Pedrinho, que pendurou as chuteiras anteontem, foi vítima da cultura da truculência e da estupidez |
UMA SEMANA depois de o argentino Juan Pablo Sorín anunciar sua aposentadoria, desligando-se do Cruzeiro, agora quem pendura as chuteiras é Pedrinho, ex-Vasco, ex-Palmeiras e ex- -uma porção de times do Brasil e da Arábia. Sorín tem 33 anos. Pedrinho acaba de fazer 32.
Ao anunciar a rescisão de seu contrato com o Figueirense e a decisão de abandonar os gramados, Pedrinho tinha o ar de um pugilista que, depois de muito apanhar, joga finalmente a toalha.
Segundo o agora ex- -jogador, acabou a paciência dele próprio e das pessoas à sua volta com suas sucessivas contusões, que há anos o impediam de exercer com eficácia o seu ofício.
Dono de um enorme talento, Pedrinho conviveu durante a maior parte da carreira com o estigma mais terrível que pode pesar sobre um futebolista profissional, o de "bichado". Os torcedores dos clubes pelos quais atuou alternavam um carinho quase paternal por ele com momentos de desconfiança, quando não de irritação. Já os adversários só vinham com ironia e crueldade.
O fato é que ninguém nasce "bichado". O calvário de Pedrinho teve início numa data precisa. Em 6 de setembro de 1998, num jogo pelo Vasco, dois dias antes de se apresentar à seleção, uma entrada violentíssima de um certo Jean Elias, do Cruzeiro, rompeu o ligamento cruzado anterior de seu joelho direito.
Aos 21 anos, Pedrinho vivia seu melhor momento. Tinha sido decisivo para a conquista da Libertadores daquele ano pelo Vasco. Jogaria pela primeira vez na seleção. Um único pontapé fez sua biografia tomar outro rumo, como um trem que descarrila. Nunca mais retornaria aos trilhos certos. A vida que poderia ter sido estava perdida para sempre.
Num de seus vários retornos, depois de uma cirurgia e da penosa recuperação subsequente, viveu uma cena que julgo emblemática.
Era a final da Taça Guanabara de 2000. Pedrinho, que tinha feito o último gol na goleada de 5 a 1 do Vasco sobre o Flamengo, recebeu uma bola junto à lateral do campo e a conduziu pelo alto em direção à área adversária. Uma "embaixadinha" em movimento, em suma.
O gesto, que expressava sua alegria por voltar a jogar e a vencer, despertou a ira rubro-negra. O zagueiro Juan deu-lhe um carrinho criminoso, vários flamenguistas avançaram contra ele, o tempo fechou.
À beira do campo, o então técnico do Vasco, Abel Braga, apressou-se em dizer ao treinador adversário que apoiava a agressão flamenguista a Pedrinho, pois este tinha ferido a assim chamada "ética" dos boleiros, que proíbe a "provocação". Na TV, locutores e comentaristas engrossaram o coro de censura a Pedrinho. Só faltou gritarem: "Lincha".
Naquele momento ficou claro, para mim (e certamente para Pedrinho), que vivemos sob o império da truculência e da estupidez. "Neste país é proibido sonhar", escrevera Drummond seis décadas antes.
Em outubro de 2002, em outro de seus renascimentos para o futebol, Pedrinho, então no Palmeiras, foi pego no antidoping, por conta do antidepressivo que tomava.
Esclareceu-se depois que o remédio era ingerido com a anuência da CBF. Pedrinho, afinal, tinha motivos de sobra para se deprimir.
Folha, 8 de agosto de 2009
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