÚSICA foram "descontinuados", eufemismo usado pelo seu patrocinador, para dizer que não serão realizados em 2009.

A 18.ª EDIÇÃO DO FESTIVAL DE CURITIBA, tradicional evento do calendário de artes cênicas do País, entre 17 e 29 de março, perdeu cerca de R$ 350 mil do patrocínio da Petrobras, que vinha contribuindo regularmente com o evento. Seu orçamento total é de cerca de R$ 3 milhões.

A VIRADA CULTURAL, um dos principais eventos do calendário de São Paulo, foi cortada em um terço em sua edição 2009, devido ao contingenciamento de 33% na verba da Secretaria Municipal da Cultura (outras áreas também sofreram cortes). Marcada para os dias 2 e 3 de maio, a Virada terá neste ano R$ 4,5 milhões (em 2008, foram R$ 6 milhões gastos em 800 atrações e 26 palcos só no centro da cidade. Por conta disso, não haverá programação no Parque D. Pedro e na Avenida Rio Branco.

GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO diminuiu em R$ 6 milhões o orçamento da sua Secretaria da Cultura para 2009.

O GOVERNO FEDERAL contingenciou em 75% o orçamento do Ministério da Cultura. O ministério mantém a confiança em um descontigenciamento significativo desse quantia. "Nosso orçamento é muito pequeno para contribuir num processo generalizado. Tirar da gente é impactar muito a gente, e ajudar muito pouco no contingenciamento. Nosso orçamento chega a um bilhão", diz Alfredo Manevy, ministro interino

O Estado de São Paulo, 6 de março de 2009

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