November 27, 2017

‘É pão de manhã, pão ao meio-dia e pão à noite’


A cada peça bordada Vanderléa tira R$ 4. Os R$ 150 ao final do mês são sua única renda - Domingos Peixoto / Agência O Globo


Salchicha, ovo e pão são um banquete na casa de Vanderléa Gomes Santos, de 36 anos, mãe de dois pré-adolescentes, de 11 e 13 anos.

— Tem dia que é pão de manhã, pão ao meio-dia e pão à noite — conta ela, um pouco sem graça, mas sem interromper o vaivém da agulha sobre um pano preto que, depois de bordado, vai lhe render R$ 4 e ser aplicado sobre jaquetas vendidas em lojas de grife.

Vanderléa nem lembra mais da última vez que comprou uma peça de roupa para alguém da família. Desde que saiu do emprego de atendente de lanchonete, onde ganhava R$ 964 por mês, porque teve de cuidar do filho mais novo, mal faz dinheiro para comprar comida. Para pagar o aluguel de R$ 400 da casa onde moram em uma comunidade de Paciência, na Zona Oeste, conta com a ajuda da mãe.
— Antes de me separar, tínhamos casa própria. Mas meu ex-marido vendeu a nossa casa por R$ 50 mil e gastou tudo em droga — lamenta.

O bordado rende R$ 150 mensais. Essa é praticamente a mesma renda da família de Maria de Fátima Ferreira, de 61 anos, que recebe R$ 154 do Bolsa Família, já que a neta Roberta, de 6 anos, vive com ela:
— Na verdade, conto só com R$ 150, pois R$ 4 gasto com passagem. Na ida, pego carona com algum vizinho, mas, na volta, tenho de pegar ônibus.


Compra do mês só dura três dias

Maria de Fátima e a neta vivem com apenas R$ 154 do Bolsa Família - Domingos Peixoto / Agência O Globo

 

No último dia 28, pela primeira vez na semana o almoço não ia ser angu. Era dia de receber o benefício. Maria de Fátima foi direto ao supermercado e só comprou o que estava em promoção. Gastou R$ 79 com arroz, leite, óleo de soja, linguiça, chuchu, uma dúzia de ovos, cenoura, batata-inglesa e biscoitos e miojo para agradar a neta. Tinha feijão pronto, doado por uma amiga. Cozinhou arroz e fritou ovos.
— O problema é que a compra só dura três dias — relata.


Em Recife, a ONG Gestos, que trabalha com soropositivos, teve de reativar em 2016, depois de cinco anos de suspensão, o trabalho de arrecadação de alimentos. Segundo Alessandra Nilo, sócia-fundadora da entidade, que também ajudou a elaborar o relatório de monitoramento da Agenda 2030 da ONU, nas visitas às casas das famílias percebeu que faltava comida:
— Hoje fornecemos cestas básicas a mais de 30 lares de portadores de HIV.

Um dos beneficiados é Rubens (nome fictício), de 35 anos. Desde que descobriu ser portador do vírus, há cinco anos, perdeu o emprego e nunca mais conseguiu se recolocar. Vivia com um salário mínimo do auxílio-doença pago pelo governo. Em janeiro, foi chamado para perícia e teve o benefício cortado.

— Se você vier aqui em casa hoje, a minha geladeira está vazia. O preconceito e minha saúde frágil impedem que eu me mantenha empregado. Passo muitos dias internado em hospital — conta.
No Norte de Minas, o corte pelo governo federal do repasse de alimentos ao Quilombo Gurutuba, via Programa de Aquisição de Alimentos da Agricultura Familiar, vem colocando em risco a alimentação das sete mil famílias locais, denuncia a coordenadora de Articulação do Centro de Agricultura Alternativa da região, Marilene de Souza. Procurado, o Ministério de Desenvolvimento Social não se manifestou.

Segundo dados da própria pasta, a compra de alimentos desse programa, para repasse gratuito a pessoas em situação de insegurança alimentar, restaurantes populares e cozinhas comunitárias, vem caindo desde 2013. O orçamento deste ano prevê compras de R$ 330 milhões, contra mais de R$ 800 milhões em 2012

REPORTAGEM DE DAIANE COSTA
 (O GLOBO)  

November 26, 2017

Fome volta a assombrar famílias brasileiras


Maria de Fátima Ferreira perdeu o emprego e agora enfrenta dificuldades para colocar comida na mesa de casa Foto: Domingos Peixoto / Agência O Globo 
 por
RIO - No armário suspenso sobre a geladeira quase vazia, sacos de farinha de milho empilhados de uma lateral a outra são a única abundância no casebre onde moram três adultos e uma criança, no alto de um morro do bairro de Santa Cruz, na Zona Oeste do Rio.

— Estamos comendo angu a semana toda. Ganhamos de uma vizinha. Mas é melhor angu do que nada. Carne, não vemos há meses — lamenta Maria de Fátima Ferreira, de 61 anos, enquanto abre as portas do móvel, como se precisasse confirmar seu drama. 

LEIA: 'Mãe, tem leite? Como não tenho nada em casa, digo: vai dormir que a fome passa'
VEJA TAMBÉM: Crises fiscal e econômica enfraquecem rede de proteção social dos mais pobres
E AINDA: ‘Não há como ter avanço social sem combater o descontrole fiscal’, diz secretário do Planalto

Três anos depois de o Brasil sair do mapa mundial da fome da ONU — o que significa ter menos de 5% da população sem se alimentar o suficiente —, o velho fantasma volta a assombrar famílias como a de Maria de Fátima. O alerta, endossado por especialistas ouvidos pelo GLOBO, é de relatório produzido por um grupo de mais de 40 entidades da sociedade civil, que monitora o cumprimento de um plano de ação com objetivos de desenvolvimento sustentável acordado entre os Estados-membros da ONU, a chamada Agenda 2030. O documento será entregue às Nações Unidas na semana que vem, durante a reunião do Conselho Econômico e Social, em Nova York.

MARCAS DA FOME: O QUE AS FAMÍLIAS DIZEM

Na casa de Maria de Fátima, a comida se tornou escassa depois que ela foi demitida do emprego de cozinheira na prefeitura de Belford Roxo, há oito meses. Os dois filhos mais velhos vivem de bicos, cada vez mais raros. Os três integram a estatística recorde de 14 milhões de desempregados, resultado da recessão iniciada no fim de 2014. Pesam ainda a crise fiscal, que tem levado União, estados e municípios a fazerem cortes em programas e políticas de proteção social, e a turbulência política.

— Quando o país atingiu um índice de pleno emprego, na primeira metade desta década, mesmo os que estavam em situação de pobreza passaram a dispor de empregos formais ou informais, o que melhorou a capacidade de acesso aos alimentos. A exclusão de famílias do Bolsa Família, iniciada ano passado, e a redução do valor investido no Programa de Aquisição de Alimentos da Agricultura Familiar (PAA), que compra do pequeno agricultor e distribui a hospitais, escolas públicas e presídios, são uma vergonha para um país que trilhava avanços que o colocava como referência em todo o mundo — afirma Francisco Menezes, coordenador do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase) e consultor da ActionAid, que participaram da elaboração do relatório.


Foi a perda do emprego com carteira que levou a insegurança alimentar para o cotidiano da auxiliar de serviços gerais Andressa Gonçalves de Oliveira, de 24 anos, mãe de um menino de 8. Separada do marido, ela mora em uma casa inacabada em uma comunidade de Madureira. A empresa terceirizada na qual trabalhava começou a perder contratos, e ela foi demitida, há cerca de um ano. Passou a vender cafezinho em filas de seleção de emprego para aumentar a renda, restrita aos R$ 170 da pensão do filho. Consegue tirar mais R$ 150 por mês.

— Quando meu ex-marido atrasa a pensão ou quando não consigo atingir a meta do café, bate o desespero. Já tive de deixar de comer para meu filho não ficar sem comida — conta Andressa, que recebia R$ 390 de auxílio-alimentação no antigo emprego, além do salário de quase R$ 1 mil.

Lares chefiados por mulheres que, devido à perda do emprego ou de benefícios como o Bolsa Família, têm renda zero ou inferior a R$ 350 são recorrentes entre as famílias que passaram a ter dificuldades para comprar comida. O custo de uma cesta básica no Rio, com 13 tipos de alimentos em quantidades necessárias para uma pessoa, por um mês, chega a R$ 420,35, segundo o Dieese.
No país, 1,5 milhão de famílias tem direito a benefícios maiores do que recebem - Domingos Peixoto / Agência O Globo


No ano passado, o presidente Michel Temer determinou um pente-fino para descobrir beneficiários que declaravam renda menor do que a real para continuar recebendo o Bolsa Família. O resultado, porém, foi a confirmação de um fenômeno de empobrecimento. Ao cruzar bases de dados, a fiscalização encontrou mais de 1,5 milhão de famílias que tinham renda menor que a declarada — haviam perdido o emprego, mas não atualizaram o cadastro — e, por isso, teriam direito a benefícios maiores do que recebiam. Isso corresponde a 46% dos 2,2 milhões de famílias que caíram na malha fina por inconsistência nos dados. E o prometido reajuste no benefício, que seria de 4,6%, foi suspenso no fim do mês passado pelo governo, por falta de recursos.

No Rio, a procura por inscrição no Cadastro Único do município, única forma de acessar o Bolsa Família, explodiu em 2016, ano em que a crise se aprofundou. No primeiro quadrimestre do ano passado, o número de novas famílias que entraram no sistema mais do que dobrou em relação ao mesmo intervalo de tempo de 2013, período anterior à recessão. Passou de 12,2 mil para 25 mil famílias. Nos primeiros quatro meses deste ano, foram 19,4 mil famílias. Para a secretária municipal de Assistência Social e Direitos Humanos, Teresa Bergher, isso se explica pelo aumento do desemprego e pela crise do governo estadual, que tem atrasado o salário dos servidores, provocando um efeito dominó na economia local.

— Quanto maior a dependência do programa de transferência, maior a insegurança alimentar. Mas, com essa renda, as famílias conseguem ter a segurança de poder comprar algo todos os meses. É claro que essa quantidade de alimento não deve sustentar o mês todo, mas podem se programar — argumenta a nutricionista Rosana Salles da Costa, professora do Instituto de Nutrição Josué de Castro, da UFRJ, e pesquisadora na área de segurança alimentar.

Ela acredita que a instabilidade financeira que atingiu essas famílias vai elevar, pela primeira vez, o número de lares brasileiros que passam fome — ou seja, que vivem em insegurança alimentar grave, segundo a Escala Brasileira de Insegurança Alimentar. De acordo com o IBGE, a proporção de lares que vivia nessa condição caiu à metade entre 2004, ano da primeira pesquisa, e 2013, dado mais recente, de 6,5% para 3,2%. Os próximos dados, referentes a 2017 e 2018, vão ser divulgados daqui a dois anos pelo instituto, após a conclusão da Pesquisa de Orçamentos Familiares para esses anos.
Alan Bojanic, representante das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação no Brasil, reconhece que há uma relação direta entre crises econômicas e o aumento da insegurança alimentar e pobreza. No entanto, diz ser otimista quanto ao Brasil se manter fora do mapa mundial da fome e avançar, melhorando a qualidade da alimentação de suas famílias.

FOTOS DOMINGOS PEIXOTO

November 23, 2017

A ameaça de fechamento do BRT


Presente de grego

Não são poucos os que relacionam o fechamento do BRT e o aumento das milícias das vans

A ameaça de fechamento do BRT no trecho Santa Cruz-Campo Grande pode colocar a Zona Oeste popular mais uma vez no vazio da presença das políticas de transportes. Durante a juventude, gastava quase três horas, de Santa Cruz ao Centro, para estudar na única escola de teatro pública da cidade. Diminuir a possibilidade de circulação é aumentar a falta de oportunidades em épocas de crise, é um presente de grego para o bairro que completa 450 anos em 2017.

Quando algum ato de vandalismo acontece em regiões mais nobres da cidade, imediatamente o poder público responde com mais guardas, campanhas educativas, iluminação etc; formadores de opinião reclamam, promovem abraços ao espaço, celebridades são engajadas e a cobertura dos meios de comunicação destrincha, de forma exemplar, os aspectos da questão. Por outro lado, quando o mesmo tipo de fenômeno acontece em regiões populares, a certeza da resposta não é tão imediata, e a reclamação da população local costuma ser tratada como parte de um problema que não tem solução, reiterando a visão, estigmatizadora, de que aquela região é marcada apenas por selvageria.

O argumento para o fechamento do trecho do BRT, por parte do consórcio operador, é o alto índice de calotes e de vandalismos nas estações da região. É cínico esconder que esse tipo de comportamento social possui relação intrínseca com a diminuição de políticas sociais na região. Se o trecho em questão sofre com esses atos, em parte, é porque o governo e as empresas não assumiram essa dimensão social desde cedo, deixando chegar num ponto irreversível. Por que não existiram ações de inibição — de fiscalização até campanhas de envolvimento — desde o início?

A ameaça de fechamento é uma chantagem para a atual queda de braço entre os entes que fazem parte deste processo. A guerra, que parece uma batalha ensaiada, entre o consórcio e a Prefeitura, sobre o valor da passagem e da liberação de vans na região, é pautada pela falta de transparência — o Instituto de Políticas de Transportes e Desenvolvimento (ITDP) aponta que, além do contrato do consórcio, os números de faturamento precisam estar abertos. Não é mais possível continuar com um modelo de gestão dos transportes que não seja marcado pela transparência total. Se o consórcio reclama de que está perdendo dinheiro neste momento, grande parte da falta de apoio ao sistema é pela sua falta de transparência. Transporte público precisa ter uma boa comunicação participativa com seus usuários e o compromisso com o desenvolvimento da cidade.

A chegada do BRT na Zona Oeste não resolveu todos os problemas históricos de mobilidade, mas criou um impacto na diminuição da duração da viagem. Menos tempo gasto no transporte cria condições para o investimento em projetos de vida e afetos. As estações impulsionaram pequenos negócios no entorno, aumentando renda. O BRT, com erros e acertos, é o primeiro modelo de organização do transporte público que chega na região, antes, inteiramente à mercê da lógica de rentabilidade das empresas, apenas. Quando uma região não está envolvida nas ações estratégicas de uma cidade, as chances do fosso da desigualdade aumentar e de domínio de poder paralelo se tornam maiores. Não são poucas as vozes que apontam a relação entre o fechamento do BRT e o aumento da presença de milícias no negócio das vans. Com a fiscalização frágil, o dinheiro arrecadado pode favorecer a influência delas nas eleições do ano que vem — os olhos de quem quer usar o poder para benefícios privados estão voltados para o parlamento.

A imprevisibilidade de não saber como será a vida no dia seguinte prejudica quem vive marcado pela desigualdade. Moradores da região de Santa Cruz já falam nas redes sociais que existe uma proposta de fechamento de outro trecho — o BRT Barra-Santa Cruz também estaria nos planos de desativação. Boato ou não, o fato é que o ano de 2017 vem sendo marcado por insegurança para quem vive ou trabalha na região. Como criar uma relação de pertencimento com o espaço público com tanta notícia ruim rondando o dia a dia?

Gastei muita sola de sapato nessa cidade pra romper catracas visíveis e invisíveis. Durante os três anos de formação na Escola de Teatro Martins Penna, do Cesarão, em Santa Cruz, onde tem início o trecho TransOeste em questão, dedicava mais tempo ao deslocamento do que ao curso. Experimentei diversas estratégias: trens, baldeações, trajetos diferentes etc. Imagina ter forças para isso diariamente e ainda lutar para ganhar a sobrevivência? Deslocar-se vira uma labuta, longe de ser um direito. A primeira coluna que fiz neste ano por aqui foi sobre os 450 anos de Santa Cruz, do quanto essa região deu mais para a cidade do que recebeu dela. O presente de grego, aquele que se revela um falso presente, é a única forma de falar do que vem acontecendo. Ficar calado sobre o fechamento do trecho do BRT é colaborar com a desigualdade.

Marcus Faustini

 



November 20, 2017

Para reduzir gastos, gestão Temer quer rever distribuição de remédio




NATÁLIA CANCIAN
DE BRASÍLIA


Um dos mais conhecidos programas do Ministério da Saúde, o Farmácia Popular, iniciativa que oferta medicamentos gratuitos ou com até 90% de desconto, deve passar por mudanças. Para o setor farmacêutico, as medidas o colocam em risco.
Após fechar cerca de 400 farmácias da rede própria que mantinha no programa, o governo quer agora mudar o modelo de pagamento para farmácias particulares credenciadas. Hoje, há cerca de 30 mil estabelecimentos que ofertam os medicamentos no Aqui Tem Farmácia Popular, nome dado ao eixo do programa na rede particular.
Para o ministro Ricardo Barros (Saúde), o objetivo é reduzir gastos, tidos como mais altos do que na compra centralizada de remédios no SUS.
Representantes do setor e sanitaristas, porém, dizem que as novas propostas colocam o programa em xeque.
Hoje, farmácias recebem um reembolso do governo a cada produto dispensado, com base em uma tabela de valores de referência pré-definidos para cada um deles.
O governo quer renegociar esses valores. De acordo o ministro, a ideia é propor um novo cálculo, definido por um preço base no atacado e 40% de margem para compensar os custos de aquisição e distribuição dos produtos.
Hoje, não há uma margem padrão, o que leva à diferença de valores, justifica.
"Vamos atualizar os preços para esse momento de mercado", disse à Folha.
"Se fizemos essa margem, economizaremos R$ 600 milhões ao ano." O programa, criado em 2004 no governo Lula, custa R$ 2,7 bilhões.
Há ainda um modelo alternativo em estudo, semelhante ao aplicado nas lotéricas.
Neste caso, as farmácias receberiam um valor fixo pelo procedimento de entrega do medicamento, não importa qual deles entregou. Neste caso, os medicamentos seriam do Ministério da Saúde.
As mudanças, porém, dependem de negociação com o setor. Segundo Sérgio Barreto, da Abrafarma, associação que reúne as redes de farmácias, os preços sugeridos na proposta, e que preveem redução de até 60%, não compensam os custos.
"Estão partindo de uma base que não está correta. Não consigo receber menos do que paguei para a indústria."
Para ele, a medida pode inviabilizar o programa.
Posição semelhante tem representantes da indústria. "Nos parece perigoso que um dos poucos êxitos seja posto em xeque e ameaçado", diz Antônio Britto, da Interfarma (Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa).
Para ele, não é possível comparar o valor de compras do SUS com o do Farmácia Popular, por serem situações e volumes diferentes de compra –o Ministério tem citado o exemplo da insulina, que custa R$ 10 o frasco SUS e R$ 26 no reembolso.
"Estamos preocupados. Qualquer redução nos valores pode sim causar problemas ao programa, porque não tivemos reajustes nos últimos anos", diz Nelson Mussolini, do Sindusfarma.
À Folha o ministro afirma que, caso não haja um acordo, a pasta pode voltar a distribuir todos os medicamentos da lista apenas no SUS. "Se não quiserem fazer nessa margem que estamos propondo, vamos centralizar a compra e fazer [a entrega] na nossa rede, que já está paga."
Neste caso, diz, os valores pagos ao programa seriam direcionados a complementar as verbas de assistência farmacêutica, assim como ocorreu no fechamento das unidades próprias. Questionado se isso não indicaria o fim do programa, ele minimiza.
"Tem 1.500 municípios do Brasil que não têm Farmácia Popular nem rede própria nem conveniada. E nem por isso deixam de receber os medicamentos", diz ele, que nega prejuízos à população no acesso a remédios. "O que afeta o acesso é pagar caro por algum medicamento."
Já Arthur Chioro, que foi ministro da Saúde na gestão Dilma Rousseff, tem visão oposta. "O que observamos em relação ao Farmácia Popular é uma desmontagem do programa", afirma ele, que lembra que o programa foi criado para aumentar o acesso a medicamentos para doenças mais comuns e, assim, reduzir custos com internação.
"O Farmácia Popular não substitui o SUS. Ele foi pensado para dar retaguarda a usuários de planos que não têm garantia de cobertura de medicamentos, que tem peso significativo sobre o orçamento das famílias", diz.
"Extinguir o Farmácia Popular é colocar todo mundo em concorrência no SUS novamente", completa.

ACESSO

 
Pacientes que utilizam o Farmácia Popular afirmam terem sido pegos de surpresa com o fechamento das unidades próprias do programa e relatam dificuldades de acesso a medicamentos no SUS.
No Distrito Federal, a única unidade da rede própria que ainda havia do programa, em Sobradinho, foi fechada em 28 de agosto.
Restou um aviso em papel, que comunica o "encerramento das atividades da Farmácia Popular do Brasil".
Foi com ele que se deparou o aposentado José Aparecido dos Santos, que buscava no local medicamentos para diabetes, hipertensão, entre outros. "Simplesmente cheguei aqui e estava fechada."
Desde então, usuários como ele se queixam da falta de informações sobre o fechamento e sobre onde ainda é possível retirar medicamentos antes disponíveis na rede.
O maior impasse é o fato da lista de remédios ser menor nas redes particulares credenciadas ao Farmácia Popular em relação ao que era disponibilizado nas unidades próprias –enquanto a primeira tem 32, a anterior disponibilizava 112.
Foi o que ocorreu com a técnica de laboratório Maria de Fátima Soares, 54, que pegava com o filho medicamentos para efeitos da artrite e tratamento de gota (no caso específico, ácido fólico e prednisona), na unidade de Sobradinho.
De R$ 1,60 que pagava pelo que precisava na rede própria devido aos descontos, agora paga entre R$ 15 e R$ 34 em farmácias particulares –os medicamentos não constam na lista da rede credenciada. "Ninguém acreditou quando fechou", relata ela, que trabalha ao lado da antiga unidade.
O Ministério da Saúde afirma que todos os remédios que eram distribuídos nas unidades próprias também estão disponíveis no SUS.
Na prática, há reclamações. Santos, por exemplo, relata que, após o fechamento, nem sempre encontra o que precisa no posto de saúde. "Agora tenho que ir no posto, e quando não tem, tem que comprar", diz.
Funcionários de unidades de saúde do DF ouvidos pela Folha confirmam casos de falta de alguns medicamentos, sobretudo dos mais indicados, como omeprazol (para problemas de estômago) e sinvastatina (para reduzir níveis de colesterol).
Ao saber do fechamento, a dona de casa Maria Ricarda Pereira, 71, correu para adiantar as receitas médicas e obter os medicamentos. Um dos que já utilizou, o cloridrato de verapamil, diz, não consta nas farmácias credenciadas. Agora, busca os medicamentos na unidade de saúde, onde também faz acompanhamento.
A distância, porém ficou maior. "Antes, vinha a pé. Agora, tenho que pedir para minha filha me deixar aqui para buscar", conta.
Para Mailza dos Santos, 48, o programa era uma opção para os momentos em que não havia medicamento no posto de saúde. "Quando não tinha, pegava aqui", diz.

OUTRO LADO
 
Questionado, o Ministério da Saúde afirma que direcionou todos os R$ 100 milhões antes gastos com as unidades próprias do Farmácia Popular para aumentar a oferta de medicamentos na rede pública.
A pasta atribui o fechamento ao fato de que só 20% dos cerca de R$ 100 milhões gastos com essas unidades era para compra e distribuição de remédios. O restante era para custos operacionais.
Sobre os relatos de falta de medicamentos, afirma que o monitoramento das unidades cabe aos municípios.
Em nota, a secretaria de saúde do Distrito Federal informa que trabalha para manter os estoques abastecidos, mas admite que pode haver "faltas pontuais" de alguns medicamentos na rede.



"Eventualmente, podem ocorrer faltas pontuais, mas todos os citados estão em processo de aquisição, em diferentes fases dos processos licitatórios."
Questionada, a pasta diz ainda que já foi possível observar um aumento recente na demanda por remédios básicos nas unidades de saúde após o fechamento da Farmácia Popular.
Entretanto, "por se tratar de uma mudança recente, ainda não foi possível contabilizar tal valor", informa.

November 18, 2017

Criança desmaia em escola: 'Chorei ao notar que era fome', diz professora

WANDERLEY PREITE SOBRINHO
COLABORAÇÃO PARA O UOL
FOLHA DE SÃO PAULO

Um aluno de oito anos desmaiou de fome na última segunda-feira (13) em uma escola do Cruzeiro, no Distrito Federal. Ele é um dos estudantes carentes que moram no Paranoá Parque e que, todos os dias, viajam 30 km – quase sempre sem comer – para estudar na região.

A criança, que frequenta a Escola Classe 8, mora em um empreendimento do Minha Casa, Minha Vida. Deste local, 250 alunos são transportados diariamente para uma unidade de ensino no Cruzeiro. "Assim que os alunos chegam, eu cumprimento um a um", relembra à reportagem Ana Carolina Costa, professora do 2º Ano Fundamental. "Mas quando chegou a vez o menino, percebi que chorava." Ele estava com a mão no peito, coração disparado, passando mal. "Levei para a direção. Por duas vezes ele apagou. Não reagia."

A professora acionou o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) e chamou os três irmãos do garoto, que também estudam na escola. "Eles ficaram calados, com caras de assustados."

Questionados, disseram que não tinham comido nada no domingo e que naquela segunda tinham tomado mingau de fubá (fubá, água e sal) antes de sair de casa.

"Quando a gente percebeu que era forme, eu saí de perto para chorar. O rapaz do Samu me olhou com uma cara de 'que realidade é essa?'. E eu disse que é sempre assim. Eu tenho dois alunos que todos os dias reclamam de fome", diz.

A professora reuniu outros membros da escola e foi levar uma cesta básica para a família do estudante. "A mãe nos disse que tinham o suficiente. Mas enquanto a gente conversava, só tinha uma panela de arroz sobre o fogão. A criança mais nova toda hora enfiava a mão na panela para comer. Ter comida para eles em casa é ter fubá", lamenta.

Ana garante que mais estudantes passam fome em sua classe. "Dos meus 18 alunos, quatro chegam com fome todos os dias. É a metade que não come, mas esses quatro são muito carentes." Ela, então, vai à cantina, pega uma fruta e leva para uma criança ou outra "para conseguir enganar a barriga deles e conseguir dar aula até o intervalo".

O Sindicato dos Professores (Sinpro-DF) já pediu à Secretaria de Educação a construção de uma escola na região do Paranoá Parque. "Se não é possível construir agora, a escola tinha de, no mínimo, oferecer uma refeição na entrada: arroz, feijão e frango, e um lanche à tarde", disse Samuel Fernandes, diretor da entidade.

Ele explica que os alunos que estudam em período parcial recebem apenas um lanche, às 15h30. "Em uma semana, é comida duas vezes por semana e biscoito e suco nos outros três dias. Na outra semana é o oposto. A criança fica até oito horas longe de casa. Até se almoçar às 11h, ela não aguenta", diz.
Mesmo quando completa, a merenda "não é boa, é pouco nutritiva", garante a professora. "O feijão é enlatado, com sódio. É uma carne que tem de ferver antes para tirar o sebo que tem em cima. Mas diante da realidade dos meninos, é melhor do que nada."
 
Procurada, a Secretaria de Educação do Distrito Federal (SEE-DF) "lamenta que o aluno tenha passado por esta situação". A pasta diz que "não foi informada formalmente sobre o problema" de merenda e que vai apurar "diretamente na escola, com o gestor da unidade, qual a real situação dos alunos para, em conjunto com a direção e coordenação regional de ensino, encontrar uma solução razoável".

Ainda segundo a secretaria, a construção de escolas no Paranoá Parque e no Itapoã consta no plano de obras 2015/2018, mas "não há disponibilidade financeira imediata para as obras". O órgão dispõe de um terreno para esta finalidade em cada uma das cidades. "No caso do Itapoã, o projeto para a construção de uma Escola Classe já está concluído e aguarda dotação financeira."

Mas promete que 84 crianças, hoje no 5º ano no Cruzeiro, "irão cursar o 6º ano nos Centros de Ensino Fundamental 03 e 05 do Paranoá, em 2018".

A professora Ana faz um apelo: "Que a secretaria olhe com carinho para a nossa escola, que é especial por atender tantas crianças pobres. Que o cardápio tenha, pelo menos, almoço na entrada."

November 17, 2017

Gandra ataca novamente


 

Não Sou: – Nem Negro, Nem Homossexual, Nem Índio, Nem Assaltante, Nem Guerrilheiro, Nem Invasor De Terras. Como faço para viver no Brasil nos dias atuais? Na …verdade eu sou branco, honesto, professor, advogado, contribuinte, eleitor, hétero… E tudo isso para quê?

Meu Nome é: Ives Gandra da Silva Martins* Hoje, tenho eu a impressão de que no Brasil o “cidadão comum e branco” é agressivamente discriminado pelas autoridades governamentais constituídas e pela legislação infraconstitucional, a favor de outros cidadãos, desde que eles sejam índios, afrodescendentes, sem terra, homossexuais ou se autodeclarem pertencentes a minorias submetidas a possíveis preconceitos. Assim é que, se um branco, um índio e um afrodescendente tiverem a mesma nota em um vestibular, ou seja, um pouco acima da linha de corte para ingresso nas Universidades e as vagas forem limitadas, o branco será excluído, de imediato, a favor de um deles! Em igualdade de condições, o branco hoje é um cidadão inferior e deve ser discriminado, apesar da Lei Maior (Carta Magna). Os índios, que pela Constituição (art. 231) só deveriam ter direito às terras que eles ocupassem em 05 de outubro de 1988, por lei infraconstitucional passaram a ter direito a terras que ocuparam no passado, e ponham passado nisso. Assim, menos de 450 mil índios brasileiros – não contando os argentinos, bolivianos, paraguaios, uruguaios que pretendem ser beneficiados também por tabela – passaram a ser donos de mais de 15% de todo o território nacional, enquanto os outros 195 milhões de habitantes dispõem apenas de 85% do restante dele. Nessa exegese equivocada da Lei Suprema, todos os brasileiros não-índios foram discriminados. Aos ‘quilombolas’, que deveriam ser apenas aqueles descendentes dos participantes de quilombos, e não todos os afrodescendentes, em geral, que vivem em torno daquelas antigas comunidades, tem sido destinada, também, parcela de território consideravelmente maior do que a Constituição Federal permite (art. 68 ADCT), em clara discriminação ao cidadão que não se enquadra nesse conceito. Os homossexuais obtiveram do Presidente Lula e da Ministra Dilma Roussef o direito de ter um Congresso e Seminários financiados por dinheiro público, para realçar as suas tendências – algo que um cidadão comum jamais conseguiria do Governo! Os invasores de terras, que matam, destroem e violentam, diariamente, a Constituição, vão passar a ter aposentadoria, num reconhecimento explícito de que este governo considera, mais que legítima, digamos justa e meritória, a conduta consistente em agredir o direito. Trata-se de clara discriminação em relação ao cidadão comum, desempregado, que não tem esse ‘privilégio’, simplesmente porque esse cumpre a lei.. Desertores, terroristas, assaltantes de bancos e assassinos que, no passado, participaram da guerrilha, garantem a seus descendentes polpudas indenizações, pagas pelos contribuintes brasileiros. Está, hoje, em torno de R$ 4 bilhões de reais o que é retirado dos pagadores de tributos para ‘ressarcir’ aqueles que resolveram pegar em armas contra o governo militar ou se disseram perseguidos. E são tantas as discriminações, que chegou a hora de se perguntar: de que vale o inciso IV, do art. 3º, da Lei Suprema? Como modesto professor, advogado, cidadão comum e além disso branco, sinto-me discriminado e cada vez com menos espaço nesta sociedade, em terra de castas e privilégios, deste governo.

November 13, 2017

'A velhice é uma coisa que acontece assim de surpresa', diz Ziraldo, aos 85

Rio de Janeiro, Rj, BRASIL. 27/10/2017; Entrevista com ocartunista e ilustrador, Ziraldo, que fez 85 anos. ( Foto: Ricardo Borges/Folhapress)

07/11/2017
FOLHA DE SÃO PAULO



Eu fiquei velho tem uma semana", diz Ziraldo Alves Pinto, referindo-se a seu aniversário de 85 anos, comemorado em 24 de outubro. "A velhice é uma coisa que te acontece de surpresa. Demorou 85 anos para chegar, fiquei irremediavelmente velho."

No caso do artista mineiro —autor, ilustrador, pintor, chargista, jornalista—, a consciência do peso da idade veio num tropeço corriqueiro em casa, que o fez notar suas limitações físicas: o arrastar dos pés, a memória que falha, a agilidade que diminui para desenhar e escrever.


Mas, se não é prolífico como antes —também porque a crise econômica atinge os mais velhos, diz—, continua com muitos projetos em mente na área da literatura infantil, que o consagrou.
Ziraldo, no entanto, é bem mais que o autor de livros perenes como "O Menino Maluquinho" (1980) e "Flicts" (1969). Foi, por exemplo, chargista do "Jornal do Brasil".

Lá, aprofundou sua amizade com Carlos Drummond de Andrade (1902-1987), que tinha uma coluna de crônicas e frases bem-humoradas (que chamava de "pipocas").

Sacando que as tiradas do poeta eram "charges em estado de dicionário", Ziraldo lhe propôs ilustrá-las. Surgiu assim "O Pipoqueiro da Esquina", livro publicado em 1981 que é tema de exposição em cartaz até 18/2 no Instituto Moreira Salles do Rio.

A mostra traz mais de 30 desenhos originais que Ziraldo criou para as "pipocas" de Drummond, além de bilhetes, cartas, poemas e outros objetos que ilustram a amizade entre os dois mineiros.

***
Folha - Como conheceu Carlos Drummond de Andrade?
Ziraldo - Conheci a poesia do Drummond no ginásio. Via ele ocasionalmente na editora José Olympio, mas não tinha nenhuma intimidade. Quando eu publiquei o "Flicts" [1969], mandei para ele, que escreveu uma crônica que é o único comentário de livro que ele já fez. Esse texto virou o prefácio nas edições seguintes. Ele escreveu a crônica, eu tinha feito três quadros que ganharam o prêmio de humor na Bélgica e mandei um original para ele dizendo "quero que você saiba que é o melhor desenho que eu fiz na minha vida".
Era um astronauta chegando em casa, beijando a mulher e o filho dele abrindo a mala, que estava cheia de estrelas. A partir daí, a gente ficou trocando bilhetes. Até poema ele fez. Não quis publicar as cartas porque o pessoal ia achar que éramos duas bichas. Mas eu amava ele, o que eu posso fazer? Ele tinha muita deferência comigo.

Vocês se frequentavam?
Nada, ele era um ser telefônico, não gostava de visita não. Nem de conhecer gente nova, dizia que estava muito velho para fazer novas amizades. Ele ficava horas no telefone, com aquela vozinha dele. Ele era muito debochado, era infernal. Igualzinho ao [Ariano] Suassuna. Eu e Zuenir [Ventura] fomos conversar com Suassuna lá em Pernambuco, ele falou mal de todo mundo que pôde. Uma hora riu para burro e falou "a melhor coisa do mundo é falar mal dos outros, né?".

E como surgiu a colaboração em "O Pipoqueiro da Esquina"?
O Drummond gostava demais de desenhar. Quando ele era jovem, sonhava em ser chargista, gostava muito dos chargistas brasileiros, mencionava todos. Ele começou a fazer essas frases, que ele chamava de "pipocas", na coluna do JB chamada "O Pipoqueiro da Esquina". Quando eu ia fazer a charge e [o tema] tinha saído no "Pipoqueiro da Esquina", eu ligava para ele e dizia "Drummond, você fodeu comigo.
Tenho 30 charges para fazer essa semana. Quer saber, vou ilustrar suas charges, pode?". Ele ficou entusiasmadíssimo com o livro. Eu caprichei muito nos desenhos. Em geral, a charge você faz muito depressa, não tem tempo de ficar compondo. Aqui eu exagerei um pouco, está muito caprichado, ficava horas, dias desenhando. Foi um trabalho que eu fiz com muito prazer, ele gostava muito quando eu mandava os desenhos para ele.


Na sua variada carreira, que peso o sr. dá para o trabalho de chargista?
O que me deu mais resposta foram os livros para criança, né? A minha fila de autógrafo nas feiras de livros é de pais levando os filhos. Muita gente acha que eu sou só um autor infantil. A charge dava muita alegria. Hoje em dia está todo mundo publicando charge na internet porque ninguém quer pagar mais. O Jaguar saiu do [jornal] "O Dia" [hoje ele colabora para a Folha], o Aroeira também. O único chargista rico do Brasil hoje é o Chico Caruso, porque ele é funcionário do [jornal] "O Globo".

Como é sua rotina atualmente?
Continuo com o mesmo regime de trabalho que sempre tive. Essa coisa de estar na prancheta trabalhando até de madrugada, com 85 anos, é vital para mim. Não é que eu escolha fazer isso não. Se eu parar, morro. Não sei fazer outra coisa na vida. Ando desenhando muito pouco, o mercado de trabalho mudou muito depois da crise, em relação à minha idade. Eu fazia muito livro especial, cartilha para empresa, ilustração para publicidade, tinha muito trabalho. Tem três ou quatro anos que não tem trabalho nenhum. É a crise, [e o fato de que] agora tá cheio de menino competente aí. Eu sou da geração de pioneiros, quando comecei, era eu e mais cinco. Agora não.

Quais seus projetos atuais?
Estou trabalhando nos últimos livros da série "Os Meninos do Espaço" [ed. Melhoramentos], são dez livros, já era para eu ter entregado os dois últimos. Eu trabalho demais no texto, fico enlouquecido, não acabo. Agora, como eu estou mais lento, é pior ainda. Eu capricho muito, reescrevo 300 vezes, não está me agradando. É um pouco a cabeça do sujeito. Eu fiquei velho tem uma semana.
A velhice é uma coisa que te acontece de surpresa. Você vai vivendo e sempre achando que não mudou nada. Se você viveu intensamente, envelhece sem perceber. Eu sempre disse que sou o adolescente mais longevo que já vi. Agora, de repente você levanta, sai andando e tropeça nesse negócio aqui [aponta para o rejunte] do ladrilho e descobre que está arrastando o pé. "Puta que o pariu, fiquei velho." Tem uma semana. Em mim demorou 85 anos para chegar, fiquei irremediavelmente velho. Ancião.

O sr. sente limitações?
É engraçado você chegar aos 85 anos e ainda estar com toda disposição para tudo, para trabalhar, para criar. Só que o físico não responde como respondia. Você reparou quantas vezes te perguntei sobre o que estava falando? Você acorda com a ideia, vai mexer no texto, não acha onde queria mexer. Isso é que é ruim. Toda vez que eu falo isso dizem "ah, você tá triste por envelhecer". Eu não, eu já tenho 85. Você [referindo-se ao repórter] não sabe se vai garantir 85. Se bem que, agora, ninguém morre mais, só se você bater com o carro ou tiver uma dessas doenças malucas. Mas até elas têm cura, se forem descobertas no começo. Então quer dizer, se eu viver mais dez anos, não vou morrer mais.

O sr. tem projetos futuros?
Ia fazer uma exposição para comemorar os 85 anos, mas, com essa crise, não teve jeito. Vou fazer uma em São Paulo no ano que vem, minha obra toda, no Sesc. Mas não diz que eu falei "minha obra" porque eu tenho pavor do sujeito dizer isso. São todos os desenhos que eu fiz na minha vida. Tenho muitos originais comigo, do "Pasquim", todos os do "Jornal do Brasil", onde desenhei por 13 anos. Todos os meus quadros estão com um marchand de São Paulo, muito bem guardados.
Fiz uma coleção de livros, "ABC", com 26 livros, um para cada letra, que vira um personagem. Essa já está pronta. E vou fazer dois livros com os 500 nomes mais comuns para meninos e meninas no Brasil, 250 de cada. Vou desenhar o significado de cada um deles, vai se chamar "Onde Está Você?". Desenhados os 500 nomes, eu posso fazer o que quiser com eles, vou bolar ainda. Tenho seis dicionários com o significado de qualquer nome que você imaginar. Tenho livros em francês, inglês, vou comprando quando ando pelo mundo.

O sr. disse que Drummond tinha medo de ser esquecido. E no seu caso?
Eu não tenho nenhum. Não é porque eu seja bom, é porque sou autor infantil. Se você é lido por uma geração, vai ser lembrado sempre. Fui muito visto por gerações, você chega na Bienal e tem avô levando netos. Aqui no Brasil tem o Monteiro Lobato, a Ana Maria Machado, a Ruth Rocha, o Pedro Bandeira. Esses vão ser lembrados sempre, porque conquistaram as gerações deles.


O sr. viu "Vazante", o novo filme da Daniela [Thomas, sua filha]?
Vi. Achei difícil, mas lindíssimo. Primeiro, é a mais fantástica recriação do tempo que eu já vi no cinema. Você entra na época, é impressionante. Ela arranjou uns negros que estavam chegando da África, pegou um quilombo lá onde filmou, no Serro [MG], as pessoas do quilombo ainda se vestem como os avós se vestiam na África. Mas achei muito difícil, ela não faz concessão nenhuma. Eu falei para ela "você não podia fazer filme mais simples?". Ela disse que fez o filme que estava na cabeça dela. Confiava tanto que fez o filme sem música.
Agora, não sei onde é que acharam racismo no filme. Chamaram ela de sinhazinha. Não sei onde é que se privilegia alguém de pele branca lá, se aparece em algum momento que o branco é superior ao negro. Nunca vi uma descrição do negro tão fiel ao que eles deviam sentir naquela época.

Ela foi uma das diretoras da cerimônia de abertura da Rio-2016.
A repercussão daquela abertura deu uma foto de primeira página no "New York Times", falando da surpresa que o Brasil fez para o resto do mundo. Ela é boa de serviço.

Mas, desde então, a própria escolha do Rio como sede passou a ser suspeita.
Que coisa triste, né? E o Serginho Cabral? Eu conheço ele desde bebê, sou superamigo do pai dele. Graças a Deus ele [Cabral pai] está com Alzheimer. Ele buscou esse Alzheimer, não tinha o que fazer da vida se estivesse assistindo ao filho dele ser levado para a prisão, com 72 anos [de pena]. Criar um filho como ele criou, no samba... O Sérgio era um sambista carioca, a casa cheia de sambistas, sempre de porta aberta. Ele foi um dos fundadores do "Pasquim", morava em Cavalcante [zona norte do Rio], só veio morar na zona sul quando o jornal deu muito dinheiro no primeiro ano e ele alugou um apartamento aqui, acabou de criar os filhos aqui, num ambiente ótimo.
Ele era super-honesto. O Sérgio [filho], quando virou autoridade, arranjou um título para ele de Procurador-Geral do Estado, que é vitalício [na verdade, Cabral pai foi conselheiro do Tribunal de Contas do Município do Rio entre 1993 e 2007, quando se aposentou, aos 70 anos, mantendo a remuneração vitalícia]. Mas, para ele aceitar isso, só faltou a gente bater nele. "Deixa de ser besta, Sérgio. Você não tem onde cair morto, não tem salário, seu filho está te dando isso, poderia dar para qualquer um. Pode ser nepotismo, mas você tem competência para ser isso, e vai te salvar". Ele era assim.

Por que Sérgio Cabral fez o que fez?
Acho estranho essa coisa de ele gostar de conviver com rico. É muito pouco comum o sujeito com um mínimo de inteligência, no meio em que ele viveu, achar divertido andar com o [empresário Fernando] Cavendish. Você pode me dar o Cavendish de graça que eu não quero sentar num bar com ele, entendeu? Você vê que ele estava sempre com gente rica, levando uma vida de rico. Isso deformou um pouco. Aí, quando ele viu que era fácil ganhar dinheiro, ele resolveu virar o cara mais rico do Brasil. É uma deformação de caráter extraordinária, não dá para entender.
A carreira dele veio bem, foi o primeiro governador que não se ajeitou com a escrotidão da polícia, pelo contrário, chamou o Beltrame [ex-secretário de segurança pública do Rio], que tentou moralizar. Foi um belo governador do Rio. Mas descobriu que era muito fácil roubar. Onde ele podia se meter, se meteu para ganhar dinheiro. Foi ficando muito rico, acho que ele queria ficar o cara mais rico do Brasil.

Quando o sr. o viu pela última vez?
Quando ele foi eleito pela última vez [2010, reeleito como governador], eu falei "eu vou te dar de presente a marca do seu governo". Fiz um negócio caprichadíssimo, mandei imprimir as camisetas e tudo mais, liguei para o palácio. "Eu queria falar com o Sérgio". "Como é seu nome?". "Ziraldo Pinto". "O senhor liga para fulano de tal, que é quem marca audiência". "Não quero marcar audiência com o Serginho, manda ele amolar outro, pergunta a que horas eu posso levar o negócio aí". "Ah, não é assim não".
O Serginho ficava com essa mania de pedir audiência, eu não consegui levar as camisetas. Ele não usou a marca que eu fiz para ele. E eu descobri o porquê: uma marca é boa para lavar dinheiro, porque você pode cobrar por ela o preço que quiser. Uma agência fez uma marca para ele, mas se eu ia dar uma, porque ele foi fazer com agência? Deve ter custado R$ 25 milhões.

O sr. acompanha o noticiário político? Pretende votar nas próximas eleições?
Sempre votei, nunca deixei de votar. Votei na Dilma, mas ela se perdeu no meio do caminho. Não era do ramo. O governo Lula foi o mais bem-sucedido da história do Brasil, porque ele foi o primeiro presidente que não achou que o mundo começava nele. Tudo que o Fernando Henrique tinha feito, ele pegou, ajeitou e deu continuidade. Ele teve a humildade de dizer que não entendia nada de economia, quem é que orientava ele? O Delfim [Neto]. A Dilma entrou e achou que era economista, ela que conduziu a economia, e enfiou os pés pelas mãos.

O sr. acha que Lula vai disputar as eleições ou vai ser preso antes?
Vai acabar preso, claro, porque se ele disputar, ele ganha. Esse país é muito maluco. O Lula já está no DNA [do país]. Por que essa eficiente equipe da Lava Jato, que já pegou todo mundo, está nessa dificuldade de pegar o Lula? Não tem nem um deputado do Brasil que não tenha ganho presente de empresário.

E o sr. acha isso aceitável?
É claro que não acho, mas não é o habitual, não é como se faz? O Lula é esperto, mas não tem berço, não tem a nossa moral burguesa.

Ele teria seu voto para presidente?
Agora, não sei não. Na Marina eu não votava nem para síndica. O Ciro eu acho meio tolo, fala demais. O Doria é um rapaz que lutou muito para ficar rico, segundo a história que ele conta, mas é um idiota completo. Não tenho candidato não.

Em quem o sr. votou para prefeito do Rio?
No [Marcelo] Freixo, por eliminação. Ele é a mesma coisa da Dilma, um menino de coragem desabrida, mas não é do ramo, vai administrar essa cidade? Eu não preciso de um cara desabrido para prefeito, preciso de um competente.












November 8, 2017

É preciso flexibilizar direitos sociais para haver emprego, diz chefe do TST

O presidente do TST, ministro Ives Gandra da Silva Martins Filho

06/11/2017
FOLHA DE SÃO PAULO

Ocupante do mais importante cargo da Justiça do Trabalho, o presidente do TST (Tribunal Superior do Trabalho), ministro Ives Gandra da Silva Martins Filho, diz que é necessário reduzir direitos para garantir empregos.
 "Nunca vou conseguir combater desemprego só aumentando direito."

Gandra afirma ainda não ver problema em trecho polêmico da reforma trabalhista que estabelece indenização por dano moral com valor proporcional ao salário.

"Não é possível dar a uma pessoa que recebia um salário mínimo o mesmo tratamento, no pagamento por dano moral, que dou para quem recebe salário de R$ 50 mil. É como se o fulano tivesse ganhado na loteria."

Para ele, a reforma quebra a rigidez da legislação e dá segurança jurídica às empresas em um ambiente de novas tecnologias.
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Folha - A reforma entra em vigor dia 11. Quais as principais mudanças no curto prazo?
Ives Gandra - A espinha dorsal da reforma foi o prestígio à negociação coletiva. É importante porque quebra a rigidez da legislação. Tem a possibilidade de, em crise econômica, trocar um direito por outra vantagem. Por exemplo, um reajuste salarial menor, mas com uma vantagem compensatória: eu garanto por um ano seu emprego ou vou te dar um reajuste do auxílio-alimentação superior à inflação.
 
O senhor falou em crise. A mesma reforma seria feita em outro contexto?
Modernizar a legislação já era uma necessidade. Você vê novas formas de contratação e novas tecnologias. Não havia normativo. A reforma deu segurança jurídica. Em época de crise, se não estiverem claras as regras, o investidor não investe no Brasil.
Se o juiz não tem regras claras, aplica princípios para conceder direito. Se for somando esses encargos, chega uma hora em que o empregador não tem como assimilar.
 
O senhor quer dizer que isso colaborou com a crise?
Colaborou. Um pouco da crise veio exatamente do crescimento de encargos trabalhistas. Para você ter uma reforma que o governo manda dez artigos e sai do Congresso com cem alterados, é porque havia demanda reprimida.
 
A grande alteração do texto na Câmara é apontada como uma demanda do lado das empresas. O sr. concorda?
Sim e não. Por um lado, muitas súmulas ampliaram direitos sem que tivesse uma base legal clara. Volta e meia recebíamos pedidos do setor patronal para rever súmulas. O Congresso reviu e agora temos que fazer revisão das nossas súmulas.
Por um lado, foi a demanda das empresas, insatisfeitas com a ampliação de direitos. Por outro, muitos direitos foram criados pela reforma.
 
Quais direitos?
Tinha uma súmula do TST que disciplinava a terceirização. Agora, há uma lei. A reforma, para os terceirizados, não precarizou condições.
 
Com novas regras, ficará mais fácil ser empregador?
Sim. Quando você prestigia a negociação coletiva, em que posso contratar rapidamente e demitir sem tanta burocracia, o empregador que pensaria dez vezes em contratar mais um funcionário contrata dois, três. Isso está sendo feito em toda Europa.
 
Fica pior ser empregado?
Não. Fica mais fácil. Por exemplo, a regulamentação do trabalho intermitente. A pessoa não teria um emprego se fosse com jornada semanal.
O garçom, por exemplo, vai trabalhar em fim de semana, determinadas horas. Eu te pago a jornada conforme a demanda que eu tiver. Quando eu precisar, eu te aviso. Com o trabalho intermitente, você consegue ajeitar a sua vida do jeito que quer. As novas modalidades permitem compaginar outras prioridades com uma fonte de renda laboral.
 
A reforma é inconstitucional?
Afronta literal à Constituição não vi nenhuma. Até os pontos que haveria maior discussão, como parametrizar os danos morais... Precisamos de um parâmetro.


A nova lei coloca o salário como parâmetro.
O que se tem discutido: pode ser o salário? Não faria uma mesma ofensa, dependendo do salário, ter tratamento desigual? Ora, o que você ganha mostra sua condição social.
Não é possível dar a uma pessoa que recebia um mínimo o mesmo tratamento, no pagamento por dano moral, que dou para quem recebe salário de R$ 50 mil. É como se o fulano tivesse ganhado na loteria.
 
É justo que duas pessoas que sofreram o mesmo dano recebam indenizações diferentes?
Isso serve de parâmetro. O juiz é que vai estabelecer a dosagem. Se a ofensa é a mesma, a tendência será, para o trabalhador que ganha muito, jogar o mínimo, e o que ganha pouco, jogar para o máximo. Você mais ou menos equaliza.
Sem parâmetro, há uma margem de discricionariedade que você pode jogar um valor que, se trabalhasse a vida inteira naquele trabalho, não ganharia o que está ganhando porque fizeram uma brincadeira de mau gosto contigo. Às vezes, é por uma brincadeira de mau gosto que se aplica a indenização por dano moral.
 
Por que a reforma gerou tantas reações negativas?
Para muitos juízes, procuradores, advogados, negociação só existe para aumentar direito do trabalhador. Esquecem que a Constituição diz que é possível reduzir salário e jornada por negociação coletiva. Se você passa 50 anos crescendo salário e direito, termina ganhando R$ 50 mil por jornada de cinco horas. Não há empresa ou país que suporte.
O governo anterior editou uma medida principalmente para o setor automotivo, criando o programa de proteção ao emprego. Os dois pilares eram reduzir jornada e salário para evitar o desemprego. Posso querer dar direitos aos funcionários, mas tenho que competir no mercado.
 
O sr. falou de outros países...
A reforma na Espanha também foi contestada do ponto de vista constitucional. O começo da sentença diz: nossa Constituição tem valores que são colocados como centrais e, às vezes, podem conflitar. Queremos garantir direito trabalhista e, ao mesmo tempo, pleno emprego.
Esses dois valores, em determinados momentos, e é o momento que a Espanha estava atravessando, de 25% de desemprego... Se eu não admitir que isso aqui [direitos] não pode crescer, nunca vou atingir o pleno emprego.
Nunca vou conseguir combater desemprego só aumentando direito. Vou ter que admitir que, para garantia de emprego, tenho que reduzir um pouquinho, flexibilizar um pouquinho os direitos sociais.
 
É o que está ocorrendo aqui?
É o que está acontecendo.
 
A Justiça do Trabalho é muito benéfica para o trabalhador?
Não é privilégio da Justiça do Trabalho. Há um ativismo geral. Desde o Supremo. Quando você amplia direito com base em princípios, alguém tem que pagar a conta.
 
Qual será o impacto da reforma para os magistrados?
Simplificar processo e racionalizar a prestação jurisdicional. Vamos julgar só causas mais relevantes. O advogado do empregado terá de pensar muito antes de entrar com ação, o do empregador terá de pensar muito antes de recorrer.
 
A reforma vai diminuir a demanda no Judiciário?
Hoje o trabalhador pode acionar e depois se descobrir que ele já tinha recebido e simplesmente dizer: tudo bem, não vai receber nada porque já recebeu? Ué, fica elas por elas? Está fazendo com que o empregador contrate advogado, o juiz gaste tempo para julgar.
Por outro lado, temos o acordo extrajudicial, que pode ser homologado na Justiça. Isso pode aumentar [demanda] no primeiro momento. Uma vai compensar a outra.
 
O pagamento das custas (que passam a ser do trabalhador em caso de perda parcial ou integral de ação) pode valer para quem entrou na Justiça antes da reforma?
As normas legais se aplicam imediatamente a todos os contratos. Os processos antigos são regidos pela lei anterior.
 
O fim do imposto sindical obrigatório é boa medida?
Ótima. Foi um milagre ter acontecido. Haverá um sindicalismo muito mais realista, não monopólio. Hoje, quem está aí ganhando imposto obrigatório não precisa fazer maior esforço.
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