Marcus Faustini
O discurso
da moralidade — bem e mal, puros e impuros — não será suficiente para
criar o pacto de que a sociedade brasileira precisa na superação da
crise política. Mostrar claramente quais são as propostas de
continuidade da diminuição das desigualdades é um pressuposto básico.
A
crise política é também uma dimensão da cultura. Sempre é? Por
definição é possível dizer que sim, pois a política expressa, além das
dimensões de disputa de poder, modos culturais em encontros e
desencontros. O que queremos ressaltar aqui, entretanto, é que a atual
crise política expõe a fragilidade de um modelo de representação que não
dá mais conta dos sujeitos do novo tecido social brasileiro. Eles
trazem uma demanda por uma nova forma de se fazer política? Sim! Mas,
sobretudo, exigem um lugar claro para a diminuição das desigualdades.
Muitas
foram as reações à ida, pela condução coercitiva, do ex-presidente Lula
para prestar depoimento nas investigações da Lava-Jato. Daquelas que
apontavam nesse ato mais uma investida contra o estado democrático de
direito até as que viam, nessa ação, a comprovação de culpa do líder
popular. Entre as reações contrárias, uma delas não pode ser taxada de
reação orquestrada de militantes “pagos”: a fala de diversos jovens que
não são petistas, bastante críticos cotidianamente ao partido,
defendendo as conquistas sociais e vendo Lula como um espelho desses
avanços. O ato de conduzi-lo dessa forma soou como um espetáculo para
atingir o imaginário dessas conquistas.
Esses
jovens são formadores de opinião dessa geração de origem popular que,
mesmo com a diminuição de seu poder econômico com a crise, mantém
códigos médios urbanos alcançados pelas políticas de mobilidade social
acentuadas no governo de Lula. Não à toa, os engajamentos dessa
juventude estão focados nas questões do direito à cidade e respeito às
minorias. Precisam que a cidade seja barata e democrática por serem uma
classe média emergente com desejo de experiências culturais e de
protagonismo nas representações. Para aqueles que se colocam em oposição
ao PT, o medo de assumir compromissos com projetos claros de melhoria
de vida das pessoas revela uma tentativa de flerte com uma elite
conservadora, que se sentiu ameaçada em dividir os espaços político e
público e nas representações sociais do país com esses que ganharam
força na última década. Enquanto a economia dava sinais positivos, isso
era até tolerável, desde que existisse a manutenção da hierarquia em
quem determinava o que poderia ser absorvido ou não.
Não
estamos dizendo aqui que existiu ou não corrupção envolvendo Lula. Isso
deve ser investigado com a sobriedade de que a Justiça precisa. Mas a
espetacularização presente torna-se um instrumento para desgaste
político daqueles que ocupam o governo central muito mais do que o
combate aos processos de corrupção, gerando dúvidas de seus objetivos e
reações desses que emergiram no novo tecido social proporcionado pelas
mudanças no país.
O maior desafio do país é a desigualdade social, é preciso lembrar sempre! Políticas para sua superação não podem ser apenas um plus,
uma benevolência, de quando estamos em momentos de “bonança” na
economia. Suas causas são as já exaustivamente debatidas falta de acesso
a oportunidades iguais para todos, mas, sobretudo, a concentração de
renda. O racismo estruturado dentro do Estado e nas representações na
vida pública é instrumento da manutenção dessas desigualdades. A
corrupção é uma das práticas de relação com o Estado que também mantêm
círculos de poder para poucos. É comum escutarmos que só o acesso à
educação de qualidade pode diminuir a longo prazo essas desigualdades e
suas formas de manutenção. Mas a diminuição da desigualdade não pode ser
um projeto apenas de futuro. Ela é uma dimensão de nosso tempo
presente. As políticas sociais, reparadoras e emancipatórias,
comprovaram-se eficazes caminhos nos últimos anos. Formaram esse novo
tecido social de indivíduos que possuem a clareza da necessidade dessas
políticas. Fico me perguntando por que políticos de oposição não assumem
com clareza a defesa das políticas sociais e se debruçam em propostas
de seu desenvolvimento, corrigindo distorções e racionalizando o meio de
campo para que essas consigam chegar a mais pessoas. Ao apenas dizer,
laconicamente, que são a favor da continuidade sem que isso se traduza
em gestos de compromisso fazem parecer que os discursos contra Lula e o
PT estão ligados mais ao sucesso de suas políticas de ascensão dos mais
pobres do que exatamente por possíveis envolvimentos em esquemas de
corrupção.
As políticas sociais não podem ser
apenas assistencialistas, para cuidar, mas manter uma determinada
condição. Devem, sim, produzir mobilidade social, onde esses atendidos
sejam protagonistas da vida social. Essa é a expectativa de grande parte
dos cidadãos do Brasil do século XXI. Uma tarefa de qualquer partido
que deseja fazer parte de nossas vidas.
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