June 21, 2009

"Atrapalhou minha vida, acabou com a dele", diz vítima

DA SUCURSAL DO RIO

Quase quatro décadas depois dos eletrochoques acionados com manivela e do espancamento que ele denunciou ter sofrido e sentença judicial reconheceu, Raphael Viviani, 68, esboça em mão dupla seu balanço sincero da história: "Isso aí atrapalhou deveras a minha vida, passei um sufoco muito grande. E ele também acabou com a vida dele".

"Ele" é Wilson Simonal, o ex-patrão cuja firma foi alvo de uma reclamação trabalhista do seu antigo chefe de escritório -e não contador, como até hoje se repete- contratado em outubro de 1970 e demitido em junho seguinte.

Em 24 de agosto de 1971, por volta das 23h50, um agente e um colaborador do Dops apanharam-no em casa. Era o dia seguinte à notificação da queixa pela Junta de Conciliação.
Já na companhia de Simonal, levaram-no para a repartição policial -de onde ele sairia por volta das 20h do dia 25, após redigir de próprio punho uma confissão de apropriação indébita.

Obrigaram-no -foi isso que a Justiça concluiu - a escrever que gastou o dinheiro em "noitadas, bebidas e mulheres". No processo, não consta prova ou indício documental de desvio.

"Como é que eu vou esquecer uma coisa dessa?", pergunta, sobre os idos de 1971. "Não tem jeito de esquecer aqueles dias tumultuados. Se você me visse antes e depois daquela noite que eu passei sendo torturado lá, não diria que é a mesma pessoa."

"Uma foto antes e uma depois, elas saíram num jornal vagabundo, que inverteu toda a minha história, você não diz que é a mesma pessoa. É uma coisa que eu não vou esquecer. Vou acabar levando para o túmulo."

Viviani conversou com a Folha por telefone -foi fácil encontrá-lo recorrendo à lista, pelo nome de um parente que mora com ele em um bairro da zona oeste de São Paulo.

O escriturário conta estar aposentado por invalidez permanente -um diabetes que teria começado a se manifestar em seguida à sua detenção.

Ele reapareceu publicamente com um depoimento no filme "Simonal - Ninguém Sabe o Duro Que Dei".

Como ainda recordava o tom antipático contra ele em segmentos consideráveis do jornalismo, nos dias e semanas posteriores à sua passagem pelo Dops, falou ao documentário "para desabafar um pouco".

"Estava todo mundo formando ideia contra mim. Vou esclarecer isso aí, não devo nada, seria bom. Minha família não gostou que eu tenha feito isso. E até hoje eles não querem que eu mexa mais com isso. E eu não tenho muito o que falar." (MM)

Folha, 21 de junho de 2009


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