October 27, 2022

Como Ziraldo, que faz 90 anos, uniu humor político a tato com crianças

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 Claudio Leal

  Na despedida de sua cidade natal, Caratinga, em Minas Gerais, Ziraldo Alves Pinto queria se tornar o maior desenhista do mundo. Tinha 18 anos e já dava sinais de ser, por inteiro, sem modéstia, Ziraldo. Ao completar 90 anos nesta segunda-feira (24), o cartunista demonstra que não foi pequeno o esforço para cumprir o sonho megalomaníaco em sete décadas de carreira.

Ziraldo criou charges, cartuns, pinturas, cartazes, murais, histórias em quadrinhos, livros infantis e crônicas. Além disso, transbordou o limite de uma folha de papel e virou um intelectual público disposto a distribuir opiniões para salvar o mundo. Sempre se considerou um “aspite”, isto é, um assessor de palpites. Para evitar mal-entendidos, chegou a propor a adoção do ponto de ironia na língua portuguesa.

“Ele tem a volúpia de ser amado por todo o mundo. Era corajoso, enfrentou a ditadura, mas, sempre que uma pessoa brigava com ele ou parecia brigada, ele se transtornava. Ziraldo era também o oposto. Adorava receber visita enquanto estava trabalhando”, diz o crítico Sérgio Augusto.

O humor de Ziraldo se expandiu na revista O Cruzeiro e ganhou expressão política a partir de 1963, no Jornal do Brasil. Em 1974, uma torrente de discursos de congressistas da Arena em louvor ao ditador Ernesto Geisel, que havia citado o partido no discurso de posse, motivou uma charge em que o nome da Arena estava na saia de uma prostituta. Ela dizia, eufórica: “Ele sorriu pra mim… Ele sorriu pra mim…”.

“Foi a minha charge que mais repercutiu. Chamei a Arena inteira de prostituta. E a Arena não me processou”, ele disse a este repórter, em 2010. “O político não deve passar recibo.”

No Jornal dos Sports, em 1967, Ziraldo editou o suplemento Cartum JS, revelando os novatos Henfil e Miguel Paiva. Criado em 1969, no vácuo do Ato Institucional nº 5, o AI-5, o semanário humorístico O Pasquim contribuiu para a transformação de Ziraldo em um artista popular.

Como definiu Millôr Fernandes, o jornal reunia uma porção de pessoas que você não podia comprar com dinheiro. À essa altura, se não era o maior desenhista do mundo, Ziraldo se firmava como o maior de Caratinga e um dos melhores do Brasil.

Apesar das restrições da censura, o Pasquim descabelou seu estilo e fortaleceu sua oposição à ditadura militar. Ele sofreu três prisões, a mais mítica no final de 1970, na Vila Militar, junto com Tarso de Castro, o idealizador e mais ousado editor do jornal, além de Jaguar, Flávio Rangel, Paulo Francis, Luiz Carlos Maciel, Sérgio Cabral, Fortuna, José Grossi e Paulo Garcez.

Ziraldo lutava pela liberdade, mas não era bem um libertário. Manteve uma visão tradicionalista em relação às bandeiras sexuais e artísticas da contracultura dos anos 1960 e 1970, alinhando-se a Millôr, gênio conservador, nos ataques contra Caetano Veloso e Gilberto Gil no retorno do exílio.

A jornalista Maria Lúcia Rangel rememora a primeira e talvez única experiência de Ziraldo com a maconha, em Búzios. O cartunista entrou em parafuso. “Ele gritava para esposa dele na época: ‘Vilma, socorro!'”, diz Rangel entre risos. “Ele adorava os jovens. A gente ficava em volta da mesa dele, no apartamento da Lagoa. Essa geração faz falta pela inteligência. Na imprensa, não tem nada no lugar.”

O salto para a literatura infantil deu um rosto mais terno ao mineiro. A revista da turma do Pererê, editada entre 1960 e 1964, e os livros “Flicts”, de 1969, e “O Menino Maluquinho”, de 1980, viraram fenômenos editoriais. Convertido em avô tagarela das crianças brasileiras, ele passaria a visitar escolas em todas as regiões do país, sendo o arauto das reinações da infância.

Havia um saudável nacionalismo em seu impulso de criar histórias em quadrinhos com fisionomia brasileira.

Formado graficamente por desenhistas americanos e pelo imaginário de Batman e Capitão América, Ziraldo entregou ao país seus Pererê e Tininim. A onça, o jabuti, o macaco e o tatu entravam na infância de quem o lia.

Todo o seu trabalho foi uma declaração de amor “a esta bosta de país”, como dizia. À frente da Funarte, no governo de José Sarney, ele postulou o que seria chamado de “cultura da broa de milho”, um protecionismo romântico das manifestações populares.

A criação de personagens era outra vertente de seu gênio. A “Supermãe”, o “Mineirinho” e “Jeremias, o Bom”, revelam sua habilidade de criar um universo psicológico no espaço diminuto das tirinhas de jornal. Com a série “Zeróis”, passou a zombar dos super-heróis americanos que tanto o marcaram, parodiados em suas humanas fraquezas.

Muito antes de “O Menino Maluquinho” ser um sucesso nas telas ou virar uma série de animação na Netflix, ele quis ser cinema, criando cartazes para os filmes “Os Cafajestes” e “Os Fuzis”, de Ruy Guerra, além de “O Assalto ao Trem Pagador”, de Roberto Farias. Mas não emplacou o de “Deus e o Diabo na Terra do Sol”, rejeitado por seu diretor, Glauber Rocha, que preferiu entregar a missão ao designer tropicalista Rogério Duarte.

“Ziraldo é um dos pilares do design brasileiro, praticante dessa forma polivalente de desenhar, que é fazer quadrinhos, cartum e charge. Nesse sentido, leva o troféu porque vários de nós fizemos as três coisas, mas nenhum fez com a profusão e a competência dele”, afirma Laerte, que teve “o primeiro impacto de uma linguagem gráfica” ao ver uma capa da revista Pererê, em 1961.

“É um criador caudaloso e um sujeito audacioso, que defendeu pontos de vista bem claros, anti-ditadura e alinhado com a democracia. É um mestre”, diz a cartunista.

Um dos batutas do Pasquim, Jaguar destaca o papel de Ziraldo na proteção política dos cartunistas brasileiros. Em caso de prisão ou ameaça de violência, ele seria capaz de acionar uma rede de contatos com grandes humoristas e publicações internacionais.

“Ele era uma verdadeira máquina de desenhar. Nunca vi um camarada capaz de passar a noite inteira desenhando. Eu detesto desenhar. Primeiro, porque não sei desenhar”, diz Jaguar. “Ziraldo é uma espécie de Leonardo da Vinci de Caratinga. Ele escrevia, desenhava, dançava. E dizem também que o Leonardo da Vinci nunca brochou.”

No folclore geracional, Ziraldo era infalível na prancheta e na cama. “Sabe, minha vida não daria um bom romance, porque falta tragédia, falta drama na minha existência. Por exemplo, eu nunca brochei. É uma coisa fantástica”, gabou-se em entrevista à revista Playboy, em abril de 1980.

Aos 90, afetado por acidentes vasculares cerebrais, Ziraldo vive sem desenhar. Ao seu enteado, Claudio da Rocha Miranda, ele disse que depois de ter sobrevivido à Covid-19 e a todas as doenças imagináveis, só pode morrer de acidente de barco ou helicóptero.

FOLHA  

 O cartunista Ziraldo segura um cartaz pedindo 'Diretas Já' em retrato de 1984

 

October 22, 2022

Com vocês, a Leoa: Janja, a mulher de Lula, cresce e aparece

Com vocês, a Leoa

 

  

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

por Thais Bilenky 

Campinas, interior de São Paulo, 5 de maio. No Teatro de Arena da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Janja, a mulher de Lula, anda de um lado para o outro, impaciente. A segurança perdeu o controle do palco, invadido por simpatizantes ávidos por assediar o ex-presidente. Uma parte do público começa a gritar, em coro: “Libera o palco! Libera o palco!” Janja levanta e abaixa os braços estendidos, como se regesse a plateia, estimulando os presentes a cantar para liberar o palco. Aos poucos, as coisas vão entrando nos eixos, a plateia se acomoda no chão, ao redor do palco, por todos os lugares. Depois dos discursos iniciais, chega a vez de Lula. A certa altura, já perto do fim, diz que um homem apaixonado como ele nem pensa em vingança. Aproxima-se da mulher, estende a mão, como quem a chama. Ela se levanta da cadeira no palco, vai em direção a ele. O casal entrelaça as mãos. Lula diz que está de bem com a vida, mas tão bem, que vai “casar com essa mulher”. Faltavam então treze dias para o casamento. Janja deita o rosto no ombro dele. Encosta o nariz em seu pescoço, sorrindo, seguidas vezes. Ele diz que está apaixonado. Ela, ainda o enlaçando, sopra vários beijos no ombro, brincando com o gesto que se popularizou como forma de exibir superioridade.

Salvador, capital da Bahia, 2 de julho. Na Arena Fonte Nova, diante de uns 15 mil apoiadores, Lula decide ler o discurso. Como o vento está muito forte, pede a Janja para segurar as folhas com o texto. Ela se aproxima, segura os papéis, faz uma reverência ao público, dobrando os joelhos enquanto segura a ponta do vestido, e joga um beijo para a plateia.

Rio de Janeiro, 7 de julho, na Ci-
nelândia, praça no Centro da cidade.
A mestra de cerimônias chama Janja pa-
ra cantar o jingle. “Olha só”, começa
Janja. “Andaram falando que eu desafi-
no”, diz, referindo-se à sua interpretação
da nova versão do famoso jingle Lula
, que fez sua estreia na campanha pre-
sidencial de 1989 e nunca mais deixou
de frequentar as manifestações petistas.
A própria Janja produziu um vídeo com
uma nova versão. “E aí eu quero dizer
para quem falou isso que o que importa
mesmo é cantar sem medo de ser feliz.
Vamos lá, Rio de Janeiro, canta comigo.
Quero todo mundo cantando, desafi-
nando ou não.” Solta o jingle.

 
Brasília, 13 de julho. O auditório do
complexo hoteleiro Brasil 21 está reple-
to de artistas e produtores culturais. Há
pessoas sentadas nos corredores, nas
escadas e no palco. No final do discur-
so, Lula chama para perto uma senhora
do Baobá, um coletivo de mulheres ne-
gras. Beija-lhe a testa e lhe estende o
microfone. A ativista diz algumas pala-
vras em homenagem ao presidenciável.
Assim que ela termina, Janja toma o
microfone da mão de Lula, aparta o can-
didato da ativista e, indignada, põe-se a
ordenar ao microfone: “Gente, por fa-
vor. Não invadam o palco. Por favor. Está
muito crítico.” Ela convoca a seguran-
ça, a transmissão é encerrada.
Garanhuns, Pernambuco, terra natal
do ex-presidente Lula. Janja está sobre
o palco neste 20 de julho. Lula está no
fundo. Ao microfone, ela canta Sem
Medo de Ser Feliz. Encerrada a música,
o casal se abraça e se beija. Lula vai co-
meçar a discursar para uma massa de
simpatizantes. Janja volta para sua pol-
trona, no centro do palco. No caminho,
faz uma parada, dá um beijinho no om-
bro e ri ao microfone. Ele discursa, sob
um Sol escaldante. Janja levanta-se da
poltrona, vai até Lula. Interrompe o dis-
curso do marido, coloca um boné na
sua cabeça , ajeita seu cabelo. Lula re-
toma sua fala, dizendo: “Quem tem
cuida.” O público aplaude.

 
Serra Talhada, sertão pernambucano,
horas depois. Sobre o palco, diante de mi-
lhares de militantes, Janja termina de
cantar o jingle, põe a mão sobre o ombro
de Lula. Ele sorri e faz um gesto dizendo
“não quero beijo”. Ela o abraça, aproxima
seu rosto do dele. Ela volta-se ao público
e informa: “Ele não quer dar beijo hoje.”
Janja volta para sua poltrona no palco.
Fortaleza, 30 de julho. Janja acaba de
cantar o jingle de mãos dadas com o ma-
rido no comício que ocorre no Centro
de Eventos do Ceará. Eles se abraçam,
se beijam. Quando Lula faz menção de
começar seu discurso, o locutor anuncia
“o momento pelo qual todos estão espe-
rando” e Janja o interrompe. “Eu entre-
go ele para vocês”, diz, dirigindo-se ao
público. Lula discursa e, meia hora de-
pois, faz questão de reafirmar sua virili-
dade. “Não pensem que estou veinho,
não. Se eu estivesse veinho, não tinha
casado agora.” O palco está cheio de au-
toridades em pé, mas Janja está sentada
numa poltrona. Ela manda outro beiji-
nho no ombro.

 
A socióloga Rosângela Silva, uma
paranaense de 56 anos, duas décadas
mais jovem que Lula, é uma estrela as-
cendente no PT e comporta-se assim
mesmo: é espontânea, falante, sobe no
palco, debocha, canta, faz as vezes de
chefe da produção, da segurança, do
palco, e se envolve com tudo que gira
em torno de Lula – tudo mesmo. “Se
atirarem no Lula, ela é capaz de morrer
porque se joga na frente para proteg 

lo”, diz a advogada e amiga Gabriela
Araújo, casada com o petista histórico
Emidio de Souza, hoje deputado esta-
dual por São Paulo. “É ruim, ela se
queima, porque tem a equipe de segu-
rança para fazer isso. Já falei isso para a
Janja, mas o Lula gosta que seja assim.
Se ele não quisesse, ela não faria.”
Nos eventos de que participa, o pú-
blico costuma acolher Janja, fica atento
a tudo o que faz e costuma aplaudi-la.

 
Mas sua presença ostensiva vem atrain-
do elogios públicos e críticas privadas.
Nas disputas de poder dentro do PT, o
surgimento de um nome que mobiliza
e galvaniza interesse sempre causou
ciumeiras, divisões e, em alguns casos,
intermináveis batalhas fratricidas. Com
Janja acontece algo semelhante, embo-
ra ela não seja uma liderança política.
Há, porém, um dado que muda tudo.
Ao contrário das outras figuras cuja as-
censão já provocou cizânia interna, Jan-
ja é mulher de Lula – o que ora lhe
favorece, ora lhe prejudica.
O namoro entre Lula e Janja se tor-
nou público no dia 18 de maio de
2019, quando o economista Luiz
Carlos Bresser-Pereira visitou o ex-presi-
dente na cadeia em Curitiba e, depois,
informou na sua página do Facebook
que o petista estava apaixonado e pre-
tendia se casar quando fosse solto. Des-
de então, Lula repete que fez “a proeza de
arranjar uma namorada na cadeia”, só
que não foi bem assim. Eles já se conhe-
ciam, mas o relacionamento começou
depois de um jogo de futebol em de-
zembro de 2017, quatro meses antes da
prisão e quase um ano depois que Lula
enviuvou de Marisa Letícia, vítima de
um AVC em fevereiro daquele ano. Eles
se encontraram durante uma confrater-
nização de Natal da esquerda ligada ao
PT, em Guararema, no interior de São
Paulo. Na ocasião, houve também um
jogo de futebol entre o Politheama, time
do compositor Chico Buarque, e a equi-
pe do Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra. Janja estava na torci-
da, tietou Chico e postou foto a seu lado
no Instagram: “Essa é para matar de
inveja!!!” Depois, passou a se referir ao
compositor como “dindo”.

 
Três meses depois, em março de
2018, Janja acompanhou Lula na cara-
vana que percorreu os três estados do
Sul durante dez dias. Lula orientava a
equipe para não chamar a atenção para
o namoro, e Janja era então uma pre-
sença discretíssima, que fugia dos holo-
fotes. Era sempre assim. Um mês antes,
por exemplo, eles passaram uns dias na
casa de praia de Gabriela Araújo e Emi-
dio de Souza, em Maresias, no litoral
paulista. Para passarem incógnitos, não
chamaram uma funcionária para arru-
mar a casa. Janja encarregou-se do ser-
viço. “Ela tem TOC de limpeza. Acordei
um dia, ela estava com a vassoura la-
vando o quintal”, lembra Araújo. “Esta-
va no auge da Lava Jato, Lula estava
bem em baixa. Todo mundo que era
superamigo sumiu”, completa ela.

 
Poucas semanas depois, em 7 de
abril, Lula foi preso em São Paulo e le-
vado para Curitiba. Na Vigília Lula Li-
vre, montada diante do prédio da Polícia
Federal, na qual militantes diariamente
davam “bom dia”, “boa tarde” e “boa
noite” para Lula no megafone, Janja
aparecia de vez em quando. Desconhe-
cida dos organizadores, certa vez che-
gou a ser barrada no acesso ao grupo
que coordenava a vigília. Em ocasiões
especiais, como no aniversário do ex-
presidente e quando se completou um

ano de prisão, Janja deu palinhas em
shows na vigília, cantou parabéns no
palco, apagou as velas do bolo. Nunca se
apresentou como namorada de Lula.
Aos poucos, ela foi se enturmando
com o pessoal que cuidava do dia a dia
de Lula na cadeia. A “panelinha”, como
ela apelidou o grupo, era formada por
quatro pessoas: Nicole Briones (que to-
mava conta das redes sociais do ex-pre-
sidente), Ricardo Stuckert (seu fotógrafo
há quase duas décadas), Marco Aurélio
Santana Ribeiro, o Marcola (sociólogo
e assessor), e Neudicleia de Oliveira, a
Neude, que, nas palavras de Janja, foi
“chegando de mansinho, ressabiada,
mas de coração aberto”. Neude era uma
das organizadoras da vigília e militante
do Movimento dos Atingidos por Barra-
gens (MAB). Às vezes, o grupo saía para
jantar, tomar uma cerveja, com frequên-
cia no Costelão, uma modesta churras-
caria que fica no bairro Alto da XV.

 
A afinidade entre Janja e Neude aflo-
rou. A amiga a acompanhava nas “lou-
curas de amor”. Certa vez, foram até a
rua da Polícia Federal, em plena madru-
gada, e colocaram uma música no som
do carro no volume máximo. Lula en-
tendeu o recado e respondeu acendendo
e apagando a luz dentro da cela. En-
quanto esteve na carceragem da PF, o ex-
presidente recebeu Neude duas vezes.
Na saída de uma das visitas, em março
de 2019, ela usou o alto-falante para dar
o recado aos colegas. “Estive uma hora
com o presidente Lula. Inveja!”, disse
para o público. “Mas ele mandou dar
um abraço em todos e todas que estão
aqui.” A amizade com Janja perdurou.
Na campanha presidencial, a ativista do
MAB se tornou sua assessora pessoal.
Janja foi uma presença constante na
vida de Lula durante os 580 dias de pri-
são. Lavava sua roupa e cozinhava dia-
riamente, mandando entregar tudo na
carceragem da PF. Deixava de viajar
para ficar por perto. Lula retribuía as
gentilezas com buquês de flores e ou-
tros mimos, que assessores compravam
e entregavam a Janja. Como Lula não
tinha direito à visita íntima, o casal tro-
cava duas cartas por dia. “Era legal. Eu
recebia a dela de tarde, 4h30, 5 horas.
Ela recebia a minha às onze da manhã.
Isso manteve a gente conversando o
tempo inteiro”, contou Lula, depois de
solto, em entrevista a Gustavo Conte,
um youtuber e seu fã. Ao lado de Lula
na entrevista, Janja recordou que os ad-
vogados do petista, Manoel Caetano e
Luiz Carlos Rocha, às vezes se esque-
ciam de pegar a carta de Lula e diziam
que ele não tinha escrito nada. Ela in-
sistia: “Como não tem carta? Tem car-
ta, sim. Pode voltar e procurar que essa
carta está lá em algum lugar.”
Na tarde do dia 8 de novembro de
2019, Janja fez sua estreia pública
como namorada de Lula. Naquele
dia, o ex-presidente deixou a cadeia e foi
até a vigília dos apoiadores para o pri-
meiro discurso em liberdade. As ruas nos
arredores transbordavam de gente. La-
deado por Janja e líderes petistas, Lula
cruzou a pé um corredor humano. Janja
estava junto, perdeu-se de Lula, voltou
a alcançá-lo e abraçou-o pelas costas,
voltou a perdê-lo e voltou a alcançá-lo.
Quando Lula começou a falar, logo
agradeceu aos líderes da vigília e, entre
eles, a amiga Neude. Janja ergueu os bra-
ços vibrando e fez carinho nas costas
dele e dela enquanto se abraçavam. Lula
falou da família, dos políticos, dos mili-
tantes. Até que chegou a vez de Janja.

 
“Quero apresentar para vocês a mi-
nha futura companheira”, anunciou
Lula. “Consegui a proeza de, preso, ar-
rumar uma namorada, ficar apaixonado
e ainda ela aceitar casar comigo. É mui-
ta coragem.” Janja sorria largamente. Os
militantes pediram um beijo. Ela olhou
fixamente para ele, que lhe deu então
um selinho. O público aplaudiu. Era a
entrada de Janja em cena. Já se podia
perceber que ela não se acanhava com
os holofotes. Tinha desenvoltura, como
demonstraria mais tarde na campanha,
e sempre esteve disposta a garantir seu
espaço ao lado de Lula.

 
Assim que deixou a prisão, Lula vol-
tou a morar em São Bernardo do Cam-
po, seu berço político, em um sobrado
alugado. Janja foi junto. Em Curitiba,
onde viveu a maior parte de sua vida, Jan-
ja morava com a mãe, Vani Terezinha
Ferreira, que tinha a doença de Alzhei-
mer. Levou a mãe para São Bernardo.
(Ela pegou Covid e morreu em outubro
de 2020, aos 80 anos.) Também levou
Resistência, vira-lata que se tornou mas-
cote da Vigília e que ela acabou adotan-
do. Lula e Janja tinham uma rotina
quase convencional. Visitaram cinco es-
tados, e Lula fez duas viagens ao exterior,
mas a liberdade de sair de casa durou
pouco. Com a chegada da pandemia no
começo de 2020, o casal recolheu-se.
Lula mergulhou nas lives, nas quais Janja
fazia breves aparições, ainda demons-
trando um certo comedimento. Numa
conversa ao vivo organizada pelo MST,
Janja ficou quase o tempo todo em silên-
cio, fora do alcance da câmera. Só entrou
em cena, deixando aparecer metade do
rosto, depois que a advogada Carol Pro-
ner surgiu com o namorado, Chico Buar-
que, para cantar uma música.

 
Na entrevista com o youtuber Gusta-
vo Conde, Janja descreveu assim a roti-
na do casal nessa época: “Nosso dia a
dia é isso. Café da manhã, ele me ajuda
a lavar a louça, vou cuidar do almoço,
ele vai fazer as entrevistas”, disse Janja,
que já então mostrava sua inclinação
para cercar o ex-presidente de cuidados.
“Ele trabalha sem parar e eu sempre ali:
‘Dá uma desacelerada, cuida da voz,
não grita.’” Na sua conta do Twitter, Jan-
ja publicava fotos das refeições do casal.
Certo dia, preparou batata frita com ovo
frito e foi à rede. “Zoião avec french
frais à moda Paola Carosella!!! Meu
bem adorou!!”, escreveu, marcando a
chef. Uma seguidora reclamou do car-
dápio. “Isso é comida pra velhinho? Ele

piauí_outubro 19
tem que comer salada. Se esse homem
morrer de enfarte, a gente te mata. Ele
ainda tem uma Presidência para tomar.”
Janja reagiu. “Menosssssssssss!!! Peque-
nos pecados! Cuido muito da alimenta-
ção dele!” E fechou sua resposta com
uma hashtag: #quemamacuida.

 
Em suas interações nas redes sociais,
costumava fazer comentários na condi-
ção de mulher de Lula. Certa vez, o
jornalista Fernando Morais, biógrafo
do petista, escreveu que o ex-presidente
estava “no ringue”, colocou uma foto
dele lutando boxe e informou que,
“para permanecer em forma e aliviar as
tensões, faz esteira, puxa ferro e treina
boxe”. Ao compartilhar a publicação,
Janja acrescentou: “E namora comigo.”
Em setembro de 2021, Lula e Janja
deixaram o sobrado de São Bernardo e
alugaram uma casa de 700 m2 no Alto
de Pinheiros, um bairro de classe mé-
dia alta em São Paulo. Ali, ela conti-
nuou uma vida praticamente anônima.
Levava Resistência para passear, fazia
o supermercado, quase sempre desa-
companhada, e frequentava o salão de
beleza. (Até hoje, mantém um hábito
anterior à fama: sai descalça do salão
para não arranhar o esmalte aplicado
nas unhas dos pés.) “Quantas vezes
fomos ao [shopping] Iguatemi e nunca
ninguém a viu?”, diz Gabriela Araújo.

 
“A gente ia comprar roupa juntas. Ela
reclama que eu não sei me vestir como
uma doutora advogada, que tenho que
ser mais moderna. Me faz gastar di-
nheiro”, diverte-se a amiga. Nos fins
de semana, elas e os maridos faziam
churrasco. “Janja sempre prepara algu-
ma coisa especial para mim porque não
como carne. Nos domingos, ela mesma
cozinha, lava a louça, uma vida nor-
mal, supernormal.”

 
A mudança, feita por insistência de
Janja, não foi trivial. Lula deixou a cida-
de em que morou por décadas e onde
nasceu politicamente nos anos 1970. Em
conversas reservadas, ouve-se alguma
reclamação sobre a troca de endereço,
que deixou Lula mais distante de amigos
históricos. Até seu convívio com os filhos
tornou-se menos frequente. Mas nem
todo mundo concorda. “Lógico que te-
mos menos tempo para estar junto, con-
versar, tomar um guaraná para molhar
as palavras”, diz Moisés Selerges Jr.,
presidente do Sindicato dos Metalúrgi-
cos do ABC. “Mas, de forma alguma, em
nenhum momento, eu senti afastamen-
to. Janja nunca atrapalhou essa relação.
Ao contrário.” Luís Cláudio, o caçula
de Lula, indagado se a relação com Jan-
ja distanciou o pai dos filhos, dispensa
comentários. “Quem tem que respon-
der é meu pai. Melhor perguntar para
ele, não vou falar nem que sim nem que
não. Não é meu assunto.”

 
Na nova casa, Lula e Janja instala-
ram uma pequena academia. Outros
amigos entraram na vida do casal. Vizi-
nhos quase de porta, o advogado Marco
Aurélio de Carvalho e sua mulher, Ales-
sandra Gaspar, diplomada em relações
internacionais, foram dos que mais se
aproximaram. Líder do Prerrogativas,
grupo que reúne advogados progressis-
tas, Carvalho conheceu Janja e, só de-
pois, Lula. “Milito desde os 13 anos, sou
filiado ao PT desde os 16. Geralmente
quando encontramos alguém por quem
temos admiração quase incontida, a ten-
dência é a frustração”, diz Carvalho,
referindo-se a Lula. “Foi o oposto”, der-
reteu-se. Sua admiração se estende a
Janja. “Ela é um ativo. Mantém os âni-
mos e a resistência com descontração e
firmeza.” Os dois casais se encontram
de vez em quando. A vida social de Jan-
ja e Lula é intensa. Em ocasiões infor-
mais, Janja improvisa na recepção. Pede
pizza ou esquenta uma torta. Lula adora
uma que vem recheada de abóbora com
carne-seca. Com convidados menos ín-
timos, como o compositor Caetano Ve-
loso, serve queijos e vinhos.

 
Embora não seja vegetariana, o res-
taurante favorito de Janja é o Camélia
Òdòdó, da chef e apresentadora Bela
Gil, na Vila Madalena. “Ela fala que
é o escritório dela”, diz Gil. As duas se
conheceram em 2018, quando a cozi-
nheira visitou a Vigília Lula Livre, em
Curitiba. Janja, ainda anônima na mul-
tidão, mas sempre curiosa para conhe-
cer famosos, a abordou. Três anos depois,
quando se reencontraram, a agora mu-
lher de Lula rememorou o episódio.
“Não lembrava que lá eu tinha me en-
contrado com ela. Tem uma foto que
o Stuckinha [apelido do fotógrafo de
Lula, Ricardo Stuckert] tirou de nós.
Aí lembrei. Sou péssima de memória”,
disse Gil, numa videochamada de Ber-
lim, onde acompanhava a turnê do pai,
Gilberto Gil.

 
As duas se tornaram amigas e, quan-
do Janja marcou a data do casamento,
Bela Gil indicou a estilista Helô Rocha
para fazer o vestido. “Ela ficou super-
hiperfeliz, disse que já tinha pensado na
Helô e falou: ‘Não acredito que ela é sua
amiga! Queria muito!’ Liguei para a
Helô na hora, elas marcaram uma reu-
nião lá no Camélia e deu no que deu.
Ficou lindo.” O vestido teve como tema
o “luar do sertão”, com referências às
fases da Lua e a plantas da região, como
mandacarus e xiquexiques, que foram
bordadas por costureiras de Timbaúba
dos Batistas, no Rio Grande do Norte.
A noiva pediu um detalhe a mais, uma
pedrinha vermelha dentro de uma es-
trela bordada, em homenagem ao PT.
Queria uma estrela brilhando.
No início, Lula não fazia questão de
formalizar a relação, mas, diante do dese-
jo de Janja, embarcou na ideia. O casa-
mento ocorreu no dia 18 de maio passado,
três anos depois do anúncio público do

namoro. Estava apinhado de influencia-
dores e de gente com muitos seguidores
nas redes sociais. O evento bombou no am-
biente digital e repercutiu bem no mundo
político. Janja então entrou em definiti-
vo para o mundo dos holofotes.
No primeiro sábado de maio, em
São Paulo, o PT realizou um ato
público para lançar oficialmente
a aliança com o ex-governador Geraldo
Alckmin, que havia trocado o PSDB, seu
partido por mais de trinta anos, para se
filiar ao PSB e concorrer a vice na chapa
de Lula. Na programação, só estavam
previstos os discursos dos dois candida-
tos. Alckmin, convalescendo da Covid,
falou por meio de um telão. Pouco an-
tes de Lula começar a falar, Janja pediu
a palavra. Tinha uma surpresa para o
futuro marido, um presente antecipado
pelo casamento que se realizaria dali a
dez dias. Nas semanas anteriores, ela
produzira o vídeo com uma nova versão
do famoso jingle Lula lá.

 
Com a ajuda de Stuckert, o fotógrafo,
ela convidou diversos artistas para regra-
varem o jingle. Entre eles, estavam Pa-
bllo Vittar, Duda Beat, Chico César.
“Foi muito fofo”, diz Bela Gil, ao recor-
dar a história. “Janja estava almoçando
com umas amigas no Camélia, eu esta-
va com a Flor, minha filha. Ela veio e
disse que queria fazer um convite super-
secreto, que não podia chegar no ouvido
do presidente.” E então pediu para Flor
participar da regravação. “A Flor ficou
super emocionada”, diz a mãe. A garota,
de 13 anos, abre o clipe. Numa das versões
mais famosas, de 1989, o jingle é canta-
do por Chico Buarque, Djavan e Gilber-
to Gil, avô de Flor.

 
A surpresa do jingle não foi a primei-
ra vez em que Janja entrou numa seara
política, coisa que nem todos os petistas
graúdos consideram adequada. Numa
campanha, o jingle é peça importante
do marketing eleitoral. É pensado pelos
estrategistas para atingir um certo pú-
blico, definido por meio de pesquisas e
testes prévios. Com a iniciativa de Jan-
ja, o setor de marketing foi apenas infor-
mado de que ela ressuscitaria o jingle
histórico. Que “foi ficando”. Desde en-
tão, em todos os comícios do petista
pelo Brasil, o clipe é projetado no telão,
enquanto Janja canta, dança e estimula
a plateia a fazer o “L” de Lula com os
dedos. Em agosto, finalmente o marke-
ting lançou mais um jingle para a cam-
panha. É uma nova versão da mesma
música, agora em ritmo de forró e inter-
pretada por artistas populares, como
Maciel Salú e Cida Lobo.

 
Em dezembro de 2020, bem antes da
campanha, Janja já havia dado sinais de
que não seguiria ordens alheias. O casal
viajou para Cuba, onde Lula participaria
das filmagens de um documentário do
diretor norte-americano Oliver Stone.
A equipe do petista queria discrição por
causa da situação do Brasil, que vivia res-
trições na pandemia e enfrentava o cres-
cimento da pobreza e a volta da fome.
Janja, no entanto, postou uma selfie com
o então namorado de óculos escuros e
chapéu-panamá. Era tudo o que os asses-
sores de Lula não queriam. A comitiva,
quase toda ela, contraiu Covid na ilha e
fez o isolamento por lá mesmo.

 
Os profissionais da política dizem
que Janja deveria procurar se compor-
tar como uma extensão da imagem que
Lula construiu junto ao povo. Mas ela
não dá ouvidos e vem cavando seu es-
paço a seu modo, deixando admirado-
res e opositores pelo caminho. Junéia
Batista, secretária de Mulher Trabalha-

dora da Central Única dos Trabalhado-
res (CUT), é uma das poucas militantes
que critica Janja sem pedir o anonima-
to. Diz que pegou “antipatia pessoal”
pela nova companheira de Lula depois
de vê-la posando para fotos com a ex-
prefeita de São Paulo, Marta Suplicy,
em jantares privados com socialites.
“Marta é uma traidora. Fiquei muito
brava”, diz Batista, relembrando que
Suplicy votou a favor do impeachment
de Dilma Rousseff.

 
Mais tarde, outro episódio reforçou
a má impressão – e, de novo, envolveu
Marta Suplicy. Janja quis levar a ex-
prefeita à manifestação do Dia Interna-
cional da Mulher, em 8 de março,
organizado pelas centrais sindicais na
Avenida Paulista. Batista vetou. “A gen-
te trabalha para trazer a mulherada,
organiza, divulga, faz reuniões intermi-
náveis. Aí, no dia que o bolo está pron-
to, vem a pessoa querendo ser a cereja?
Não vai, porra nenhuma”, disse. Janja
apareceu na Paulista sem Suplicy, apre-
sentou-se às organizadoras, mas não
subiu no carro de som.

 
A gota d’água aconteceu dois dias
depois, num evento com Lula. Batista
encontrou Janja num corredor. Cum-
primentou-a e comentou que uma co-
nhecida queria fazer uma reunião.
“Mas ela disse que não podia. Achei uma
coisa, assim, meio superstar, sabe? Eu
sou dirigente sindical da CUT, sou mili-
tante política há 34 anos, feminista anti-
homofóbica, antirracista. Sou conhecida
no movimento sindical internacional,
mas nunca tratei ninguém com nariz em-
pinado, atendo todo mundo que quiser
falar comigo. Achei aquilo um pouco
arrogante. Menos, sabe?”

 
As comparações com Marisa Letí-
cia, com quem Lula foi casado durante
43 anos, não demoraram a aparecer.
Os mais próximos dizem que a ex-pri-
meira-dama não se envolvia diretamen-
te nas campanhas e conseguia aterrar
Lula. Era capaz de lhe dizer verdades e
evitava que se perdesse no próprio su-
cesso. Janja, ao contrário, faz questão
de aparecer na linha de frente e inebria
o ex-presidente. Antigos parceiros atri-
buem a ela o novo guarda-roupa de
Lula, a exibição de acessórios caros,
como um relógio de luxo da marca suí-
ça Piaget, e os hotéis mais refinados em
que ele passou a se hospedar.

 
Os paralelos, claro, comparam histó-
rias diferentes. Marisa casou-se com
Lula em 1974, ainda antes de seu mari-
do presidir o Sindicato dos Metalúr-
gicos de São Bernardo do Campo, e
compartilhou com ele uma vida inteira
até chegar ao Palácio do Planalto. Janja
se casou com um homem que, para
apoiadores e opositores, já era dono de
uma biografia lendária e ex-presidente
por dois mandatos. Ainda assim, Janja
acabou por desempenhar um papel que
nunca existiu nas campanhas presiden-
ciais do PT – o da esposa alegre, que
cuida do marido e é a prova pública de
sua virilidade.

 
Janja não se intimida e faz questão
de delimitar seu espaço de primeira-
dama da campanha. Em junho, numa
passagem por Porto Alegre, os organiza-
dores da viagem reservaram um tempo
para uma sessão de fotos de Lula com
candidatos. A fila era longa e alguns
ainda entraram de gaiatos. Havia cami-
setas para ser autografadas, selfies sem
fim, gente que não o via há tempos e
queria colocar o papo em dia. Resulta-
do: o candidato, descabelado e rouco,
começou a dar sinais de exaustão. Já
passava da hora de almoço. Janja che-
gou no corredor e, na frente de todo
mundo, suspendeu a sessão toda.
No mesmo mês, em Natal, Lula visi-
tou uma feira de agricultura familiar
com a governadora do Rio Grande do
Norte, a petista Fátima Bezerra. A equi-
pe perdeu o controle do acesso a Lula,
que foi agarrado por todos os lados. Um
aliado percebeu que, depois da prisão,
cresceu a mitologia em torno de Lula.
Muita gente tem necessidade de tocá-
lo, quase arrancar um pedaço. Janja
ficou tão irritada com o assédio que
interrompeu a visita, contrariando con-
selheiros que veem no vínculo de Lula
com as pessoas seu ponto forte. Situa-
ções assim levaram quarenta profissio-
nais da campanha – da segurança, da
logística, do credenciamento, do ceri-
monial – a reduzir o acesso a Lula.

 
Em seus embates, Janja vem ganhan-
do a parada. Nos planos originais, ela
não teria participação nos programas do
horário eleitoral, mas fez sua estreia na
televisão e no rádio no começo de setem-
bro. Falou por trinta segundos, dirigin-
do-se ao eleitorado feminino. “Sabemos
das dificuldades que nós, mulheres, en-
frentamos atualmente. São milhões de
mulheres endividadas para poder levar
alimentos para suas famílias. São mães
que perderam suas casas e hoje dormem
com seus filhos nas ruas. Mudar essa re-
alidade é uma luta de todas nós”, disse.
Janja ficou empolgada com a gravação,
mas achou que o resultado não a favore-
ceu, segundo falou para a equipe.
Sua estreia veio poucos dias depois
de Michelle Bolsonaro gravar para o
programa do seu marido, numa tentati-
va de reduzir a rejeição de Bolsonaro no
eleitorado feminino. A primeira-dama
disse que o governo levou água para
mulheres no sertão nordestino, “um
presente para a mulher que merece e
deve ser o que ela quiser”. Era uma refe-
rência à transposição do Rio São Fran-
cisco, concluída por Bolsonaro, mas
iniciada ainda nos tempos do Império e
tocada por todos os governos recentes.

 
Janja ficou indignada com a apropria-
ção. Num comício de Lula em São
Luís, no Maranhão, já partiu para o
contra-ataque. “O lado de lá só sabe fa-
lar mentira. Eles são tão caras de pau
que têm coragem de ir para a televisão e
dizer que foram eles que levaram água
para as mulheres do sertão nordestino.”
No dia seguinte ao Sete de Setembro,
em que Bolsonaro sugeriu uma compa-

ração entre Michelle e Janja, chamando
a sua mulher de “princesa” e “mulher de
Deus”, a petista voltou a reagir. Antes
de cantar o jingle em um evento de
Lula em Nova Iguaçu, na Baixada Flu-
minense, mandou seu recado. “Eu que-
ria pedir para vocês acenderem a luz dos
seus celulares para ver se tem alguma
princesa por aí ou por aqui”, ironizou,
falando com a voz melosa. “Não tem”,
respondeu, subindo o tom. “Aqui só tem
mulher de luta. E são essas mulheres
que vão ganhar essa eleição!”

 
Janja atribui parte das críticas que
recebe ao machismo, e não é dos adver-
sários. É dos “companheiros do PT” mes-
mo. A essa reclamação, petistas reagem
dizendo que a forma como ela se im-
põe, muitas vezes ocorre à revelia das
orientações do partido. Veem nela um
desejo de se tornar uma voz influente,
que esbarra nas estratégias de campanha.
Mesmo entre as feministas, há quem
torça o nariz para o papel de Janja na
campanha – dela ou qualquer outra
mulher de candidato. Acham que pode
ressuscitar, dentro da própria esquerda,
o estereótipo da primeira-dama, aquela
mulher que existe apenas como apêndi-
ce do marido.

 
A figura da primeira-dama desidra-
tou-se no Brasil a partir do primeiro go-
verno de Fernando Henrique Cardoso,
quando a antropóloga Ruth Cardoso não
ocupou a função tradicional da assistên-
cia social e atuou no governo na condi-
ção de acadêmica com conhecimento
técnico, criando o programa Comunida-
de Solidária. A atuação decorativa e as-
sistencial, que retoma alguns dos velhos
preconceitos sobre o papel feminino na
sociedade, só voltou no governo de Mi-
chel Temer, com Marcela, e agora, no
governo Bolsonaro, com Michelle.
Gleisi Hoffmann, presidente do PT,
acha que boa parte das críticas vêm mes-
mo é do machismo – e do machismo
de petistas. Ela concorda com Janja.
Afirma que os comentários negativos,
em geral velados, refletem preconcei-
tos. “É querer que a mulher fique lá
sentadinha no canto, comportada. Não
condiz com o lugar que queremos para
a mulher na política. E não precisa ter
mandato, cargo. Janja tem dado muita
contribuição.”
Janja nasceu na pequena União da
Vitória, no interior paranaense. Mu-
dou-se para a capital do estado com
dez dias de vida. Em 1983, aos 17 anos,
na época em que o país se mobilizava
para a campanha das Diretas Já, fi-
liou-se ao PT e passou a frequentar os
comícios do partido. Um ano depois,
ingressou no curso de ciências sociais
da Universidade Federal do Paraná
(UFPR). Usava cabelo no estilo joãozi-
nho, gostava de Chico Buarque e Maria
Bethânia e militava no movimento es-
tudantil. “Tinha um aspecto de muito
menina, carinha de 15, 16 anos”, diz
Nelson Rosário de Souza, hoje profes-
sor titular do curso que ambos fizeram
três décadas atrás.

 
Como havia quatro Rosângelas nas
ciências sociais, seu apelido de família
ganhou força e se perpetuou. Frequen-
tava festas e confraternizações dos es-
tudantes, participava das reuniões do
centro acadêmico e costumava dar
suas opiniões com convicção. “A Janja
da faculdade é a Janja de hoje, só que
mais nova, muito alegre e franca”, lem-
bra Mazé Rossetti, amiga daqueles
tempos. Ela se lembra de uma viagem
que fizeram a Porto Alegre, em 1986,
para um congresso universitário. Aloja-
ram-se numa sala de aula da Universi-
dade Federal do Rio Grande do Sul,
puseram colchonetes no chão e uma
bandeira do PT na parede. Uma foto
dessa ocasião voltou a circular no gru-
po dos amigos agora com a fama da
antiga colega. Janja aparece com o cor-
te da moda, sorriso largo, brincos de
argola, camisa polo amarelo-gema, ja-
queta de camurça cotelê bege, minis-
saia rosa e meia-calça lilás. Os estudos
ficaram em segundo plano. Das doze
disciplinas do primeiro ano de curso,
passou apenas em duas: introdução à
economia e sociologia geral. No segun-
do e terceiro anos de faculdade, repetiu
o padrão. (Acabou interrompendo os
estudos, retomou e formou-se apenas
em 1991, quase prestes a ser jubilada.)

 
Naquela primeira metade dos anos
1980, os universitários viviam a efer-
vescência política diante da iminente
queda do regime militar. Os estudantes
militavam dentro e fora dos limites da
universidade. Imersa nesse ambiente,
Janja conheceu um estudante dez anos
mais velho, petista como ela, e igualmen-
te aguerrido. Marco Aurélio Monteiro
Pereira estava começando o mestrado
em história na UFPR e tinha três empre-
gos. Vivia uma fase puxada e cheia de
responsabilidades. “Estava exausto emo-
cional e psicologicamente, e a Janja é
uma menina muito jovial”, ele contou
à piauí em um telefonema. “Ela era ale-
gre, expansiva, agradável. ra impossí-
vel ficar triste perto dela.”

 
Os dois namoraram por cerca de
dois anos até que Pereira foi aprovado
num concurso para professor na Uni-
versidade Federal de Mato Grosso do
Sul, em Corumbá. Mantiveram o rela-
cionamento a distância durante um
ano, quando o historiador foi aprovado
para uma vaga na Universidade Esta-
dual de Ponta Grossa, cidade industrial
paranaense a 115 km de Curitiba. Janja
conseguiu um emprego como professo-
ra colaboradora de sociologia na mes-
ma universidade e foi morar com o
companheiro. O casal se instalou em
uma casa espaçosa de esquina, que se

tornou um ponto de encontro da turma
do PT na cidade. Com outros docentes,
organizaram um movimento chamado
Cidade Viva, que levava projetos de ex-
tensão universitária a regiões periféricas
de Ponta Grossa, como recorda o pro-
fessor Edson Silva, amigo do casal.
Pereira e Janja moraram juntos por
quase dois anos, ao lado de um filho dele
de outro relacionamento. Mas ela quis
voltar para Curitiba. “Ponta Grossa não
é uma cidade fácil de se viver, e a Janja
era uma menina mais cosmopolita.
Compreendi claramente a incompatibi-
lidade que havia. Tentamos por um tem-
po ir e voltar, mas acabou não dando
certo.” Pereira mergulhou na vida uni-
versitária. Além de lecionar história, es-
tudou música erudita com predileção
por composições medievais, renascentis-
tas e as experimentais nórdicas. Foi co-
mentarista político na antiga Rádio
Rock e na CBN locais. Fez um curso livre
de teologia e se tornou pastor da Igreja
Presbiteriana do Brasil. Em 2018, com a
eleição de Bolsonaro, decidiu se afastar
do pastorado. “Ficou inviável diante da
forma avassaladora com que as lideran-
ças da igreja foram cooptadas pelo proje-
to que está na Presidência da República
hoje”, diz. “Ter igreja que leva escultura
de revólver de 4 metros de comprimento
para a Marcha pra Jesus... O meu cristia-
nismo se assusta, sabe? Essas coisas de
exaltação de princípios que matam gen-
te não me fazem muito bem.”

 
Uma vez separados, Janja e Pereira
perderam contato. Faz dez anos que
não se falam, ele conta. No início de
2022, ele se desfiliou do PT e passou a
simpatizar com o Psol. Soube pela im-
prensa do relacionamento da ex-compa-
nheira com Lula. “Para mim foi bem
surpreendente, claro”, disse, rindo. “Eu
fico feliz por ela, e o Lula também me-
rece. A Janja foi um sopro de vida para
mim e creio que está sendo um sopro
de vida para ele também.”

 
Quando voltou para Curitiba, Janja
trabalhou na liderança do PT na Assem-
bleia Legislativa do Paraná. Em 2003,
no primeiro ano do governo Lula, foi
contratada como consultora na Itaipu
Binacional, onde fez carreira. Em 2005,
foi efetivada como funcionária e, em
quase duas décadas na Itaipu, trabalhou
em diversas funções, entre as quais a de
assistente do diretor-geral, o petista Jor-
ge Samek, e coordenadora de progra-
mas de desenvolvimento sustentável.
Nessa época, Janja conheceu Gleisi
Hoffmann, que foi diretora financeira
da usina entre 2003 e 2006.

 
Em 2012, Janja licenciou-se do traba-
lho e se mudou para o Rio de Janeiro,
onde atuou como assessora de comuni-
cação e relações institucionais da Eletro-
bras. Quatro anos depois, voltou para
Curitiba e reingressou nos quadros da
Itaipu. No final de 2019, já no governo de
Bolsonaro, Itaipu convocou os servidores
a morar em Foz do Iguaçu, onde fica a
sede da usina. Janja preferiu se aposentar.
Ela tem um irmão, mas não tem
contato com ele. Com o pai, José Clóvis
da Silva, que vive numa clínica em
Curitiba, encontra-se esporadicamente.
No sábado, 17 de setembro, Silva foi ao
comício de Lula na cidade. Janja e o
marido desceram no aeroporto e foram
direto para o ato, montado na Boca
Maldita, na região central. Encontra-
ram-se com o pai de Janja, que ficou
acomodado numa cadeira no fundo do
palco. Ele se locomove com dificulda-
de e permaneceu sentado, longe da vis-
ta do público. A filha mencionou sua
presença ao microfone. “Estou muito

feliz que meu pai está aqui com a gen-
te”, disse. Ao falar da mãe, a voz embar-
gou e lágrimas escorreram. “Mas estou
muito emocionada porque tem uma
pessoa que não está aqui comigo hoje
que infelizmente eu perdi para a Covid,
a minha mãe. Queria dedicar o que a
gente vai cantar aqui à minha mãe,
uma das quase 700 mil vítimas da Co-
vid, de quem irresponsavelmente o presi-
dente do Brasil não tomou conta. E cada
vez que vejo vídeo dele imitando uma
pessoa sufocada é como se a minha
mãe morresse mais uma vez.” E con-
cluiu: “Hoje eu vou cantar para a mi-
nha mãe. Mãe, te amo. Você está aqui
no meu coração para sempre.”
No final do ato, Janja e Lula foram
direto para o aeroporto.
Janja tem olhos castanhos, pesa cerca
de 65 kg e mede aproximadamente
1,65 metro, apenas um pouco menor
que Lula, que tem 1,68 metro. Costuma
usar salto baixo. É vaidosa e adepta de exer-
cícios físicos. Antes do começo da cam-
panha, fazia musculação quase todos os
dias e, de vez em quando, praticava es-
portes de aventura, como rapel. É zelosa
quanto à alimentação. Prefere produtos
orgânicos. As amigas consideram que é
uma mulher extrovertida, despachada
e bem-humorada. Entre conhecidos, é
solícita e doce. Com seus subordinados,
pode ser dura e arrogante. Quando faz
refeições nas instalações do PT, não é ra-
ro que reclame de alguma coisa com os
garçons. Entre desconhecidos, é reserva-
da. Quando lhe pisam nos calos, muda
o tom de voz, fala com rispidez e não
tem papas na língua – nem no mundo
real nem no mundo digital.

 
Fluente nas redes sociais, Janja tem
conta ativa no Twitter, Instagram e Tik-
Tok. No ambiente digital, sua desenvol-
tura tem sido cada vez maior. De início,
antes do começo oficial da campanha,
Nicole Briones, que cuidava das redes
sociais de Lula, barrava a presença de
Janja nas contas do ex-presidente sem
maiores cerimônias, por considerar que
ela poderia virar alvo do bolsonarismo e
prejudicar a campanha do petista. Em
novembro de 2021, Lula viajou à França
para encontrar-se com o presidente Em-
manuel Macron, no Palácio do Eliseu,
em Paris. Janja ficou incógnita por de-
terminação da assessoria. Mas não gos-
tou, confidenciou um deputado petista
a par da situação. Na volta, Briones foi
afastada da função. Em dezembro, Lula
foi a Buenos Aires visitar o presidente
argentino Alberto Fernández, e Janja
protagonizou os vídeos do encontro na
Casa Rosada. Procurada pela piauí, Brio-
nes não quis comentar sua saída.

 
Com a mudança, os perfis de Lula
passaram a compartilhar as publicações
de Janja, curti-las e mencioná-las com
frequência maior. Lula não manuseia
sozinho aparelhos de celular, não tem
WhatsApp nem frequenta redes sociais.
Janja, ao contrário, fala a língua da in-
ternet, usa os bordões, entra nas polêmi-
cas próprias das redes – o que deixa
alguns petistas de cabelo em pé. No iní-
cio de agosto, Michelle Bolsonaro divul-
gou imagens de Lula em um ritual de
religiões de matriz africana e escreveu:
“Isso pode, né! Eu falar de Deus, não.”
Os bolsonaristas vibraram em público,
mas houve adeptos do presidente que,
em privado, ficaram incomodados com
a demonstração descarada de intolerân-
cia religiosa da primeira-dama.

 
Janja não deixou passar. “Eu aprendi
que Deus é sinônimo de amor, compai-
xão e, sobretudo, de paz e de respeito.
Não importa qual a religião e qual o cre-
do”, escreveu no Twitter. “A minha vida e
a do meu marido sempre foram e sempre
serão pautadas por esses princípios.” Em
resposta, as redes bolsonaristas espalha-
ram imagens em que Janja aparece em
um altar de orixás, tendo escrito na legen-
da: “Saudade de vestir branco e girar, gi-
rar, girar...” O objetivo dos detratores era
provocar a repulsa do eleitorado evangéli-
co, parte do qual associa religiões de ma-
triz africana com “entidades satânicas”.
Janja dobrou a aposta. Abriu para todo
mundo seu perfil no Instagram, até então
acessível apenas a amigos autorizados.
Nele, havia imagens de rituais de can-
domblé e umbanda. Uma legenda dizia:
“Ontem foi dia de bater cabeça para mi-
nha mãe Iansã!! Eparrei oyá!”

 
Foi uma resposta à altura, própria de
quem de fato defende a liberdade reli-
giosa, mas alguns petistas acharam que
Janja caiu numa provocação que não
interessava à campanha. Do ponto de
vista religioso, Janja não é diferente de mi-
lhões de brasileiros que passam no ter-
reiro para consultar os búzios, aparecem
numa sessão espírita e, no domingo,
rezam na missa. Ela posta imagens de
orixás, fala de Deus, casou-se na Igreja
Católica e, quando sua mãe morreu, man-
dou rezar uma missa de sétimo dia.
Na campanha de Lula, a petista pas-
sou a trabalhar com temas como diver-
sidade, feminismo, direito dos animais
e sustentabilidade. São assuntos que
interessam à socióloga. Com a campa-
nha pegando tração, ela passou a falar
mais de segurança alimentar e fome.
Participou de um evento de Lula sobre
o tema. Em abril, na Brasilândia, na
periferia de São Paulo, fez uma fala bre-
ve. “A gente sabe que a cara da fome do
Brasil é a cara das mulheres, as mulhe-
res que estão na linha de frente sofrendo
junto com a família buscando alimen-
tação para seus filhos.”

 
Janja também é uma incentivadora da
aproximação da campanha com a cena
cultural. É fruto de articulação sua a rea-
lização de reuniões do candidato com
artistas em todos os estados visitados na
pré-campanha. Mas não apenas. A joga-
da com maior visibilidade foi o apoio que
a cantora Anitta declarou ao petista, em
julho. Com 118 milhões de seguidores
nas redes sociais, a funkeira carioca é
apontada como um cabo eleitoral de
peso, sobretudo entre os mais jovens. Jan-
ja ajudou a aproximá-la de Lula

nitta é próxima da empresária Pau-
la Lavigne. As duas debatem política
com frequência e se identificam na re-
jeição a Bolsonaro. Depois de diversas
conversas, Lavigne sugeriu que Anitta
telefonasse para Janja. A cantora ligou e
Janja colocou Lula no viva-voz. Segun-
do interlocutores dela, o primeiro papo
entre o ex-presidente e a cantora não
fluiu muito bem. Anitta, rápida e dire-
ta, disse que nunca tinha votado no
petista e agora pretendia declarar ao
público que preferia Lula a Bolsonaro,
mas isso não significava apoio indiscri-
minado a seu partido. Lula tomou um
susto com o rumo cortante da conversa.
Além de Janja, Lavigne também ajudou
a rearranjar as coisas, e uma nova con-
versa foi marcada, quando então se selou
o apoio. “Sou Lulalá primeiro turno.
E lutarei por uma novidade na política
presidencial brasileira nas próximas elei-
ções”, anunciou Anitta.

 
Foi um gol de Janja. Mas nem todo
o entorno de Lula comemorou. Alguns
petistas ponderaram que esse tipo de
movimento poderia não ajudar a con-
quistar o eleitor religioso e conserva-
dor. Uma pesquisa Quaest/Genial, logo
depois do anúncio de Anitta, pergun-
tou aos eleitores se o apoio da cantora
ajudava no voto em Lula. Para 68%,
não fazia diferença. Para 19%, diminu-
íam as chances. Para 12%, aumenta-
vam. Mas Anitta ganhou 300 mil novos
seguidores assim que anunciou apoio
ao petista.

 
A desenvoltura de Janja na campa-
nha já rendeu debates internos sobre
seu papel em um eventual terceiro
mandato de Lula. No dia 5 de setem-
bro, durante um encontro com assisten-
tes sociais, o ex-presidente falou sobre o
assunto. Sem citar Michelle Bolsonaro,
descartou que sua mulher viesse a ocu-
par função similar à da atual. “A Janja
sabe que não tem essa de primeira-da-
ma ficar cuidando da assistência so-
cial. Quem vai cuidar de assistência
social é alguém especialista em assis-
tência social”, declarou. A socióloga, no
palco, assentiu com a cabeça e ergueu
o braço direito com a mão fechada, um
gesto simbolizando luta.
Domingo, 3 de julho, o almoço es-
tava servido. Quibe cru, quibe
frito, coalhada, esfiha – cardápio
árabe clássico, preparado pelo dono de
um restaurante libanês em São Paulo,
que é também aluno da professora e ex-
primeira-dama de São Paulo, Lúcia
França (PSB). Ela e o marido, o ex-go-
vernador Márcio França (PSB), rece-
biam para almoçar outros três casais:
Lula, Alckmin e o ex-prefeito Fernando
Haddad, com as respectivas mulheres.
Estavam sentados em uma mesa redon-
da. Márcio França formalizou sua de-
sistência de disputar o governo de São
Paulo, em favor de Haddad. Sairia can-
didato a senador na chapa. O ex-gover-
nador passou a palavra para Lula, mas
Lúcia França o interrompeu.

 
“Vocês estão na minha casa, então
eu vou falar”, disse. Lembrou que em
meados da década de 1990, na disputa
de uma eleição em São Vicente, cidade
natal e berço eleitoral do seu marido, o
prefeito petista descumpriu o acordo de
apoiar França e lançou um candidato
do PT à prefeitura. Anos depois, petis-
tas impediram que França, candidato a
deputado numa coligação com o PT,
subisse no carro de som durante um
comício em Santos. Diante desses epi-
sódios do passado, Lúcia queria saber
como poderia confiar no PT que, ago-
ra, prometia apoiar a candidatura de
seu marido ao Senado.

 
“Já que você falou, também vou fa-
lar”, respondeu Janja. “De mulher para
mulher.” E garantiu que o acordo seria,
sim, cumprido. Ana Estela, mulher de
Haddad, também decidiu falar sobre a
lealdade e a força das mulheres e men-
cionou a origem comum: ela e Lúcia
França, por uma enorme coincidência,
pertencem a famílias que vieram de um
mesmo vilarejo no interior do Líbano.
Sempre muito discreta, Maria Lúcia
Alckmin, a Lu, resolveu entrar na con-
versa. Disse que estava “duplamente
feliz”. Porque receberia a visita de sua
neta e porque o acordo entre França e
o PT acabara de ser alcançado. O anfi-
trião aproveitou a deixa e disse que to-
dos os homens ali presentes ficariam
felizes quando todas elas fossem candi-
datas sem a necessidade de preencher
cotas nos partidos.

 
Às vésperas da eleição, as expectati-
vas não haviam sido frustradas. O PT man-
teve o apoio à candidatura de Márcio
França ao Senado, conforme promete-
ra, e Lúcia França tornou-se candidata
a vice-governadora na chapa de Fernan-
do Haddad. Quando se bateu o martelo
sobre a formação da chapa, Janja man-
dou uma mensagem parabenizando
a candidata.

 
As duas se reencontraram na con-
venção do PSB, no final de julho. A mu-
lher de Lula não gostou da posição dos
refletores no palco, colocados atrás de
onde o marido discursaria. Acionou Lú-
cia França, que recorreu aos técnicos,
que, por sua vez, conseguiram fazer a
mudança de última hora, num evento
para 3 mil pessoas. “Cada um que segu-
re a sua Juma”, brincou Márcio França,
sobre a sua mulher e a de Lula. Referia-
se a Juma Marruá, personagem da nove-
la Pantanal, da Globo, que se transforma
em onça. Gilberto Carvalho, ex-minis-
tro de Lula e seu assessor de campanha,
também recorre a uma metáfora feli-
na para descrever a mulher do petista:
“Janja é uma leoa. Defende Lula e faz
um bem notável a ele.” J

PIAUI