August 13, 2009

Musa pornô vira caso de segurança nacional

Governo indiano usa lei para tirar da internet primeira HQ do gênero no país

Florência Costa

NOVA DÉLHI. Com seus longos cabelos negros, seu sári colado ao corpo curvilíneo e um apetite sexual insaciável, a bela dona de casa indiana Savita Bhabhi era a maior inspiração das fantasias sexuais de milhões de indianos. Ela nasceu há um ano, ganhou vida na internet e se transformou na primeira estrela pornô em quadrinhos online da Índia. Mas Savita ganhou um poderoso inimigo: o governo do país a considerou obscena e inaceitável. Assim, as aventuras sexuais dessa “cunhada” indiana — o sobrenome Bhabhi significa mulher do irmão mais velho — chegaram ao fim.

O mais curioso foi que o governo decidiu exterminar a estrela pornô valendose de uma lei usada para casos de segurança nacional, decretada após o ataque terrorista ao sistema de trens de Bombaim em 2006. A legislação permite ao Estado censurar sites que ameaçam a integridade do país e possam perturbar as relações de amizades da Índia com os países vizinhos.

“O que Savita fez para merecer isso?”, era a chamada de um dos muitos artigos da mídia indiana sobre o assunto. Os tradicionalistas acusaram Savita de ser um atentado contra os valores mais arraigados da conservadora sociedade hindu. O flerte com a cunhada mais velha é tema tradicional na cultura popular indiana.

Savita era um símbolo de pensamentos impuros, sonhos sexuais, fantasias, infidelidade. Ela seduziu os indianos: o site atraiu 60 milhões de pessoas por mês, 70% dos quais indianos.

A cada dia havia uma nova história no site. Mesmo casada, ela tinha escapadas sexuais com vários homens: vendedores ambulantes, adolescentes e até juízes de concurso de miss. Um dos últimos episódios mostrava-a seduzindo um personagem que lembra o ator Amitabh Bachchan, ícone de Bollywood.

O autor do quadrinho erótico é um empresário britânico de origem indiana, Puneet Agarwal, de 38 anos. Ele explicou que sua intenção era mostrar a sensualidade das mulheres indianas: — Elas também têm desejo sexual.

Os que criticaram a censura alegam que outros sites pornôs continuam no ar, mesmo com a pornografia proibida no país. Então por que o governo aplicou a lei somente com relação a Savita? A sedutora cunhada usava todos os adereços de uma indiana típica: o sári, o bindi no meio da testa, o mangalasutra (colar que sinaliza o status de casada). Há quem aposte que foi por isso mesmo — por simbolizar a sociedade indiana — que ela acabou vítima da pena de morte.

A vida breve e a morte repentina de Savita provocaram um debate sobre a reprimida sexualidade na terra do Kama Sutra, o milenar tratado erótico indiano.

Para alguns, o episódio revelou a problemática relação dos indianos com o sexo. Muitos achavam que Savita era um símbolo de liberdade, poder e sexualidade da reprimida mulher indiana.

— Isso mostra que somos uma sociedade hipócrita e sexualmente reprimida, ainda que tenhamos monumentos como Khajuraho, com pedras esculpidas há milênios com cenas eróticas — disse o publicitário e comentarista de TV Suhel Seth.

Logo após a censura, no início de junho, o criador de Savita organizou uma campanha de ressurreição de sua criatura: “Salve Savita online”. Foi um sucesso. Mas, na semana passada, o empresário jogou a toalha. Nem ele teve forças para resistir à pressão da conservadora família indiana: — Lamento os problemas causados a todos os blogueiros e fãs que apoiaram essa causa. Questões pessoais e familiares me obrigam a encerrar essa campanha — publicou Punnet Agarwal recentemente em sua página.

O Globo, 9 de agosto de 2009

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