Tulio Brandão
Para os menores infratores do Instituto João Luiz Alves, na Ilha do Governador, o melhor da vida é a ficção.
Pelas retinas de cada um deles, escorrem lembranças de violência, colapso familiar, perdas. Para mudar as imagens dessa sala escura, eles ganharam de presente a oportunidade de fazer um filme. Decidiram, claro, não escrever sobre seus dramas reais, mas contar a história do mundo em que eles gostariam de viver. “Sonho de futebol” — que está sendo dirigido por Zelito Viana, Cris D’Amato e Cininha de Paula — narra as dificuldades de jogadores de um time de terceira divisão do Rio.
O filme — resultado do Projeto Oficinas Culturais Cine Degase, patrocinado pela Oi — tem cenas sendo rodadas neste momento no próprio Instituto João Luiz Alves. A Justiça só autorizou a participação dos menores no projeto com a condição de que eles aparecessem maquiados ou ganhassem uma caracterização de personagem.
A adaptação foi feita a partir de sugestões dos próprios garotos pelo maquiador Vavá Torres. José Renato Monteiro, um dos coordenadores da oficina, espantou-se com a reação de garotos que normalmente têm cara de mau ao ficar diante das câmeras: — A primeira pergunta é: “eu estou bem”? Alguns falam em continuar no ofício de ator, quando ficarem livres.
Um abismo separa os dois mundos.
X, de 16 anos, oscilava entre o sonho do galã e a dura realidade que o aguarda fora dos muros do instituto.
— Não tenho ilusão. No crime uma hora a casa cai: você morre, fica aleijado ou vai preso. Por isso vou mudar, mas antes tenho que resolver umas paradas sérias lá fora — diz ele. — Depois, vou procurar as pessoas para fazer um curso. Tudo o que eu quero, consigo.
Para a psicanalista Leila Ripoll, que apoia o grupo durante o projeto, eles têm pressa: — Nas filmagens, há uma intolerância muito grande à espera. Eles querem jogar bola, mas são obrigados a parar o tempo todo para filmar. Dizem que, assim, com interrupções, não tem graça. A questão do tempo, para eles, é muito complexa. Mas, ao mesmo tempo, gostam da experiência do cinema.
Um deles me disse que a filmagem é o único momento da vida em que ele não sofre.
A falta de paciência contrasta com o esforço dos menores em chegar preparados às filmagens. A diretora Cris D’Amato, que dirigia as cenas do campo de futebol, driblou com categoria os problemas da filmagem: — Encontrei pessoas delicadas, que decoram os textos e, literalmente, vestem a camisa para fazer um filme.
A arte é importante porque contribui para tirar esses jovens de uma realidade cruel, e oferece o lúdico, o amor, a esperança.
O talento salta os muros altos do instituto. Um dos menores confinados fez um rap sobre o filme. Virou a trilha sonora.
O filme deve ser finalizado até dezembro.
Os produtores ainda não sabem se haverá lançamento comercial. Só uma coisa é certa: cada menor infrator ganhará uma cópia, em DVD, para eternizar, ao menos na televisão da família, o sonho de uma vida longe do crime.
O Globo, 7 de dezembro de 2009
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