June 23, 2017

Temporais castigam o Rio pelo menos uma vez por ano, desde o século XIX


Dado faz parte de pesquisa inédita da UFRJ. Autoridades sempre deram justificativas para a falta de soluções


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June 21, 2017

Voltamos aos tempos da escravidão, quando ferro reprimia desobediência


luís francisco carvalho filho



Ao tatuarem a testa de um adolescente com a inscrição "eu sou ladrão e vacilão", em São Bernardo do Campo, depois da tentativa de furto de uma bicicleta, o país foi remetido para os tempos da escravidão, quando a marca de ferro quente era utilizada para reprimir a desobediência, ou, mais remoto ainda, para um sistema medieval de controle.


Na falta de registros escritos e para identificar o ladrão que mudava de nome ou de lugar, costumava-se marcar o seu rosto com a letra "F", símbolo da forca. Em 1612, a Lei da Reformação da Justiça determinou que, em Portugal, a marca se deslocasse para os ombros do condenado: assim o sinal da infâmia era oculto pelas vestes. Se quisesse, a pessoa poderia se "emendar".


É uma longa trajetória até o surgimento dos boletins de vida pregressa e dos bancos de dados informatizados que permitem o agravamento das penas no caso de reincidência e maus antecedentes.

Além da violência física, da tortura propriamente dita, o surpreendente gesto de vingança privada no ABC teve o significado de alertar para o perigo que o rapaz supostamente representaria, servindo também para cobri-lo de perpétua vergonha. Por isso, a tentativa de destruir sua face.


Machista, inadequada e extemporânea: é o que se pode dizer da sentença que "indenizou" Fernanda Young por ataques sofridos na internet. Para fixar e reduzir o valor pecuniário da condenação, o juiz levou em conta não os parâmetros normais de aferição do dano moral, mas o fato de a vítima ter posado nua e ter, na percepção do julgador, uma "reputação elástica".


Ao declará-la mais suscetível que outras ao desrespeito, ao assédio e à ofensa, a Justiça paulista fez reviver o superado dogma da "mulher honesta". A expressão fazia parte da definição de crimes sexuais do Código Penal e dele foi expurgada em 2009, um legado da causa feminista.


Mas a mulher ainda é desmerecida pelos seus hábitos, pelo seu comportamento e pela imagem ideal e subjetiva dos outros.


Com negros é a mesma coisa. Em pleno século 21, estão mais sujeitos ao preconceito, à desconfiança, à revista policial, à prisão, ao assassinato. As estatísticas são desconcertantes.


O Atlas da Violência, recentemente divulgado pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Aplicada), com dados do Ministério da Saúde, informa que a possibilidade de um negro ser assassinado é 23,5% maior que a de pessoas de outra raça. A taxa de homicídios (por 100 mil habitantes de negros) subiu mais de 18% entre 2005 e 2015 enquanto a mortalidade de não negros teve redução de 12,2%. A taxa de homicídios de mulheres negras aumentou 22% no mesmo período.


Segundo relatório da Defensoria Pública do Rio, um preso branco tem 30% a mais de chance que um negro de ser libertado na audiência judicial de custódia realizada logo após a prisão em flagrante. A maioria da população carcerária (mais de 60%) é formada por negros e pardos.


Para onde se olha brilha o viés racista. Aqui, nos Estados Unidos, na Europa, no Oriente.


A aparência é a parcela visível de uma pessoa, de uma coisa, de uma instituição. Se muitas vezes é capaz de revelar com precisão a própria realidade, pode também mascará-la e deformá-la. Além de patrocinar injustiças.

FOLHA, JUNHO 2017 


O ódio



Marcus Faustini

Uma recente matéria do site The Outline mostra o crescimento de perfis nazistas na web a partir de uma pesquisa feita no Twitter. Esses perfis possuem mais adesões do que a militância virtual do Estado Islâmico. É mais uma das faces da cultura de ódio pelo outro, influenciando o cotidiano da vida e da política. Como o ódio vem prevalecendo como estética num ambiente que era a promessa de um mundo diverso e conectado? É possível uma mudança de rumo? Talvez a resposta esteja fora da rede.

As redes sociais, que já foram festejadas como um ambiente que promoveria o interesse pelo outro, portador de alternativas para o bem comum e aumento da presença da diversidade no mundo, num oposto, sustenta e multiplica a existência de comunidades odiosas e abusivas, que não se contentam apenas com seus círculos de adeptos e perseguem aqueles que querem destruir — não são poucos os casos de hordas de homens misóginos que atacam sistematicamente mulheres online, desconstroem reputações, promovem fake news, racismo, fascismo, linchamentos etc. Para isso, essa indústria do ódio cria robôs, comunidades e perfis fakes de propagação.

Trump foi a expressão máxima no mundo da política dessa estética do ódio. Surfou nessa onda, deixando robusta sua candidatura, canalizando rancores, recalques e preconceitos potencializados pela situação de rebaixamento da classe média branca do meio-oeste norte-americano. Trump, em entrevistas e debates, para reforçar o laço emocional com a estética do ódio, performou com agressividade. Para essa estética, o debate ou qualquer possibilidade de fala é apenas um lugar de exaltação raivosa das suas visões. Vale dizer que esse fenômeno revela muito sobre outras esferas do tempo em que vivemos, em que até mesmo a música pop tem como base letras que sempre falam de alguém que usa de jactância e autoglorificação para se afirmar.

O Twitter já sofreu pressões e mudou aspectos da experiência da navegação para frear a presença de grupos de ódio. Mas esbarra em reclamações de que a contundência com que fecha perfis adeptos do Estado Islâmico não é a mesma com que fecha perfis nazi ou fascistas ligados a uma cultura branca. No Brasil, a presença do ódio como motor de engajamento nas redes sociais já foi experimentada em diversas situações: de incentivo a formas de linchamento de quem comete delitos até a polarização agressiva na política que embalou o processo de impeachment, envolvendo uma parte significativa da sociedade na crença de que o único demônio da política era Dilma — taí, deu no que deu!

A presença desse ódio é um dos componentes da bipolaridade que marca os embates atuais. Fábio Malini, professor da Universidade Federal do Espirito Santo (Ufes), um dos poucos pesquisadores profícuos de comportamentos das redes sociais, aponta que o próximo pleito eleitoral tende a ter um componente de ódio como motor da polarização. “O continente americano, em sua maioria, é muito alicerçado num poder central, o que beneficia a polarização.” Quanto mais centralizadora a forma de governo, mais espaço às polarizações e para a estética do ódio prevalecer como núcleo duro de mobilização da atenção de eleitores. Essa polarização ganha como alvo as minorias que foram beneficiadas por programas de inclusão, enfatiza Malini, em breve conversa que tivemos online.

Não será uma outra estética nas redes que irá desconstruir o ódio, apenas. É preciso que o online não seja a única centralidade da expressão política e da vida. Para tanto, um outro ambiente de ação política se faz necessário. E, talvez, deva ter um peso offline maior do que o online. Nestes dias passados aqui em Londres para mais uma jornada de trabalho, foi possível ver que, além de uma militância em redes sociais, a campanha de Corbyn e dos outros candidatos do Partido Trabalhista foi se reinventando a partir de ações bairro a bairro, porta a porta. Muitos candidatos ao parlamento cresceram nos distritos por terem priorizado a relação comunitária. O Podemos, na Espanha, também conseguiu se projetar com uma vasta rede em bairros, com seus círculos e confluências. Malini afirma que a Europa, já tendo experimentado o gosto amargo da austeridade, começa a produzir saídas. O vínculo entre as políticas de austeridade e a cultura do ódio começa a mostrar que não é um bom caminho para a sociedade. Mas foi necessário falar das questões reais da vida, de porta em porta, para essa mudança aparecer.

A vigilância e a denúncia ao comportamento de ódio nas redes são parte importante para forçar as empresas a atuar contra esses perfis. Porém, as ações de convivência comunitária, precisam voltar à agenda prioritária daqueles que imaginam uma sociedade mais solidária e onde o interesse pela diferença seja uma das maiores expressões. Existem caminhos no horizonte para barrar a cultura do ódio.

O GLOBO, JUNHO 2017 
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June 19, 2017

A fogueira das autoridades


Dorrit Harazim, O Globo

Difícil dizer qual a imagem mais aterradora. A maciça torre residencial envolta em labaredas, com seus 24 andares de vida interior em desespero, iluminando a noite londrina de horror, gritos, sirenes e impotência. Ou a mesma estrutura, à luz do dia, eviscerada, de pé feito túmulo silencioso. Uma assombração sombria.

Ambas também podem ser olhadas como monumento, ou ruína, da ideologia de combate a regulamentações na área de proteção social. Uma das pedras de toque dos governos neoliberais reza que normas reguladoras impedem a liberdade e prejudicam a produtividade. Na Inglaterra, um dos atrativos do Brexit foi acenar com menos normas impostas pela União Europeia, menos inspeções, mais independência para encontrar atalhos.

Três anos atrás, o ministro da Habitação, Brandon Lewis (hoje ministro da Imigração de Theresa May), rejeitou a proposta que obrigaria construtoras a instalar sprinklers anti-incêndio em futurasn edificações. Deixou ao senhorio a opção de fazê-lo ou não, e vetou a medida como parte do plano May de combate à burocracia. “Introduzimos a regra ‘entra uma, saem duas regulamentações’, segundo a qual sempre que o governo adotar uma nova norma, vamos identificar duas existentes, e extingui-las”, explicou.

O conjunto habitacional de baixa renda Grenfell Tower foi erguido em 1974 na parte pobre do Royal Borough of Kensington and Chelsea — ou seja, fora das vistas, mas não tão distante, do setor nobre do distrito onde oligarcas russos e fortunas árabes compram as propriedades (com sprinklers) mais cobiçadas.

Estima-se que nos 120 apartamentos do Grenfell moravam cerca de 600 pessoas. Não se sabe o número exato, pois formavam o típico grupo de gente de raças, origens e dificuldades variadas que pode abrigar cinco ou mais sob o mesmo teto.

Também o número de mortes continua indefinido. De início falou-se em 17, sendo os adultos que saltaram para a morte ou as crianças jogadas da janela os primeiros identificados. Nos dias seguintes, o número já havia saltado para 50, porém ainda é muito provisório. Devido à ferocidade das chamas, uma identificação a curto prazo será difícil. A procura por desaparecidos, também, pois muitos moradores falam inglês precário, temem se apresentar às autoridades. A agonia da incerteza está longe do fim.

Em torno de um dado, porém, parece haver consenso: a causa. Reformado no ano passado para retirar-lhe o visual de espigão social de concreto, e ao mesmo tempo diminuir-lhe o consumo de energia, o Grenfell teve seus dois mil metros quadrados de paredes externas revestidas com painéis de alumínio Reynobond.

Segundo o fabricante dos painéis, o modelo escolhido para a reforma era o único a conter polietileno (plástico), portanto inflamável. Cada unidade custou duas libras esterlinas (R$ 8,50) menos do que os outros dois modelos de alumínio, resistentes a fogo. Assim, pelos cálculos do “The Times” londrino, a incorporadora do edifício fez uma economia de pouco mais de £ 5 mil ao escolher um revestimento proibido nos Estados Unidos em prédios de mais de 12 metros de altura, considerados “inflamáveis” na Alemanha e causa de incêndios em quatro outros países.

Existem perto de quatro mil conjuntos habitacionais semelhantes ao Grenfell na Grã-Bretanha, dezenas deles reformados e revestidos de placas contendo plástico. Imagine-se o estado de ansiedade em que se encontra essa população de inquilinos.

Não que o sentimento de abandono e insegurança seja novo nessas habitações populares. Já em 1999 um relatório parlamentar intitulado “Potencial Risco de Disseminação de Incêndio Causado por Sistemas de Revestimento Externo” alertava para o perigo. Com sinistro presságio final: “Não desejamos que seja necessário ocorrer um incêndio de grande porte, com muitos mortos, para a adoção de medidas razoáveis visando diminuir o riscos”, concluía o levantamento de 18 anos atrás. Nada foi feito.

Em 2013, esse relatório ignorado voltou à pauta com o incêndio no conjunto habitacional Lakanal House, situado no sul de Londres. Nele haviam morrido três mulheres e três crianças. À época, a juíza Frances Kirkham recomendara a instalação de sprinklers nas moradias sociais verticais, e foi igualmente ignorada
.
Também basta entrar na página eletrônica do Grupo de Ação dos moradores de Grenfell para ver que as autoridades do distrito, a agência responsável pela manutenção do prédio, e o senhorio receberam pelo menos dez solicitações de ajuda. Tudo em vão. Com esse pano de fundo, a primeiraministra Theresa May achou prudente esquivar-se da indignação dos moradores. Foi ao local da tragédia, mas limitou seu engajamento aos bombeiros, médicos e serviços de emergência. Estava devidamente escoltada e prometeu um “inquérito profundo para apurar as responsabilidades”

Já a rainha nonagenária e o prefeito trabalhista Sadiq Khan encararam o horror mais de frente. A monarca foi levar conforto à comunidade abalada, coisa que sabe fazer como ninguém — mesmo que sejam apenas palavras. O prefeito materializou-se sem qualquer escolta, expôs-se à indignação popular e procurou responder à cobrança maior — respostas urgentes, já.

Do outro lado do Atlântico, o presidente Donald Trump acaba de nomear Lynne Patton para dirigir o Serviço Federal de Moradias Sociais de Nova York — o maior braço regional do Ministério de Habitação. Patton jamais pôs os pés em alguma moradia de baixa renda. É organizadora de eventos, sobretudo de torneios de golfe da rede Trump, e foi cerimonialista do casamento de Eric, filho caçula do presidente.

O posto estava vago desde janeiro. Para uma cidade como Nova York, onde 400 mil pessoas ocupam moradias sociais e outros 235 mil recebem subsídios no aluguel, mau sinal. Como diz o “The Guardian” em editorial, “o que é chamado de burocracia muitas vezes consiste na proteção pública essencial para a salvaguarda de vidas, do futuro e do mundo”.

Grenfell Tower em chamas (Foto: Natalie Oxford / https://twitter.com/Natalie_Oxford)  
Ilustração André Mello

June 17, 2017

June 16, 2017

Histórias que se encontram entre os moradores de rua




Sono às claras. Senhor dorme dentro de uma agência bancária na Avenida Graça Aranha, que concentra dezenas de moradores de rua durante a noite - Alexandre Cassiano / Agência O Globo

Márcio Prado, de 42 anos, é de Macaé. Vende livros e objetos reciclados nas ruas de Botafogo. A terra natal de Marcos Antônio de Oliveira, de 43, é Bom Jesus do Itabapoana, mas ele vive de bicos no Centro do Rio. Vindos do interior do estado, os dois chegaram à capital atrás das oportunidades nas obras da Olimpíada de 2016. Acabaram no sereno, sem trabalho formal. Vagam sem teto levando algumas das características mais comuns entre os moradores de rua da cidade.

De acordo com o perfil dessa população traçado pelas equipes de abordagem da Secretaria municipal de Assistência Social e Direitos Humanos, Márcio e Marco Antônio estão na faixa etária predominante entre os que não têm lar, dos 25 a 59 anos — que, no fim de 2016, eram 11.234 (78,67% do total). Os dois são negros, e, segundo a prefeitura, pretos e pardos somam 11.292 (79,08%) das pessoas que vivem nas ruas. Além disso, nasceram fora do município do Rio, como 6.778 (47,47%) dos que perambulam pela cidade. Alheios aos números, têm, entre si, outra coisa em comum: dizem que só voltam para casa de cabeça erguida.

— Não sou um cara que desiste, não. Acredito que dará tudo certo. Sou pedreiro, desenho, pinto... Vou arrumar trabalho. Por enquanto, meus parentes não sabem de minha situação. Não quero que eles saibam. A rua é violenta, as pessoas não se entendem bem — diz Marcos Antônio.
Márcio é da mesma opinião:

— Desde que cheguei, trabalhei numa lanchonete, num quiosque na praia e como auxiliar de obras. Vou conseguir. O mais difícil é a saudade de casa. Mas agora não vou voltar, não. Assim, humilhado, de forma alguma.

Enquanto não alcançam seus objetivos, os dois levam a vida “no corre”, o que, no linguajar das ruas, significa um trabalho informal, muitas vezes com duração de algumas horas. E sem “manguear”, ou seja, sem pedir esmolas. Mas, nesse caso, destoam da maioria. Só 17,72% (2.530) moradores de rua têm alguma ocupação. Os outros 82,28%, não.

Novato: há três meses na rua, Fabiano lê um livro deitado no chão, em Copacabana - Alexandre Cassiano / Agência O Globo

Por uma trilha parecida com a dos dois segue Fabiano de Azevedo, de 32 anos. Faz três meses que ele vive sem lar, só que por uma decisão voluntária, depois de se desentender com a família e de largar o trabalho de garçom em Maricá. Passou pelo Centro, pelo Aterro e, agora, vive nas calçadas de Copacabana. De noite, sua maloca fica nas proximidades da Praça Serzedelo Correa, onde aproveita as horas vagas para ouvir música num radinho e ler — ganhou livros de uma ONG. De dia, bem cedo, vai para a praia, onde conseguiu um bico num quiosque. Alguns dias, consegue ganhar até R$ 80.

— Assim como eu, aqui, em Copacabana, muitos moradores de rua vivem “no corre”. Não nos preocupamos com comida nem com produtos de higiene pessoal porque recebemos doações. Por isso, meu grande receio é me acostumar com a rua. Não quero. Vou juntar os trocados que ganho para tentar alugar logo um cantinho — diz Fabiano.

EM CADA BAIRRO, CARACTERÍSTICAS PRÓPRIAS

De fato, ter alguma ocupação é um dos aspectos que marcam a população de rua do bairro, afirma Jonathan Marques, coordenador da equipe de abordagem especializada da Secretaria de Assistência Social e Direitos Humanos. Há anos tentando convencer grupos a irem para abrigos, ele consegue traçar uma geografia particular do Rio.

Histórias. Márcio é um dos vendedores de livros das ruas de Botafogo - Alexandre Cassiano / Agência O Globo

Normalmente, diz Jonathan, a porta de entrada de quem fica sem lar é o Centro, que concentra a maior quantidade de moradores de rua (2.638, ou 18,47% do total). Recentemente, no entanto, com o Programa Centro Presente, Jonathan afirma que houve uma migração de parte deles para bairros próximos. De forma geral, adolescentes , grande parte usuários de drogas, deslocaram-se para Botafogo e Laranjeiras. Adultos optaram por Copacabana — bairro que, no fim de 2016, ocupava o segundo lugar no ranking da população de rua, com 928 pessoas (6,5% do total).
Número de moradores de 
Ainda na Zona Sul, a Glória costuma concentrar aqueles que vendem objetos nas calçadas. Na Zona Oeste, eles procuram pontos movimentados como a rodoviária de Campo Grande e o calçadão de Bangu. Na Zona Norte, o entorno de bairros como Madureira, Jacaré e Bonsucesso concentra usuários de drogas, principalmente nas proximidades de favelas que vendem crack.

As drogas também são o maior problema da população de rua na Zona Portuária e na Lapa. Em Cascadura, a principal questão é o alcoolismo. Entre os que falam sobre o assunto, as justificativas para o vício variam muito, porém boa parte afirma que o consumo é uma forma de amenizar a fome, o frio e a tristeza. No levantamento da secretaria, 76,77% (10.962 pessoas) declararam utilizar algum tipo de substância, lícita ou não. Cachaça é a mais comum. Maconha, cocaína, tíner e crack também aparecem na lista.

Mulher dorme sentada em ponto de ônibus de Copacabana - Alexandre Cassiano / Agência O Globo

ABRIGO PARA GRÁVIDAS
Foi justamente para abrigar usuárias de drogas grávidas ou que tiveram filhos recentemente que a prefeitura inaugurou, na semana passada, um abrigo em Campinho. Erika Alves Mendonça, de 36 anos e no sexto mês de gestação, foi a primeira a chegar. Antes, viveu uma trajetória de turbulências. Aos 17 anos, caiu no vício. Iniciou com a maconha; depois, o álcool e a cocaína. As desavenças com o padrasto pioraram tudo. E assim começaram as estadas na rua. Teve quatro filhos, nenhum deles criado por ela. Foi abusada sexualmente duas vezes. A última passagem ao relento completaria um ano este mês: dormia em frente ao Hospital Souza Aguiar, no Centro.
— Não desejo uma gravidez na rua nem para um cachorro. Sofri todo tipo de preconceito. As pessoas me chamavam de mendiga e cracuda porque hoje em dia, para a sociedade, todo mundo que dorme na calçada é viciado em crack — diz Erika, cuja família vive no Morro da Formiga, na Tijuca. — O mais difícil é voltar para casa. Bate a vergonha dos parentes e dos vizinhos.

Secretária municipal de Assistência Social e Direitos Humanos, Teresa Bergher reconhece a dificuldade de lidar com a questão. Ela defende que não adianta a prefeitura acolher essa população sem inseri-la socialmente e no mercado de trabalho. Teresa diz que vem buscando parcerias para a capacitação dos abrigados. Além disso, ressalta a retomada de um programa que patrocina a volta à terra natal daqueles que quiserem (este ano, 60 pessoas foram beneficiadas). Ela vem fazendo mudanças na estrutura da secretaria, como as abordagens na rua sempre acompanhadas por assistentes sociais, mas admite haver problemas e afirma que encontrou uma rede de abrigos em péssimas condições.

— Realmente, ficou defasado o número de abrigos e de funcionários quando se tem um aumento tão absurdo na população de rua. No entanto, vale lembrar que quantidade não é sinônimo de qualidade. Desde o início da nossa gestão, estamos investindo na capacitação dos agentes — garante a secretária.

JOVENS NAS RUAS

Um bom trabalho social pode ser o divisor de águas na vida de todos, sobretudo das 129 crianças e dos 396 adolescentes que vivem nas ruas, segundo a estimativa da prefeitura. Pode ajudar jovens como Rafaela dos Santos, de 19 anos, e Lucas Mendes, de 20, a darem uma guinada. Ambos vivem nas ruas e têm o sonho de se tornarem cantores. Ela, na adolescência, passou por vários abrigos da cidade. Agora, depois de completar 18 anos, dorme nas imediações da Praça da Cruz Vermelha. Ele saiu de casa, na comunidade do Salgueiro, em São Gonçalo, há um ano, depois de uma briga com a família. Dorme nas esquinas de Ipanema, onde conseguiu trabalho numa banca de jornais. Ainda lembra dos detalhes de seu primeiro dia na rua.

— Quando cheguei ao Rio, fui a Copacabana, deitei na areia da praia e pensei se conseguiria ter o que comer no dia seguinte. Eu ainda me preocupo com isso porque não nasci para roubar nem para traficar. Mas tenho um trabalho e componho minhas músicas. Um dia vou chegar lá.

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June 15, 2017

A noite, o chão e mais nada: um perfil da crescente população de rua do Rio



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June 13, 2017

Refugiados da Violência: Moradores de comunidades conflagradas no Rio se mudam


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RIO - Uma cama desmontada, uma geladeira velha, uma televisão com prestações atrasadas. Em cima do sofá de dois lugares, desfiado por um gato de estimação, uma cômoda e um colchão de viúvo. Tudo empilhado na caçamba de um caminhão, junto a caixas que guardam roupas, livros e coisas difíceis de abandonar, como um vestido com o cheiro da mulher falecida e fotografias da vida toda. O homem de cabelos brancos vai embora da Cidade Alta sem intenção de voltar.

Um êxodo silencioso se pôs em marcha na cidade. São pessoas que estão deixando suas casas, muitas vezes na favela onde nasceram, para fugir da violência. Em cada beco onde o terror virou rotina, postes e paredes estão tomados de anúncios de “vende-se” e “aluga-se”, com uma observação recorrente: “aceito proposta”.

Foi na semana passada que o aposentado empacotou tudo que tinha e se mudou da Cidade Alta para o interior do estado. Deixou para trás um apartamento de dois quartos na Rua Ponto Chique em um prédio de cinco andares cravejado de balas. Nas paredes do edifício, leem-se pichações religiosas com dizeres como “até aqui nos ajudou o Senhor”, feitas a mando da facção dominante, bandidos que se dizem “o exército do Deus vivo”. No último episódio da guerra entre traficantes no conjunto habitacional de Cordovil, dois tiros entraram na sala do aposentado, um deles na altura de sua cabeça.
 
— Quando seus vizinhos começam a se trancar em casa, é hora de partir — diz o senhor, que não pode se identificar por ainda ter parentes na região. —Minha casa valia R$ 120 mil há poucos anos. Hoje, as pessoas querem pagar R$ 40 mil. Minha vontade era continuar, mas estou ficando deprimido. Meu filho me implorou para sair.

CASAS VAZIAS

O medo que o tirou de casa se espalha. Segundo dados do Fogo Cruzado, aplicativo da Anistia Internacional que contabiliza confrontos, foram notificados 87 na Região Metropolitana do Rio apenas na primeira semana de maio, uma média de 12 por dia. Nesse período, 25 pessoas morreram baleadas — 3,5 por dia — e 18 ficaram feridas. Entre janeiro e abril, a Anistia informou 1.493 tiroteios e uma média diária de quatro mortos (488 no total).

LEIA TAMBÉM: Juntas, quatro regiões do Rio somam 184 tiroteios este ano

Quem sai de casa alega que a causa principal é a falta de segurança. Mas não é o único motivo: o desemprego também castiga a capital do estado, que perdeu sozinha 80% dos 64 mil postos de trabalho fechados no Brasil no primeiro trimestre deste ano. Ainda não existem dados ou pesquisas sobre quantas pessoas se mudaram e para que lugar foram, mas basta entrar numa favela em que os tiros sejam frequentes para ver o sobe e desce de caminhões, especialmente nos fins de semana.
Retirada forçada. Um dia depois de guerra do tráfico, no início do mês, mulheres vão embora da Cidade Alta, em Cordovil, com a roupa do corpo e algumas poucas bolsas - Fabiano Rocha / Fabiano Rocha
Com braços largos e tatuados que saltam para fora da camisa regata, o caminhoneiro Maurilan Cordeiro olha desconfiado para um de seus três ajudantes. Pergunta se há “algum problema”. O outro resmunga que torceu o pé. “Se quiser pode ir embora, te pago metade do combinado”, responde, sem olhar para o funcionário. Era o primeiro serviço naquele dia e, depois, eles teriam mais um. Há 20 anos no mundo dos fretes, Maurilan anota quantas mudanças faz na Cidade Alta. Nos últimos três meses, foram 96. Algumas famílias foram para bairros próximos e não precisaram trocar as crianças de escola. Outras se mudaram para São Paulo, Belo Horizonte, Vitória, Salvador, Corumbá... Todas saíram em busca de paz.

— O que mais tem aqui é casa vazia. Tenho feito de cinco a dez mudanças por semana. O movimento aumentou uns 200% este ano — conta Maurilan, chamado por muitos de Murilão.

Ele cobra R$ 300 por um frete até o Centro. Até Jacarepaguá, são R$ 800 e, para São Paulo, R$ 1.600.

— Trabalho muito, mas com tristeza. Cada mudança tem uma história. Às vezes, a pessoa acaba num lugar pior, depois volta. Esta semana mesmo vou trazer uma moça que saiu daqui para a Ilha do Governador e foi assaltada quatro vezes em dois meses. Mas, a cada um que volta, dez vão embora.

E se cada mudança tem uma história, cada história, um drama. O de uma secretária de 30 anos nascida e criada no Pavão-Pavãozinho, em Copacabana, narra a esperança de quem acreditava na Unidade de Polícia Pacificadora (UPP). Mas ela viu uma boca de fumo ser instalada na porta de sua casa, com sessões de tortura em ladrões no meio da noite. Há pouco tempo, quando voltava para casa com seu filho de 8 anos, um dos bandidos cismou que ela estava filmando a boca. Os traficantes olharam todas as fotos e vídeos do celular.


— Tem criança de 9 anos entre os bandidos. Meu filho já estava sabendo o calibre das armas pelo som do tiro. Fiquei com medo do que poderia acontecer com ele, já perdi um irmão que virou traficante — conta a secretária, que trabalha no Leblon e conseguiu alugar um conjugado na Cruzada São Sebastião por cerca de mil reais. — Aqui tem tráfico também, mas nem parece: em um mês, ainda não ouvimos tiro algum.

ROTINA ALTERADA

Mudar não é fácil. O filho da secretária ainda não contou aos amigos do morro o motivo que o levou a sair: tem vergonha de dizer que foi por causa da violência, afinal de contas, os colegas continuam lá. Quando soube do conjugado na Cruzada, no fim de março, a mãe pensou que havia elevador no prédio. Mas são apenas escadas nos dez blocos de 945 apartamentos, com edifícios de seis andares. Eles moram no último.

O comportamento das pessoas também é diferente daquele que a pequena família de duas pessoas estava acostumada. No morro, uma única bola de futebol faz a alegria de 50 crianças. No asfalto, o menino só conseguiu jogar depois que a mãe comprou uma redonda para ele. Apaixonado por futebol, em breve o garoto começará a treinar na Associação Atlética Banco do Brasil (AABB), clube na Lagoa que tem a saída dos fundos voltada para a Cruzada São Sebastião.

— Eu descia o morro com medo, tinha que ser muito rápido, porque o Bope (Batalhão de Operações Policiais Especiais) entrava na favela quando estávamos indo para a escola. Chorei quando minha mãe falou que íamos sair. Tenho sete amigos no morro. Aqui, por enquanto, só tenho um — conta o menino, antes de dizer que está de castigo por ter jogado bola até a noite na semana passada.

Rotina de tiroteios no Complexo do Alemão

  • Janela virou parede de tijolos após chegada dos PMsFoto: Fabiano Rocha em 23/02/2017 / Agência O Globo

  • Moradores se queixam de que policiais estão ocupando casasFoto: Fabiano Rocha em 23/02/2017 / Agência O Globo

  • Moradores do Complexo do Alemão dizem que os policiais estão baseados nas casasFoto: Fabiano Rocha em 23/02/2017 / Agência O Globo

  • Desde fevereiro, homens da UPP vêm usando residências como postos de observaçãoFoto: Fabiano Rocha em 23/02/2017 / Agência O Globo

  • Marcas de tiros em parede de casaFoto: Fabiano Rocha em 23/02/2017 / Agência O Globo

  • Tiros atravessaram parede de casa na Praça do Samba, na Nova Brasília, no Complexo do AlemãoFoto: Fabiano Rocha em 23/02/2017 / Agência O Globo


Em estado de guerra desde fevereiro — quando teve início a polêmica instalação de uma torre blindada na Praça do Samba, região da Alvorada, que terminou com dez mortos em uma semana —, o Complexo do Alemão certamente é uma das regiões da cidade de onde mais pessoas foram embora. A vendedora X. morava na Rua 2, onde os tiros são tão intensos que o dono de uma padaria construiu um bloco de concreto na porta, espécie de bunker improvisado que as balas já destruíram.

— Minha casa era a mais perfurada da rua. Eu não tinha a opção de morar fora da favela. Depois que me casei, meu marido e eu viemos para a Estrada Velha da Pavuna. Quando tem tiroteio no Alemão, escuto de longe. Minha mãe me liga sempre que os tiros começam. Ela tem vontade de sair também, mas mora junto com meus três irmãos. Seria impossível pagar uma casa no asfalto — afirma X., que não visita a mãe há aproximadamente um mês por causa dos confrontos quase diários entre policiais e traficantes.
 A gota d’água que a fez procurar outro lugar foi a última festa de réveillon, quando todos no Alemão estavam na rua e um intenso tiroteio começou. Os transformadores de luz explodiram com os tiros, e as pessoas ficaram no escuro, com as ruas cheias do óleo escuro que escorria dos equipamentos. Um vizinho de X. tinha acabado de reformar a casa.

— Deu pena. A casa virou uma peneira, toda cheia de furos. Naquele dia, ele perdeu micro-ondas, geladeira... Até a cama ficou repleta de buracos. Foi quando decidi ir embora — recorda.

Todos que se mudaram têm medo. Além de parentes, amigos continuam morando nas favelas, e muitos são proprietários de imóveis nos locais. Uma ex-moradora da Cidade de Deus saiu desesperada ao descobrir que o próprio filho estava começando a se envolver com o tráfico. O menino de 15 anos parou de estudar em dezembro, após repetir de ano pela segunda vez em um colégio particular de Jacarepaguá que a mãe pagava com esforço — metade de todas as faxinas do mês iam para a mensalidade escolar.

— Em casa, ficava mais na cozinha do que na sala, onde os tiros batem. Só relaxava quando meu filho chegava. Ele estava começando a se envolver, tinha virado olheiro. Tem três meses que a gente saiu, pela graça de Deus — afirma a mãe, que se mudou para uma rua de acesso a uma favela de Ricardo de Albuquerque, onde o tráfico também dá as cartas.

Até no Santa Marta, primeira favela com uma UPP instalada, em 2008, há pessoas indo embora, apesar de ainda ser grande a procura por casas na favela, no coração de Botafogo. Um produtor cultural se mudou há poucos dias por vários motivos. Entre eles, a volta do tráfico ostensivo.

— É triste ver de novo uma criança olhando os traficantes e querendo ser igual a eles. Pensei que isso iria acabar, mas me enganei — lamenta.

DE VOLTA PARA O NORDESTE

No Complexo do Alemão, ao se apresentar, Seu Elias entrega um cartão de visitas: “De volta para minha terra — mudanças interestaduais”. Nascido na Grota, uma das comunidades do conjunto de favelas, ele tem 60 anos de experiência com frete. Começou ajudando o pai, aos 10, subindo material para a construção de novas residências.

— Havia 40 casas de estuque na Grota quando eu era criança — lembra.

Nos pontos extremos do complexo, nas partes mais perigosas e de difícil acesso, só ele encara o serviço com sua carreta preta que “parece o caveirão”. Enquanto Elias dirige sem pressa pelos becos, um ajudante vai no alto do caminhão com um cabo de vassoura, erguendo o emaranhado de fios que, às vezes, acabam se rompendo no trajeto.
 
— Apesar de parecer o caveirão, todos me respeitam. Só trabalha aqui quem é conhecido da comunidade. Tem muita gente saindo, principalmente as pessoas que moram lá em cima. Muitos voltam para o Nordeste. Este ano já fui para Bahia e Pernambuco. Na semana que vem, vou para o Maranhão. Um pedreiro desistiu de tudo aqui, já mandou a família e só está terminando um serviço para ir embora — conta ele, que cobrou R$ 6 mil pelo percurso de 3 mil quilômetros. — É triste ver as pessoas partindo. A gente branqueia os cabelos e não consegue alcançar nossos objetivos nessa vida.

Ao se preparar para ir embora no caminhão de Elias, uma manicure de mudança para Rio das Ostras pede ao caminhoneiro que a espere um instante na Estrada do Itararé, onde há um bar na esquina. É hora do almoço, o lugar está cheio. Ela vai até o banheiro e para na porta, onde um amigo do morro escreveu a seguinte poesia: “A noite chegou... / Sair pra brincar / Na chuva / Sonhar em descer / A ladeira / Num barco de papel”. Ela tira uma foto do poema, se emociona e vai embora. Diz que não volta mais.

June 11, 2017

Grafites cobertos por tinta cinza de Doria ressurgem na av. 23 de Maio


JÚLIA BARBON
Folha de São Paulo 

Eles foram apagados há menos de três meses, mas já estão de volta. E desta vez não pelas mãos de grafiteiros, mas pela falta de "demãos" da própria prefeitura.

Os grafites da avenida 23 de Maio, na zona sul de São Paulo, que foram quase inteiramente cobertos por uma tinta cinza a mando de João Doria (PSDB) em janeiro, estão ressurgindo aos poucos nos muros da via.


O prefeito considerou a pintura o principal erro de sua gestão, após uma pesquisa Datafolha mostrar que ela foi reprovada por 61% dos paulistanos.

Agora, em diversos pontos entre o parque Ibirapuera e o centro, o revestimento está descascando ou deixando transparecer os desenhos que há pouco tempo estiveram ali.

Para o grafiteiro Mauro Neri, 36, do projeto Veracidade, isso não é novidade. "É o que chamo de grafite reverso, que aparece quando se apaga a tinta, e não quando se pinta."

O artista foi detido em janeiro, quando lavou o cinza que cobria suas obras –embaixo do complexo viário João Jorge Saad, o Cebolinha– apenas com água e um esfregão, técnica que usa desde 2010.

Isso é possível, segundo ele, porque a tinta utilizada para apagar os grafites e pichações em São Paulo normalmente é composta por uma proporção maior de cal e menor de corante e aglutinante (cola), portanto sai mais facilmente.

"As empresas de limpeza usam essa mistura porque ela vence em pouco tempo, para ganharem mais dinheiro apagando o grafite de novo", diz.

O grafiteiro e ativista Mundano, 31, também usou só água e esponja para ressuscitar uma obra sua em janeiro, no Largo da Batata (zona oeste), que trazia a frase "São Paulo não é Miami".

O artista fazia referência ao "grafitódromo" que o tucano quer criar, inspirado em um bairro da cidade americana. "Quando você apenas limpa a sujeira, ela volta. O [programa] Cidade Linda não está focando em soluções reais, mas só numa maquiagem monocromática, cinza", critica.

fotos Avener Prado

June 9, 2017

Brasil está mais para 'Walking Dead' que 'House of Cards',



ESTELITA HASS CARAZZAI
DE CURITIBA
FOLHA DE SÃO PAULO


foto Ricardo Borges


Em manifestação nas redes sociais, o procurador da República Carlos Fernando dos Santos Lima, que integra a força-tarefa da Operação Lava Jato, disse neste sábado (20) que o Brasil vive "uma história de horror" após as revelações de corrupção por executivos delatores da JBS.

Para ele, que defendeu punição de todos os envolvidos em ilegalidades, o Brasil está "mais para The Walking Dead" do que House of Cards —numa referência a duas séries de TV, a primeira sobre zumbis e a segunda sobre a política americana, cujo enredo vem sendo comparado à crise política nacional.

"[É] um país de zumbis morais", afirmou, em nota no Facebook, em que diz se posicionar "como cidadão".

Para ele, as gravações do presidente Michel Temer (PMDB) feitas pelo delator Joesley Batista são "estarrecedoras", e não há "relativismo moral" nem justificativa econômica que explique a conversa.

"Nem me venham dizer que devemos tapar o nariz para isso, na esperança de uma volta à normalidade do sistema econômico", escreveu. "As motivações econômicas não podem justificar que esses cadáveres insepultos continuem entre nós."

Lima afirma que, nas escutas, estão "explicitadas as bases de tudo o que de errado, podre e vil a Operação Lava Jato tem tentado mostrar".

Ele ainda critica a "cegueira ética intencional" daqueles que aplaudiram a Lava Jato quando revelou "a podridão dos governos do PT" e, agora, "desejam fechar os olhos" às suspeitas contra políticos do PSDB e PMDB.

June 8, 2017

Eleição direta é golpe, melhor deixar nas mãos do mercado



gregorio duvivier




Tem surgido um tipo especial de golpista no Brasil: aquele que pede eleições diretas. De todos os tipos de golpe (baixo, traumático, militar, de mestre, da maioridade, do sequestro), esse novo tipo de golpe é o único que não quer transferir o poder pras mãos de uma pessoa só mas para as mãos de um grupo de 140 milhões de pessoas. Ou seja: bagunça.

Por que se trata de um golpe? Pra começar, porque não tá previsto na Constituição. Nossa Carta Magna não prevê eleições diretas na segunda metade do mandato. No entanto, acho melhor não evocar a Constituição, nesse caso, porque ela também não prevê impeachment sem crime de responsabilidade e nem terceirização da atividade fim e nem a possibilidade de pagar trabalhador rural com casa e comida. Em vez disso tem lá toda uma parte sobre respeito ao meio ambiente, direito ao lazer, e diz que o empregado tem direito a uma parcela dos lucros da empresa.

Nossa Constituição parece que foi escrita na praça Roosevelt. Se o pessoal começar a ler, pode dar merda pro nosso lado. Vamos continuar usando só como calço de mesa, que pra isso tem servido bem (embora pudesse ser um pouco mais fina, até pra isso a americana é melhor).

Por isso, o melhor argumento contra esse golpe não é constitucional. Precisamos dizer a verdade: quem quer "Diretas Já" na verdade só quer botar o Lula lá. Sim, eles acham que enganam, mas existe um plano claro: primeiro derrubam o Temer, depois põem o povo pra votar no Lula. Sim, tudo já foi combinado com o povo. Se for provado que o povo tá nessa, vai ser a primeira vez que 140 milhões de pessoas conspiraram juntas. "Não dá pra comprar uma nação inteira." O que seria o Bolsa Família senão um mega esquema de compra de voto?

Há quem chame esse processo de conspiração coletiva por outro nome: democracia. Eu chamo de golpe mesmo. Não é porque o povo tá envolvido nessa que não é golpe. É um golpe democrático, mas é golpe, porque o povo não consultou o principal mandatário da nação: o mercado.

Eleição direta, pra mim, seria se o mercado escolhesse diretamente o presidente. Quando o povo vota, a eleição deixa de ser direta, porque tá passando por cima dos investidores. E dá um puta trabalho depois. Tem que inflar um pato, tirar o presidente, desinflar o pato, botar outro presidente. Por isso proponho eleições diretas de verdade: reúne o PIB e deixa ele escolher. Vai poupar trabalho pra todo o mundo.


FOLHA, junho 2017

June 6, 2017

Três anos depois, brechas legais que levaram à Lava Jato persistem


RUBENS VALENTE DE BRASÍLIA
FOLHA DE SÃO PAULO


20/03/2017 02h00


Alan Marques - 26.out.2015/Folhapress
O doleiro Alberto Youssef, que enviou US$ 234 milhões ao exterior em contratos fictícios
O doleiro Alberto Youssef, que enviou US$ 234 milhões ao exterior em contratos fictícios

Três anos depois de deflagrada a Operação Lava Jato, brechas legais e a falta de transparência na origem do escândalo continuam intocadas, ampliando as chances de um esquema parecido de desvio de recursos públicos voltar a se repetir.

A Folha ouviu alguns dos principais envolvidos na investigação (força-tarefa da Lava Jato em Curitiba, o órgão de inteligência financeira do Ministério da Fazenda, a Petrobras e o Banco Central) para apontar o que mudou desde março de 2014.

Um dos buracos que persistem, por exemplo, é a relação de congressistas com lobistas, que funciona sem qualquer controle.

O lobby no Congresso é uma caixa-preta. Mesmo após a Lava Jato, Senado e Câmara não chegaram a qualquer iniciativa para alterar procedimentos sobre o comportamento dos parlamentares.

As investigações mostraram que lobistas como Fernando Baiano e Cláudio Melo Filho, da Odebrecht, tinham acesso livre às dependências da Casa e estavam desobrigados de declarar para quem trabalhavam, o local das reuniões, qual a matéria específica do seu trabalho (como projeto de lei ou medida provisória) e com quais parlamentares tratavam.

Da mesma forma, todos os parlamentares brasileiros são desobrigados de informar com quais lobistas se reúnem e o objetivo das conversas.

Para o coordenador da Lava Jato no Ministério Público Federal, Deltan Dallagnol, esse ponto é apenas uma das mudanças que o Congresso deixou de fazer.

Ele menciona as penas para os casos de corrupção, que considera "piada de mau gosto". "As penas são inadequadas e mais, raramente se chega a essas penas. O sistema recursal é um cipoal, praticamente infinito, que permite perpetuar o processo até que aconteça a prescrição", diz.

Desde que a Lava Jato foi às ruas, também continua baixa a transparência dos atos do presidente, diretores e executivos da Petrobras, cujos compromissos não eram divulgados pelo menos até a semana passada.

A Lava Jato mostrou que gestores da companhia, como Paulo Roberto Costa e Pedro Barusco, mantinham conversas frequentes com parlamentares sem que fossem obrigados a informar esses contatos publicamente.

O diretor de Governança, Risco e Conformidade da Petrobras, João Adalberto Elek Junior, menciona "assuntos estratégicos" para contemporizar sobre a falta de transparência das agendas.

"Estamos trabalhando em como fazer um uso melhor de agenda. Existe um regramento para isso", disse. "Agora, a gente sempre tem aquela preservação da agenda quando a gente trata de um assunto de natureza estratégica".

No tema da contratação de obras civis, a Petrobras continua seguindo regramentos internos próprios, como um decreto de 1998, para tocar seus processos de contratação. A empresa se recusa a adotar a lei das licitações, praticada pela administração pública em todo o país.

Em depoimento à Lava Jato, Paulo Roberto Costa explicou que, como diretor, tinha poderes extremos de convidar ou desconvidar empreiteiras para entrar no "clube", o cartel que pagava milhões de reais em propina.

Assim, um diretor tinha a capacidade de prejudicar empreiteiras que não quisessem pagar o suborno, bastando que as retirasse da lista de possíveis convidados.

A Petrobras argumenta que houve um reforço no sistema interno desse tipo de decisão. "Esse grau de flexibilidade que um diretor poderia ter no passado, de tomar decisões em caráter individual, foi fortemente combatido", disse Elek. "Agora as decisões são submetidas a um comitê."






SEM AMARRAS

No âmbito do sistema financeiro, continua sem qualquer amarra o sistema de remessa de dólares para o exterior por meio de contratos de câmbio. O doleiro Alberto Youssef enviou pelo menos US$ 234 milhões sem ser incomodado, em cinco anos. Os contratos eram fictícios.

O sistema não mudou e, para Banco Central e Coaf (órgão do Ministério da Fazenda), deve continuar como está.

Ambos entendem que o mercado não deve sofrer restrições mas, uma vez detectada a irregularidade, a ação punitiva deva ser dura. O BC diz em nota que "mantém permanente monitoramento e fiscalização do mercado de câmbio" e que detectou em 2014 "operações suspeitas" que foram atacadas em 2015.

June 4, 2017

10 Definitive Gregg Allman Songs


  • By Jon Pareles, www.nytimes.com
  •  

  • Gregg Allman’s music became a foundation for both southern rock and the extrapolations of jam bands. Credit Karsten Moran for The New York Times Foto de: Karsten Moran for The New York Times
    All of the mythic South was in Gregg Allman’s music: soul, blues, country, gospel, rock ’n’ roll, jazz. The roadhouse, the back porch, the juke joint, the church, the farm, the highway.
    It was in the weary, determined drawl of his voice, rising to a sustained, honeyed ache or rasping with stubborn gumption. It was in the way his keyboard playing took turns steering the Allman Brothers Band and creating its backdrop: the Hammond organ that could be greasy or celestial, the piano that summoned hymns, honky-tonk, boogie-woogie and jazz. (He played serviceable guitar, too.) And it was in the songs Mr. Allman, who died Saturday at 69, wrote, putting terse, bluesy riffs behind lyrics that spoke of endless troubles, domestic and universal, and the will to survive them. “Bearing sorrow, having fun,” as he put it in “Melissa.”
    It all sounded natural and rooted, straight from the Georgia soil, when the Allman Brothers Band unveiled its musical hybrid on its self-titled 1969 debut album. It was music that would become a foundation for both the sturdy structures of southern rock and the far-flung extrapolations of jam bands.

    There was radical effort behind the band’s seeming ease. The Allman Brothers Band had thoroughly figured out the segues among all of the styles they merged: where rhythms could coincide and metamorphose, where simple harmonies could support jazzy elaboration, how a soul revue’s horn lines or a country band’s fiddle could be translated onto the band’s guitars and keyboards. Outside the Allman Brothers Band, Mr. Allman led his own jam bands, although at times his studio albums attempted something crisper and more radio-friendly.
    The birthright the Allmans’ music claimed was geographical — American and particularly Southern — and with it came a willingness to move past genre lines and all their connotations of race and class. It was all at their fingertips, inviting listeners to follow.

    His songs also drew on his own history, particularly in later years when he looked back on his own past excesses and drug problems. His voice was more weathered by then, but it stayed strong all the way into the 2010s, past the Allman Brothers Band’s retirement in 2014. Steeped in the blues, he had always sung like someone experienced beyond his years.

    Here are 10 definitive Gregg Allman songs. Unless otherwise noted, they were recorded by the Allman Brothers Band.

    “Whipping Post” (1969)

    “Whipping Post” carried the Allman Brothers to improvisational peaks through decades of concerts. It’s a lover’s lament carried by a whirlwind through blues, jazz and rock. Its riff first appears in a tricky 11/8 meter, then straightens out to 12/8; its chorus heaves into a bluesy half time for a desperate a cappella plaint — “Good Lord, I feel like I’m dyin’!” — but then revs up again, lingering over an unchanging harmonic foundation that foments open-ended improvisation. The band could push “Whipping Post” in any direction — and did.

    “Midnight Rider” (1970)

    The narrator of “Midnight Rider” is a fugitive in motion: broke and tired, chased by unnamed pursuers. Mr. Allman’s music makes his journey a one-chord meditation interrupted by a few bars of tension when he sings, “I’m not gonna let ‘em catch me”; the rhythm keeps him moving.

    “Dreams” (1969)

    A jazzy waltz with a circular, three-note bass riff and pattering percussion cross-rhythms introduced the Allmans’ most psychedelic side on their 1969 debut album. It’s a declaration of ambition to realize “dreams I’ll never see”; it also stretched a long way in concert.

    “Ain’t Wastin’ Time No More” (1972)

    Mr. Allman’s rolling piano riff is part gospel, part Mardi Gras mambo, and his lyrics fight their way out of mourning toward gratitude for being alive as Dickey Betts’s slide guitar pushes ahead. The song was on “Eat a Peach,” the album completed after the death of Duane Allman, Gregg’s brother and the band’s founding guitarist; it insists, “You can’t let one precious day slip by.”

    “Melissa” (1972)

    “Melissa” is a ballad about a constant traveler “knowing many, loving none” while thinking about a woman back home. A hobo? An itinerant musician? The song doesn’t decide whether to stay footloose or settle down; it lingers between restlessness and longing.

    “Rockin’ Horse” (2003)

    “Never could use just a little/Never could leave it alone.” Warren Haynes, a latter-day member of the Allman Brothers, sang this song with both the Allman Brothers and his own band, Gov’t Mule. But Mr. Allman helped write it and his story was in it, facing down a lifelong self-destructive streak he had survived. Even in this studio recording, the song’s choppy, minor-key New Orleans groove spurs bluesy guitar solos heading toward Hendrix territory.

    “Wasted Words” (1973)

    A two-fisted piano boogie with a pugnacious slide guitar, “Wasted Words” is a surly lover’s quarrel escalated to theological ground. The singer compares his “baby” to God and Satan, and while he points out, “I ain’t no saint,” he’s not confessing to any specific sin.

    “It’s Not My Cross to Bear” (1969)

    The form is a by-the-book slow blues, with plenty of room for Mr. Allman to let the vocal drama build, from bemoaning “our bad, bad misfortune” to full-throated shouts and roars at the end. But it’s a crescendo of anger, not sorrow; as he leaves the relationship wreckage behind, he snarls, “Don’t reach out for me, babe.”

    “Sailin’ ’Cross the Devil’s Sea” (1994)

    A low, bruising guitar riff and seething organ chords carry a tale of temptation, blind lust and infidelity: “the beginning of the end of my happy home.” Repentance arrives far too late.

    “Floating Bridge” (2011)

    Written by the bluesman Sleepy John Estes, “Floating Bridge” is about a brush with death: getting rescued from drowning. It’s from Mr. Allman’s most recent solo album, “Low Country Blues,” and there’s relief and remembered terror in his voice.
    Correction: June 1, 2017
    An earlier version of this story misstated the singer of “Rockin’ Horse.” It was Warren Haynes, not Gregg Allman.