November 2, 2008

Pichadores x Grafiteiros

Pichadores agora destroem marcos do grafite em São Paulo

Eles dizem protestar contra "caráter comercial" dos grafiteiros, para quem iniciativa é obra de uma minoria jovem e ressentida

Foram danificados painéis da imigração japonesa na avenida Paulista, em beco na Vila Madalena e no centro da cidade

Choque - 23.out.08/Folha Imagem



LAURA CAPRIGLIONE
DA REPORTAGEM LOCAL
ADRIANO CHOQUE
REPÓRTER-FOTOGRÁFICO

O "pixo" paulistano, famoso pela tipografia pontuda, de difícil decifração, declarou guerra aos grafiteiros e destruiu no último fim de semana três dos mais importantes marcos do grafite da cidade: o imenso painel em homenagem à imigração japonesa, no "buraco" da avenida Paulista; um beco da Vila Madalena; e um painel do Sesc, na rua 24 de maio, centro.
"Viva a Pixação", o símbolo do anarquismo e referências ao filósofo alemão Friedrich Nietzsche, como "Demasiado Humano" e "Além do Bem e do Mal", foram escritos sobre os trabalhos dos grafiteiros.

"Quisemos protestar contra o caráter comercial e capitalista que tomou conta do grafite", disse um membro do grupo à Folha. Ele também esteve no ataque ao andar vazio da Bienal, domingo, quando cerca de 40 jovens picharam paredes e vidros e trocaram socos e pontapés com seguranças no prédio que foi projetado por Oscar Niemeyer e é tombado pelo patrimônio histórico.

"Atropelo"
Os ataques romperam o acordo que sempre existiu entre pichadores e grafiteiros: o de que um não "atropela" o outro, e vice-versa. "Atropelar", neste caso, significa pintar por cima. "O "pixo" é anarquia, é contestação, é confronto. Estamos em busca do confronto artístico, em contraposição ao conforto da arte decorativa e das galerias", defendeu um.

"Para mim, isso é ressentimento mal resolvido. Coisa de pessoas ignorantes que acabam privando a população pobre do acesso à arte de rua, que está lá, exposta gratuitamente", respondeu um dos mais prestigiados grafiteiros nacionais, que se identifica como "Nunca", 25.
A briga foi ensaiada. No dia 6 de setembro, um grupo de pichadores atacou a Galeria Choque Cultural, uma dentre meia dúzia na cidade de São Paulo que se especializou em trabalhos de grafiteiros.

"O grafite virou mainstream total. É arte domesticada, feita para decorar ambientes que querem se passar por modernos", disse um pichador.

Para ele, os muros de bairros como a Vila Madalena (zona oeste) tornaram-se um show-room a céu aberto das galerias. "Eles grafitam nos muros e os playboys vão às galerias arrematar os trabalhos para levar pras suas casas ou escritórios."

Segundo "Nunca", a ação do último fim de semana é obra de uma minoria, gente muito jovem, que desconhece a história comum de pichadores e grafiteiros. "Eu mesmo comecei como pichador, lá em Itaquera [bairro da zona leste], há 12 ou 13 anos. Sempre houve respeito entre pichadores e grafiteiros. A ignorância é que atrapalha."

Latinhas holandesas

"Nunca" é autor de uma série de grafites sobre índios. Expôs na galeria londrina Tate Modern, com a dupla estrelada da "street art" nacional: Os Gêmeos (nome artístico dos irmãos Otavio e Gustavo Pandolfo, também de São Paulo).

"Nunca" tem trabalhos espalhados por toda a cidade. Vive disso. Saiu de Itaquera e hoje mora no Cambuci (centro). "Mas já pintei muito portão de aço, já fiz muita coisa decorativa", diz.
Este é um problema. "A pichação perdeu seu espaço, porque todo dono de muro ou portão, para evitar o "pixo", acabou contratando um grafiteiro, certo de que assim evitaria nossa ação. E eles se venderam."

Dados da Prefeitura de São Paulo calculam em 5.000 o número de pichadores da cidade, a maioria dos quais vive na periferia. Quem passa pelas imediações da galeria Olido, no centro, pode vê-los trocando "autógrafos" escritos no estilo próprio em papel A4, que são arquivados em pastas.

O preço da pichação já distingue o pichador do grafiteiro. Se os primeiros compram sprays vencidos em lojas de tintas, sempre nacionais, os grandes grafiteiros só trabalham com latinhas importadas. As melhores são da marca Montana, espanholas ou holandesas, de R$ 13 a R$ 20 a unidade. Há trabalhos que usam algumas centenas de latinhas.



"O grafite formou uma panela", afirma pichador

DA REPORTAGEM LOCAL

O pichador F. participou do ataque à Faculdade de Belas Artes, à Bienal e aos painéis dos grafiteiros. Ele defendeu que o chamado "grafite bomb", o ilegal, seja preservado. Abaixo, trechos da entrevista:

"O pichador é marginal. O problema é que o grafite formou uma panela e excluiu todos os demais. O sucesso, inclusive internacional, que o pessoal do grafite obteve subiu à cabeça deles."
"É necessário distinguir arte de decoração. O nosso ataque ao grafite vendido, conformado e comercial não tem nada de pessoal. Estamos apenas reafirmando aquilo que estava na origem mesmo da pichação, ainda nos anos 60: O "pixo" é anarquia e resistência contra todas as formas de poder que encontrar pela frente."

"Nós não temos nada contra o grafite como forma de expressão artística. Por isso, você nunca verá um dos nossos atacando o grafite ilegal, que é o grafite que mantém o espírito marginal."
"Mas isso é completamente diferente dos grafites pintados sob patrocínio da prefeitura ou de empresas. Quem quiser a arte imutável e inatingível, que vá ao museu. O "pixo" reflete a perversidade da metrópole e é perverso com ela." (LC e AC)




"Ataque é coisa de gente ressentida", diz grafiteiro

DA REPORTAGEM LOCAL

"Nunca" atribuiu ao ressentimento os ataques a suas obras, neste fim de semana. Abaixo, trechos da entrevista:

"Foi uma atitude impensada, a desses caras [os pichadores]. Coisa de ignorante. Quando eu comecei a fazer grafite, ainda morava em Itaquera. Eu nunca fiz faculdade. Só estudei em escola pública. Mas não sou ignorante e acho que só é ignorante quem quer. Tem informação à vontade, tem a internet."

"É um absurdo que, em um país com tão poucas oportunidades de acesso à arte, esses caras tenham destruído a possibilidade de um garoto da periferia ver um painel artístico. Eles estão prejudicando a quem? Certamente não é a quem pode comprar arte, viajar e freqüentar museus."

"Isso não é coisa do movimento [dos pichadores] como um todo. É claro que sempre teve pichador que não gosta de grafiteiro, e vice-versa. Mas eu não sou assim. Eu sempre respeitei a pichação até porque comecei como pichador em Itaquera. Depois, fiz trabalho decorativo de portas de aço. Até que cheguei aqui. Foi um longo percurso, sempre dentro do respeito." (LC e AC)




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Sandro Lobo e sua barba em carreira solo (ou duo)

Editora investe em HQs brasileiras

A nova Barba Negra, comandada por ex-profissionais da Desiderata, estréia com autores como Allan Sieber e Rafael Sica

Donos Odyr Bernardi e Sandro Lobo investem na expansão do mercado e dizem que quadrinhos "têm de ser tratados como qualquer livro"

MARCO AURÉLIO CANÔNICO
DA REPORTAGEM LOCAL

"As editoras estão percebendo que o mercado brasileiro de HQs está crescendo, mas não sabem o que fazer com ele." A análise é de uma figura abalizada, Odyr Bernardi, ex-diretor de arte da Desiderata.

Confiante em sua capacidade de explorar esse crescimento ao lado de Sandro Lobo, seu parceiro nas HQs da Desiderata (em que lançaram álbuns como "Irmãos Grimm em Quadrinhos"), ele montou sua própria editora, a Barba Negra.

Ainda em seus primeiros passos, a editora já definiu seus álbuns de estréia, que saem ainda este ano: "Era Quase Tudo Verdade" reúne histórias de Allan Sieber (cartunista da Folha) publicadas em revistas como a "Sexy" e a "Trip".

Desenho de Rafael Sica em 'Ordinário', uma das HQs que marcam a estréia da Barba Negra
Desenho de Rafael Sica em 'Ordinário', uma
das HQs que marcam a estréia da Barba Negra


Já "Ordinário", de Rafael Sica (que desenhava para o Folhateen), coleta as tiras que o gaúcho publica em seu blog, rafaelsica.zip.net.

"O Allan [Sieber] é um autor com quem a gente já vinha trabalhando, já editamos dois livros dele. E o Sica é o desenhista de quadrinhos que faz as tiras mais geniais do momento, tem um trabalho pessoal muito interessante", diz Lobo.

Tendo os contatos de gráficas e distribuidoras, ele e Odyr investiram dinheiro próprio para lançar o negócio, mas estão "negociando uma parceria com uma grande editora".

"Editar quadrinhos não era uma coisa profissional, era um mercado muito renegado. Mas hoje em dia é tratado com profissionalismo, as editoras perceberam o valor das HQs, que elas têm de ser tratadas como qualquer livro", diz Lobo.


(Folha Ilustrada, 27/10/2008)


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No Governo Lula o buraco não é mais embaixo


Projeto ameaça 70% das grutas do país
Decreto em estudo pelo governo federal permite que cavernas sofram "impactos irreversíveis" por atividades econômicas

Proposta foi elaborada após dois anos de pressão dos setores mineral e elétrico, que vêem nas cavernas obstáculos a sua expansão.






MATHEUS PICHONELLI
THIAGO REIS

DA AGÊNCIA FOLHA Cerca de 70% das cavernas do Brasil correm o risco de destruição. Hoje, as 7.300 já identificadas são protegidas por um decreto assinado em 1990. Nos próximos dias, o governo federal deve alterar a norma, após dois anos de pressão de empresas, sobretudo mineradoras e hidrelétricas, que vêem nas grutas um empecilho à expansão de seus empreendimentos.

A minuta, enviada na semana passada para a Casa Civil, autoriza, na prática, que cavernas que não sejam de "máxima prioridade" sofram "impactos negativos irreversíveis".
Isso significa que cavernas que estejam em outros três novos critérios poderão ser alteradas. Grutas com "alta relevância", por exemplo, poderão ser destruídas desde que o empreendedor se comprometa a preservar duas similares.

Para formações com "média relevância", o projeto prevê a destruição desde que o responsável pela obra financie ações que contribuam para a "conservação e o uso adequado do patrimônio espeleológico brasileiro" -sem especificar quais.

Já cavernas com "baixo grau de relevância" poderão ser impactadas sem contrapartidas.
O Ministério do Meio Ambiente terá 60 dias para elaborar os critérios de relevância a partir da aprovação.

O Ibram (Instituto Brasileiro de Mineração) diz que o novo decreto trará avanços. "Essa indefinição, que dura anos, afastou investimentos estrangeiros do país", afirma o presidente do instituto, Paulo Camillo.

"Há cavernas belíssimas que, claro, precisam ser preservadas. Mas é preciso criar um sistema para valorar o grau de importância dessas cavernas, porque muitas são inúteis", diz Rinaldo Mancin, diretor de assuntos ambientais do Ibram.

Segundo o Cecav (Centro Nacional de Estudo, Proteção e Manejo de Cavernas), do Instituto Chico Mendes, a maior parte das cavernas mapeadas no Brasil foi descoberta na última década. O Cecav e a SBE (Sociedade Brasileira de Espeleologia) estimam que 70% das cavernas possam ser destruídas com a nova lei.

Somente na região de Carajás, no Pará, onde atua a Vale, pesquisadores patrocinados pela própria companhia descobriram mais de mil cavernas que, segundo a empresa, impedem a exploração mineral.

A instalação de uma hidrelétrica pelo grupo Votorantim no vale do Tijuco Alto, em São Paulo, também enfrenta restrições devido a duas grutas localizadas na área a ser alagada, 450 dolinas (depressões em terrenos calcários) e outras 52 grutas e abismos na área de influência direta do projeto.

Para o secretário-executivo da SBE, Marcelo Rasteiro, o projeto, como foi apresentado, é "nefasto". Ele diz que a importância das cavernas não pode ser medida facilmente.

Livro para o passado

"Essas cavernas guardam registros do passado, trazem informações nos campos paleontológico, arqueológico, biológico e geológico. Cada uma é como um livro. A partir de alguns estudos, por exemplo, foi possível descobrir se chovia mais ou menos na região em determinado período. Isso é uma chave para entender questões como o aquecimento global."

Rasteiro diz ainda que a análise sobre a importância de cavernas deverá ser feita por consultores ambientais pagos pelas empresas, o que pode gerar pressão para laudos favoráveis ao interesse econômico.

"Não há nenhum indício de que as cavernas estejam atrapalhando qualquer setor da economia brasileira. O setor mineral tem aumentado sua produção a cada ano."

Segundo Rita de Cássia Surrage, do Cecav, o órgão participou dos estudos com os ministérios do Meio Ambiente e Minas e Energia nos últimos dois anos, mas suas sugestões foram ignoradas no projeto final.

"Eles querem algo fácil de fazer. Dizem que nossas sugestões eram complexas. Mas não dá para entrar em uma caverna, sair e avaliar na hora. Estudos são necessários. Vai acabar na mão dos Estados a decisão de definir quais vão poder ser impactadas, sem critério algum."

Licenciamento

A Votorantim diz que na construção da hidrelétrica no interior de SP as grutas que serão submersas são "pequenas e pouco expressivas".

Já a Vale afirma que não revela seu estudo sobre cavernas em razão de "questões estratégicas" e nem comenta a possibilidade de destruição.

Segundo o Ministério do Meio Ambiente, o que importa é que as cavernas realmente importantes sejam "conservadas e valorizadas". "Tudo está sendo discutido. Essa nova norma não significa que tudo será destruído", diz a secretária de Biodiversidades e Florestas, Maria Cecília Wey de Brito.


(Folha de São Paulo, 25 de outubro de 2008)
foto de Moacyr Lopes Junior



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