Federação de Remo tira jovens de uma ONG de Campos do pódio por causa de diferenças nos uniformes
Aloisio Balbi e Ary Cunha
CAMPOS e RIO. A aventura dos remadores David Motta Chagas, de 14 anos, e Guilherme Braga, de 15, começara na última quarta-feira, quando eles deixaram Campos dos Goytacazes cedo, sob chuva torrencial, para cinco horas de viagem apertados com outros dois jovens no banco traseiro de um sedã. Junto com o cabo do Corpo de Bombeiros e técnico do Rema Campos, Dimisson Nogueira, hospedaram-se de favor na sede náutica do Vasco, dormiram em colchonetes e jantaram sanduíche de mortadela por quatro dias. Na manhã de domingo passado, com um barco emprestado pelo Clube Piraquê, as jovens promessas da ONG sem fins lucrativos que a duras penas mantém viva a tradição secular do remo no leito do Rio Paraíba, deixaram o favoritíssimo barco do Flamengo para trás e garantiram, dentro d’água, o terceiro lugar e o direito à medalha de bronze na final do double skiff infantil da sétima regata do Campeonato Estadual, na Lagoa Rodrigo de Freitas.
Entretanto, o que deveria ser apenas mais um episódio de superação, nas raias que abrigarão as competições dos Jogos de 2016, terminou em lágrimas e revolta, até mesmo entre torcedores de outros clubes.
Jovens promessas de um esporte há décadas carente de novos ídolos, David e Guilherme já estavam no pódio para a premiação, quando foram informados de que estavam desclassificados, sob a justificativa de que vestiam malhas de cores diferentes, o que, segundo os árbitros, fere o Código de Regatas da Federação de Remo do Rio (FRERJ). O item X do artigo 137 diz que será excluída “a guarnição que se apresente para participar da prova ou premiação, com atletas que não estejam devidamente uniformizados”.
— Se havia infração, como deixaram que os meninos competissem? Foi uma humilhação para eles. Já estavam contentes, com a bandeirinha do nosso clube, à espera da medalha, junto com os atletas de Vasco e Botafogo (primeiro e segundo lugares na prova, respectivamente), quando souberam que estavam eliminados e saíram chorando — indaga Dimisson, que foi remador e é pai de David. — Em 20 anos de remo, nunca vi torcedores de diferentes clubes gritando “Campos” juntos, tamanha era a revolta com a decisão. Disse a eles que aquele reconhecimento do público que assistiu à conquista deles na raia era muito maior do que qualquer medalha.
Sem recursos para investir em material esportivo para vestir as 260 crianças e adolescentes de seu projeto social, o Rema Campos normalmente compete com malhas antigas e mais recentes misturadas, todas no tom azul, amarelo e branco do clube.
Foi assim durante cinco das sete regatas do Estadual, garante Dimisson, sem que nenhum integrante da equipe sequer tivesse sido advertidos pela FRERJ. Na regata de domingo, David e Guilherme foram acompanhados por nada menos do que quatro árbitros, divididos em duas lanchas, e nenhum deles apontou a infração antes da largada. O mais grave é que a dupla já havia sido premiada na quinta regata. Segundo David, eles receberam a prata com as mesmas malhas que provocaram a desclassificação no domingo passado.
— Só temos aquele uniforme e foi o que usamos da outra vez. As meninas do nosso clube também competem assim e nunca implicaram. Os árbitros viram desde a saída e até filmaram a prova. Mandaram a gente descer do pódio. Passei uma vergonha enorme — afirmou David.
Remadora master do Vasco, Silvia Pontes assistiu à cena e, revoltada com a decisão, chegou a protestar com os árbitros e até com a diretoria da FRERJ. De nada adiantou.
— A árbitra disse que era a regra, que eles deveriam estar com o mesmo uniforme. Mas, então, por que deixaram os meninos largarem? Fui ao presidente Zelesco (Alessandro Zelesco) e ele alegou que não tinha estrutura para fiscalizar todas as partidas.
Ora, que não fossem tão rigorosos com o estatuto. Que exemplo eles querem dar para as crianças pensando na Rio-2016? — indagou.
Procurado pelo GLOBO, o presidente da FRERJ, Alessandro Zelesco, não retornou as ligações ontem.
O Globo, 13 de outubro de 2009
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