Nelson Paes Leme, O Globo
Parlamento brasileiro já não representa a sociedade civil há muito tempo, mas ainda insiste em sórdidas manobras e conchavos nada republicanos
Parece que os Três Poderes dessa República em avançado estado de putrefação não compreenderam bem o recado e o significado dos grandes movimentos populares contra a corrupção e a impunidade dos políticos que vêm ocorrendo no Brasil desde o mensalão.
O povo brasileiro simplesmente não aceita mais ser conduzido por essa classe política nauseabunda que agoniza sem qualquer senso autocrítico.
O Parlamento brasileiro já não representa a sociedade civil há muito tempo, mas ainda insiste em sórdidas manobras e conchavos nada republicanos, visando a usufruir do simulacro de representação que ainda lhe resta.
Os recentes movimentos no Executivo e no Legislativo, literalmente conluiados, a essa altura, para tentar melar e desarticular a Operação Lava-Jato — no momento da verdadeira devassa que as colaborações premiadas das empreiteiras lançam ambos os poderes no epicentro da mais escancarada corrupção passiva — são agressivos. Isso dá bem a medida da ousadia e do claro enfrentamento a que se dispõem os políticos delatados, como arma de defesa
.
O PMDB, nitidamente desfigurado de seu papel histórico, uma vez que da cúpula partidária há egressos de legendas espúrias de todos os matizes, menos do velho partido de Tancredo Neves e Ulysses Guimarães, debate-se em fétidos estertores.
Qual a única saída para essa súcia? Apostar no quanto pior, melhor.
Uma Comissão de Constituição e Justiça do Senado, prenhe de delatados e investigados, ainda por cima presidida pelo notório Edison Lobão, é uma verdadeira cusparada no rosto de uma sociedade cada vez mais distante e horrorizada com a representação política em nosso país, em meio à maior crise econômica, federativa e social, cujo emblema de frontispício é o maior desemprego de que se tem notícia na História do Brasil.
A desarticulação e a desorganização das forças que, bravamente, tentam resistir e que têm conseguido colocar, via internet, essas multidões em pacíficas passeatas nas ruas só atendem aos interesses dos maus políticos.
De nada adianta ficarem essas massas inorgânicas desfilando aos domingos pelas avenidas das cidades quando tudo o que de menos republicano ocorre fica a centenas, às vezes milhares de quilômetros dos grandes centros urbanos, no Planalto Central do Brasil, em meio a uma arquitetura de ficção científica. E ocorre nos dias úteis (ou seriam inúteis?).
Os prédios tombados de Oscar Niemeyer são hoje o abrigo dessa conspiração espúria: melar a Lava-Jato, transformando juízes como Sérgio Moro e Marcelo Bretas em pérfidos, cruéis e desumanos algozes; os jovens procuradores da República em precipitados e levianos advogados públicos e os policiais federais em atores de algum filmezinho qualquer de seriado de TV. Não é bem assim.
Há uma nova geração de homens e mulheres públicos e públicas concursados e concursadas, idealistas, estudiosos e estudiosas da História, que não aceita mais o cinismo dessas raposas de cabelos pintados e implantados e desses bigodes tingidos, traçando os destinos da Nação em seus ternos de grife e colarinhos brancos enxovalhados com a imundície dos desvios de dinheiro público.
Dinheiro que poderia estar minorando a precariedade dos serviços essenciais a uma população majoritariamente desatendida e depauperada, a morrer desumanamente nos corredores dos hospitais sucateados ou pelas balas perdidas, na verdadeira guerra urbana potencializada pelas rebeliões nos fétidos e superpopulados presídios.
Todos vítimas de uma educação falida e mal paga, com as principais universidades brasileiras fechando as portas por falta até de papel higiênico.
Essa é a realidade do Brasil de hoje que essas hienas nos entregam sem qualquer arrependimento ou escrúpulo.
Em qualquer outro país do mundo, uma tal ordem (ou desordem) dessa natureza já teria sido rompida, pelo menos para tentar-se uma nova ordem.
Imaginar que esses marginais da política, ainda investidos em seus mandatos, irão entregar o poder que têm, por bem, é acreditar em Papai Noel.
Sem que o povo brasileiro abdique de suas comodidades urbanas e promova uma gigantesca marcha sobre a Capital Federal, distante e alienada desse país continental, nada ocorrerá. A Marcha sobre Brasília é uma imposição da História.
Milhões de brasileiros e brasileiras criando um grande congestionamento nas largas avenidas de Lucio Costa e cercando os prédios de Niemeyer, em apoio a esses jovens juízes, promotores e policiais federais, certamente irá promover um grande debate interno dentro dos palácios, onde uma tímida oposição a esse descalabro mal consegue alguma voz na mídia. Esta prefere dar voz à ignomínia dessas aves de rapina que infestam e infectam a vida pública.
Vorazes predadores inconsequentes de uma república agônica e desgovernada em direção a algum fatal iceberg.
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