janio de freitas
Nos seus dois anos de ação que se completam neste março, o juiz, os procuradores e os policiais da Lava Jato vieram em crescendo incessante nos excessos de poder, mas o ambiente em que esbanjaram arbitrariedade não é mais o mesmo. O exagero de prepotência faz emergirem reações em ao menos três níveis.
O que se passou de quinta (3) para a sexta (4) passadas não foram ocorrências desconectadas. Foram fatos combinados para eclodirem todos de um dia para o outro, com preparação estonteante no primeiro e o festival de ações no segundo. O texto preparado na Lava Jato para entrega ao Supremo Tribunal Federal, como compromisso de delação de Delcídio do Amaral, está pronto desde dezembro. À espera de determinada ocasião.
Por que a intermediação para o momento especial foi da "IstoÉ", desprezada pela Lava Jato nos dois anos de sua associação com "Veja" e "Época"? É que estas duas, na corrida para ver qual acusa e denuncia mais, costumam antecipar na internet os seus bombardeios. A Lava Jato desejava que a alegada delação de Delcídio só fosse divulgada na quinta-feira, véspera das ações planejadas. A primeira etapa funcionou sem falhas, até para "IstoÉ" lembrar-se de si mesma.
Ainda no começo da noite de quinta, Ricardo Boechat deu com precedência e correção, no Jornal da Band, a íntegra da nota em que Delcídio negou confirmação ao "conteúdo da reportagem de IstoÉ" e negou "reconhecer a autenticidade dos documentos acostados ao texto". Mas a conduta comum aos jornais, TV e rádios foi tratar como verdadeira a alegada delação de Delcídio. Nos dois jornais mais relevantes, o desmentido só foi referido na 21ª linha das 31 sob a grande manchete ("O Globo": "Embora o senador diga que não confirma a reportagem", e muda o assunto). Nas 54 linhas sob a grande manchete na edição nacional da Folha, nenhuma referência ao desmentido, no entanto citado em parte com destaque no interior.
Situação curiosa: o Delcídio tratado como parlapatão, pelo que disse ao Cerveró filho, merece crédito absoluto quando incriminador de Dilma e Lula, e volta a ser declarante desprezível quando nega as incriminações. Uma oscilação que pode ser política ou ter qualquer outra origem, mas jornalística não é. Em tempo: o filho de Cerveró foi mandado para o exterior.
As ações da sexta-feira quase santa foram sintetizadas, não por acaso, no título do artigo, naquele dia mesmo, de um dos irmãos em fé de vários integrantes da Lava Jato: "Destituição de Dilma é missão cristã". Do pastor evangélico Wilton Acosta, presidente do Fórum Evangélico Nacional de Ação Social e Política. Adequado texto de fundo para a chegada da Polícia Federal à moradia de Lula, levando-o; e para as invasões do Instituto Lula e do sítio em Atibaia. Com base em razão assim exposta uma semana antes pelo procurador Carlos Fernando dos Santos Lima, ao falar da obra no sítio: "Eu desconfio" (de relação entre Lula e empreiteiras). Mas procurador e policial que desconfia não vão para os jornais. Vão trabalhar. Para esclarecer sua desconfiança e dar ao país informações decentes.
Em São Paulo, em São Bernardo, no Rio, em Salvador, pelo menos, houve amostras eloquentes de que os ânimos da militância dos mais sofridos está próximo do ponto de descontrole. Um aviso à Lava Jato de que sua "missão cristã" não pode continuar tão mais missão do que cristã. Em paralelo, o pronunciamento de Lula, revivendo o extraordinário mitingueiro, não apenas deixou pasmos os que esperavam vê-lo demolido, a ponto de que também a Globo transmitiu-o ao vivo. Calmo, desafiador, o pronunciamento abriu a única perspectiva conhecida de restauração do PT, com Lula em campo pelo país afora, e já enfrentando os que pretendem extinguir os dois.
O ministro Marco Aurélio de Mello, ele quase sempre, convocou diante das atitudes de Sergio Moro: "Precisamos colocar os pingos nos is. (...) Amanhã constroem um paredão na praça dos Três Poderes". Apontava a ilegalidade da decisão de Moro referente a Lula, e foi forte: "paredão" remeteu ao "paredón" dos fuzilamentos nos primórdios da revolução cubana. Considera que Moro age por critério seu, não pelos da legislação. O resultado são "atos de força". E "isso implica retrocesso, não avanço". Marco Aurélio não falou só por falar.
A megaoperação resultou em mega-advertência à Lava Jato.
FOLHA DE SÃO PAULO, 6 DE MARÇO DE 20Q6
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