Bernardo Guimarães e Carlos Eduardo Soares Gonçalves
Um castelo que vale R$ 25 milhões, uma nova denúncia sobre grande esquema de corrupção nos contratos do Senado, eis novamente o tema da corrupção nos jornais. Com frequência, a discussão sobre os males da corrupção vêm à tona. Afinal, um roubo de R$ 200 milhões equivale a cerca de R$ 1,00 por habitante no Brasil. Que males isso causa? Quanta energia vale a pena gastar com isso?
A corrupção, na realidade, custa muito caro. Estudos empíricos comprovam que nos países onde há mais corrupção o crescimento da economia é menor, pois menos negócios são abertos, há menos inovações, maior grau de informalidade na economia, etc. Do ponto de vista financeiro, a corrupção é de fato ruim para o país como um todo. E esse efeito é bastante significativo.
Por outro lado, muitos apontam os custos de investigar essas denúncias: alguns alertam que a imagem do país ficará arranhada e afastará os investimentos, então é mais desejável prosseguir com cautela; outros argumentam que esse tipo de operação paralisa o governo ou o Legislativo, acarretando perdas ainda maiores, pois, afinal, os erros importantes de políticas custam muito mais que os milhões ou bilhões roubados aqui e ali.
Lendo as notícias sobre esses escândalos e as análises dos especialistas, lembro-me de mim, aos 18 anos, protestando, indignado com os roubos do dinheiro público. Eu sempre perdia a paciência nas discussões, e não aceitava pensar a questão da corrupção dessa maneira. Quanto a corrupção custa para o país, quanto se gasta para combatê-la, é só isso? E a questão moral? E o dinheiro indo para as mãos dos ladrões, dinheiro que deveria ir para os mais necessitados?
Dezoito anos depois, muita coisa mudou, incluindo minha maneira de pensar e entender o mundo. Mas os casos de corrupção, esses continuam frequentando o noticiário. E, com frequência, algum especialista está na imprensa pesando os custos financeiros da corrupção, ante os custos financeiros das operações de combate a ela, para concluir que "do ponto de vista econômico..."
Do ponto de vista econômico, uma ova! - grita, dentro de mim, aquele menino de 18 anos que fui, agora com toda a arrogância que diplomas, prêmios e títulos me permitem. Porque, do ponto de vista da teoria econômica, ignorar essas questões morais nas análises sobre a corrupção está fundamentalmente errado.
Economistas normalmente falam sobre as vantagens do comércio e das trocas. Trocar me permite abrir mão de algo que não quero tanto para obter alguma coisa a que atribuo maior valor. Note que para que trocar seja bom para mim é preciso admitir que eu aja de acordo com minhas preferências. Por exemplo, se eu escolho trocar R$ 120 por uma camisa do São Bento de Sorocaba, é porque a camisa é melhor que os R$ 120 para mim. Da mesma maneira, alguém pode escolher gastar R$ 5 mil para comprar uma bolsa de marca, e no cômputo do PIB o valor daquela bolsa será exatamente o preço pago, R$ 5 mil.
A bolsa de R$ 5 mil e a camisa do São Bento de Sorocaba entram no cômputo do PIB. Mas a raiva e a tristeza que sentimos não, assim como nosso sono tranquilo e nossas risadas não são considerados nessas estatísticas. Isso não quer dizer que essas coisas sejam menos importantes: apenas não sabemos como medi-las.
O roubo do dinheiro público é visto como uma injustiça pela maioria. E a maior parte de nós odeia injustiças. Assim, muitos estariam felizes em abrir mão de razoáveis somas de dinheiro se isso implicasse habitar um mundo com menos pessoas vivendo à custa de roubar os outros, apenas pelo prazer de viver em um mundo com menos injustiças.
Por exemplo, se fico triste ao saber que o dinheiro público foi roubado e ficaria feliz em ter R$ 120 a menos em troca de menos corrupção no país, mesmo que não me trouxesse diretamente nenhum benefício, isso significa que a corrupção tem um custo para mim maior que R$ 120. Esse custo, o custo de me deixar triste, não está sendo computado nos cálculos puramente financeiros sobre o custo da corrupção.
A teoria econômica não nos manda atribuir valor para a camisa do São Bento e desconsiderar o valor dos sentimentos nas análises econômicas. Quando consideramos se uma medida é boa ou não, estamos pensando no impacto sobre a vida das pessoas em termos de desemprego, salário, consumo, etc. No fim, essas variáveis econômicas terão impacto na felicidade de todos aqueles afetados pelas políticas em questão.
As questões mais subjetivas normalmente não são diretamente consideradas nas análises dos economistas - até porque é difícil medi-las e avaliá-las. Contudo, em alguns casos, é importante considerar os sonhos e as expectativas para entendermos as ações e as escolhas das pessoas.
Toda semana, milhares de brasileiros vão às lotéricas tentar a sorte na Mega-Sena. Do ponto de vista financeiro, um péssimo investimento. A parte do dinheiro que volta aos apostadores é menor que a metade do dinheiro apostado.
Normalmente, fazemos tudo para evitar perder dinheiro dessa maneira. Por exemplo, ninguém entraria numa disputa de cara ou coroa que rendesse R$ 20 no caso de vitória, mas custasse R$ 50 em caso de derrota. Da mesma maneira, jogar um dado para ganhar R$ 20 se der o número 6 e perder R$ 10 se der qualquer outro número não soa minimamente atraente. Contudo, é basicamente isso que milhões de pessoas fazem, por todo o mundo, quando jogam na loteria. A diferença é que os valores envolvidos são bastante diferentes: por exemplo, a chance de ganhar R$ 350 mil com uma aposta de R$ 1,00 é de uma em um milhão.
Na maior parte das vezes, pagamos para evitar os riscos. Como donos de carros, pagamos para as seguradoras mais do que recebemos delas, em média, para ser ressarcidos no caso de furto do nosso automóvel. Afinal, pagar um pouco por ano com certeza é melhor do que correr o risco de perder o carro se dermos azar.
No caso da Mega-Sena, nosso comportamento muda. Corremos risco e ainda saímos, em média, com menos dinheiro da jogada. Por quê? Está bem, de fato é mais difícil pensarmos nessas probabilidades muito pequenas e nessas quantias de dinheiro muito grandes. Mas a explicação não pode acabar aí, pois isso não explica por que muitos jogam com frequência na loteria, apesar de entender que a Mega-Sena, em média, dá um baita prejuízo. Por quê, então?
O bilhete da Mega-Sena nos permite sonhar. Com o bilhete nas mãos, é possível, ainda que altamente improvável, estarmos riquíssimos amanhã, podendo, assim, pagar todas as contas atrasadas, resolver todos os probleminhas financeiros da família, talvez dizer adeus ao trabalho e viajar para a Tailândia ou que sabe comprar um castelo que vale milhões sem roubar o dinheiro de ninguém! E a conversa no bar sobre o que fazer com os milhões já nos deixa animados. O sonho é suficiente para nos deixar feliz, pelo menos por uns minutinhos.
Sonhos de morar em um castelo e castelos que atrapalham nosso sono não são menos importantes que uma gravata nova, a camisa do nosso time ou uma bolsa de marca sofisticada. Para muita gente, um sono tranquilo toda noite vale mais que muito dinheiro.
Sob o ponto de vista financeiro, a corrupção custa muito, muito caro para o país, e esse custo é grande o suficiente para que busquemos políticas que visem a combatê-la ou a reduzir as possibilidades de ela ocorrer. Mas além disso, sob o ponto de vista da teoria econômica, não há nada de errado em querermos pagar caro para reduzir a corrupção pelo simples prazer de morarmos em um mundo com menos injustiças.
Carlos Eduardo Soares Gonçalves, professor da FEA/USP, e Bernardo Guimarães, professor da London School of Economics, são autores de "Economia sem Truques" (Campus/Elsevier).
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