Obra-prima, "Thriller" custou a vida de Michael
Tudo o que Michael Jackson fez depois deixou a desejar
PAULO RICARDO
ESPECIAL PARA A FOLHA
ABC, easy as 1,2,3, a NBC confirma, a CNN não confirma, mas segundo a TMZ... nesse festival de siglas, intrigas e mistérios, a dura e nua verdade é que Michael Jackson já estava morto há muito tempo.
Da mesma forma metafórica que Elvis morreu quando entrou para o Exército, segundo os puristas do rock"n"roll, aquele negro querubim que conquistou corações e mentes de todo o mundo, de certa forma foi se deteriorando como um antigo fax, à medida em que perdia a cor. Talvez Michael esteja agora em alguma cidade fantasma imaginária conversando com Elvis e Hitler.
Contudo, esta informação ainda não está confirmada!
Meu primeiro contato com Mr. M foi por meio do desenho animado que ele e seus irmãos do Jackson 5 estrelaram no começo dos anos 70. E eu me perguntava qual seria o efeito, na cabeça de uma criança, ao assistir seu desenho favorito... o de si mesmo. Devastador, mostrariam os capítulos seguintes.
Aquela miniatura de James Brown, com voz de Diana Ross, estava só no começo de sua escalada até se intitular King of Pop.
Mas não sei se vocês, leitores, sentiram a estupefação que senti ao vê-lo fantasiado de Billy Idol, com sua voz de contratenor gritando "I"m bad", enquanto segurava suas partes num gesto quase obsceno.
O que se seguiu foi um festival de delírios totalitários fascistas, trajes reais, salpicados de cristais Swarowski, e muita, muita bizarrice enquanto Michael tentava se metamorfosear em Elizabeth Taylor. Tudo isso servido com uma suave redução de pedofilia light.
Mas paralelamente, sua música deixava cada vez mais a desejar. Até porque qualquer novo trabalho de Jacko Wacko seria impiedosamente julgado pelo mais cruel dos parâmetros: a inigualável obra-prima "Thriller".
Disco mais vendido da história da humanidade, este trabalho revolucionou o entretenimento de uma maneira sem igual, Fred Astaire, Beatles, Stones, MTV, Walt Disney, Quincy Jones, Eddie Van Halen, enfim, uma síntese sem precedentes para um sucesso mortal, e que praticamente custou a vida de seu artífice.
Os fãs de hoje são os linchadores de amanhã, já dizia Millôr. Nunca me senti atraído por essas imolações em praça pública da recente cultura de celebridades. Sentia sim, muita falta daquele jovem negro lindo de black-tie na capa de "Off the Wall", daquele R & B melódico, dançante, daquela voz sem igual. Agora vamos nos sentar e nos preparar para o macabro espetáculo midiático que se seguirá à morte de Michael.
Só nos resta refletir que, talvez, um pouco como Jesus Cristo, um pouco como John Kennedy, como disse Mick Jagger, quem matou Michael Jackson, it was you and me.
PAULO RICARDO é cantor e compositor.
Folha, 26 de junho de 2009
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