November 29, 2009

Sem policiamento, Pantanal "exporta" armas para o Rio

Falta de fiscalização na região da fronteira faz de Corumbá um entreposto de armas ilegais que abastecem traficantes

Folha atravessou a fronteira com a Bolívia de carro pelo menos 20 vezes sem ser abordada por policiais federais ou pela alfândega

SERGIO TORRES
JOEL SILVA
ENVIADOS ESPECIAIS A PUERTO SUÁREZ (BOLÍVIA) E CORUMBÁ (MS)


Não existe policiamento na fronteira Brasil-Bolívia na região de Corumbá (MS), cidade no Pantanal sul considerada pela Secretaria de Segurança do Rio a porta de entrada de parte dos armamentos em poder do tráfico em favelas.

No posto oficial da fronteira entre os dois países só há um destacamento da Receita Federal. A Polícia Militar de Mato Grosso do Sul mantém um homem de plantão para proteger os técnicos alfandegários. Não cabe a ele abordar suspeitos. Nem a ninguém. Não há policiais federais no posto.

A fronteira pode ser atravessada de carro e a pé. São cerca de mil veículos por dia e um número impreciso de pedestres. Não é preciso mostrar passaporte ou outro documento. Ninguém pergunta para onde você vai ou o que carrega no carro ou caminhão.

Segundo a Polícia Civil fluminense, metralhadoras ponto 30 e fuzis, que podem ter derrubado um helicóptero no Rio em outubro, entram por Corumbá. Desde 2007, 40 metralhadoras do tipo já foram achadas com traficantes; quatro com o brasão da Bolívia.

Durante oito dias a Folha cruzou a fronteira ao menos 20 vezes de carro. Só viu fiscalização no último dia 10, quando o Exército fiscalizou as fronteiras com Bolívia e Paraguai.

Naquele dia, apreenderam 50 kg de bananas, com um boliviano. Nem armas nem drogas. Liberadas à tarde, as bananas voltaram à Bolívia.

Na Bolívia, há um posto da Polícia Fronteiriça e a alfândega. Mas é como não existissem. Veículos e pessoas transitam livremente. Ninguém vigia, aborda, demonstra interesse em policiar a ponte de 10 metros sobre o arroio Conceição.

De um lado do córrego é Brasil; do outro, Bolívia. Se quiser evitar a ponte, basta seguir pelas "cabriteiras", trilhas ao lado da Receita, sem fiscalização.

Apesar da facilidade, quem prefere não se arriscar opta por estradinhas, atalhos, rios, o espaço aéreo e a imensidão do Pantanal. Nada é policiado.

A PF em Corumbá tem 40 policiais, dos quais 18 novatos, de outros Estados. Pouco sabem sobre a região, fala o delegado-chefe Mario Nomoto. Ele diz que para uma ação mais eficiente, precisaria, no mínimo, do dobro do efetivo.

Na estatística da delegacia consta neste ano a apreensão de só um fuzil, argentino. Não por agentes federais, mas por PMs que suspeitaram de um homem numa "cabriteira". Essa ação decorreu da sorte, não de planejamento

Planejamento que não passa pela ocupação da fronteira com pessoal e equipamentos, disse o diretor de Combate ao Crime Organizado do Departamento de PF, Roberto Troncon Filho.
O que a PF tem feito, diz, é acordos de cooperação com Paraguai e Bolívia. Fará com o Peru. Com o Paraguai está funcionando, segundo ele. Com a Bolívia, ainda não. Daí a fronteira em Corumbá servir para a entrada de armas.

Embora haja múltiplas opções de ingresso, só há uma estrada pavimentada para escoar a carga do tráfico. Armas e drogas entram por terra, ar e água, mas para chegar ao Sudeste o caminho é único: a BR-262.

Nela, que sai de Corumbá, há um prédio em bom estado da Policia Rodoviária Federal. Por falta de pessoal, permanece fechado. A PRF de Mato Grosso do Sul diz ter 400 profissionais, o que representa um terço do efetivo ideal para a corporação, de 1.200. Essa a razão de o posto não funcionar.

 Folha, 22 de novembro de 2009


 
 

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