December 13, 2009

Sonho de cinema por trás dos muros

Menores infratores do Instituto João Luiz Alves, na Ilha, fazem filme sobre futebol



Tulio Brandão

Para os menores infratores do Instituto João Luiz Alves, na Ilha do Governador, o melhor da vida é a ficção.

Pelas retinas de cada um deles, escorrem lembranças de violência, colapso familiar, perdas. Para mudar as imagens dessa sala escura, eles ganharam de presente a oportunidade de fazer um filme. Decidiram, claro, não escrever sobre seus dramas reais, mas contar a história do mundo em que eles gostariam de viver. “Sonho de futebol” — que está sendo dirigido por Zelito Viana, Cris D’Amato e Cininha de Paula — narra as dificuldades de jogadores de um time de terceira divisão do Rio.

O filme — resultado do Projeto Oficinas Culturais Cine Degase, patrocinado pela Oi — tem cenas sendo rodadas neste momento no próprio Instituto João Luiz Alves. A Justiça só autorizou a participação dos menores no projeto com a condição de que eles aparecessem maquiados ou ganhassem uma caracterização de personagem.

A adaptação foi feita a partir de sugestões dos próprios garotos pelo maquiador Vavá Torres. José Renato Monteiro, um dos coordenadores da oficina, espantou-se com a reação de garotos que normalmente têm cara de mau ao ficar diante das câmeras: — A primeira pergunta é: “eu estou bem”? Alguns falam em continuar no ofício de ator, quando ficarem livres.

Um abismo separa os dois mundos.

X, de 16 anos, oscilava entre o sonho do galã e a dura realidade que o aguarda fora dos muros do instituto.

— Não tenho ilusão. No crime uma hora a casa cai: você morre, fica aleijado ou vai preso. Por isso vou mudar, mas antes tenho que resolver umas paradas sérias lá fora — diz ele. — Depois, vou procurar as pessoas para fazer um curso. Tudo o que eu quero, consigo.

Para a psicanalista Leila Ripoll, que apoia o grupo durante o projeto, eles têm pressa: — Nas filmagens, há uma intolerância muito grande à espera. Eles querem jogar bola, mas são obrigados a parar o tempo todo para filmar. Dizem que, assim, com interrupções, não tem graça. A questão do tempo, para eles, é muito complexa. Mas, ao mesmo tempo, gostam da experiência do cinema.

Um deles me disse que a filmagem é o único momento da vida em que ele não sofre.

A falta de paciência contrasta com o esforço dos menores em chegar preparados às filmagens. A diretora Cris D’Amato, que dirigia as cenas do campo de futebol, driblou com categoria os problemas da filmagem: — Encontrei pessoas delicadas, que decoram os textos e, literalmente, vestem a camisa para fazer um filme.

A arte é importante porque contribui para tirar esses jovens de uma realidade cruel, e oferece o lúdico, o amor, a esperança.

O talento salta os muros altos do instituto. Um dos menores confinados fez um rap sobre o filme. Virou a trilha sonora.

O filme deve ser finalizado até dezembro.

Os produtores ainda não sabem se haverá lançamento comercial. Só uma coisa é certa: cada menor infrator ganhará uma cópia, em DVD, para eternizar, ao menos na televisão da família, o sonho de uma vida longe do crime.

O Globo, 7 de dezembro de 2009

 





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