July 2, 2020

Esquetes, espetáculos e até mininovelas criados com recursos do celular viram hits do isolamento



Nomes como Pedroca, Mario Júnior e Rafael Infante viralizam conteúdo com muitos filtros de rosto e interação com a câmera Foto: Arte O Globo

Nelson Gobbi e Bolívar Torres

Primeiro surgiu Pipi, gato que desabafa contra atitudes do dono, como furar o confinamento para ir comprar sapatênis. Depois vieram Ivanildo e Letícia, ex-casal que ensaia uma reconciliação em plena quarentena. E assim, o Instagram de Pedroca Monteiro (do humorístico “Fora de hora”) foi ganhando personagens. Todos interpretados pelo ator e diferenciados pelos filtros que o aplicativo joga em seu rosto, eles conversam na sequência de posts — cada vídeo traz uma fala do diálogo. O conjunto de cenas curtas acabou virando uma série, que Pedroca chamou de “Mininovela” e que virou um minihit do isolamento.
Com público fiel, obras com essa dialogam com os códigos das redes, fazendo do celular não só uma ferramenta de captação e transmissão mas também um meio que influencia o conteúdo. Criado para vencer as limitações impostas pela pandemia de Covid-19, esse tipo de produção cresce e permite explorar novas experiências narrativas.
— Eu já usava filtros no (aplicativo) Snapchat, e passei a usar mais no Instagram com a quarentena. Isso me ajuda a ser mais radical no texto do que nos vídeos do meu canal no YouTube, o “Pedroca Desabafa”, mas de uma forma afetiva — observa o ator. — Um gato falando mal do seu dono chega ao público com mais leveza e humor, mesmo abordando assuntos sérios.
Outro ator célebre por sua capacidade de criar personagens e vozes marcantes, Jefferson Schroeder também utiliza o Instagram para desenvolver tipos cômicos, como os ETs Etela e Cocola ou a aspirante a cartomante Teka. O ator — que participou da série “Diário de um confinado”, do Globoplay, gravada à distância na quarentena — combina as vozes que cria com os filtros disponíveis.
— Eles vão me guiando, mas já perdi personagens porque os filtros saíram do app. Agora trabalho com um programador para desenvolver os meus próprios — comenta Schroeder, para quem a autonomia é fundamental. — Às vezes, o ator que é criador vai para a TV e não rende como nas redes. É muita gente envolvida e isso tira a identidade. A partir da quarentena, vemos outras oportunidades de criação.
Também utilizando o Instagram para criar personagens, Rafael Infante viu um tipo interpretado por ele em um esquete do “Porta dos Fundos” de 2015 voltar ao canal graças a aparições no seu perfil na rede. Em alta no canal de humor, o comentarista Carlinhos Avelar tenta explicar ao público fatos como a prisão de Fabrício Queiroz ou briga entre a cantora Anitta e o jornalista Léo Dias, sempre de forma confusa. Para gravar os quadros do “Plantananã”, Infante utiliza seu celular e é dirigido à distância via Zoom.
— Fiz posts do Carlinhos de brincadeira, falando de questões da quarentena, como as faxinas. Estava conversando para voltar ao “Porta” e veio a ideia de trazê-lo — conta Infante. — Crio com a equipe o roteiro, a partir de fatos de repercussão nacional, mantendo o enquadramento do celular em pé. Muita gente me diz que conhece alguém que fala como ele, ou que tem um Carlinhos interior.
Mas as narrativas desenvolvidas a partir do uso do celular não se restringem ao humor e ao Instagram. Uma das maiores celebridades do TikTok no país, Mário Jr, ou Izmaario, tornou-se conhecido por seus vídeos sedutores no formato POV (ponto de vista), em que se dirige à câmera do telefone “interagindo” com personagens imaginárias. Inspirado nas comédias românticas, do qual é fã, ele encarna o “nice guy”, personagem que lhe rendeu em poucos meses quase um milhão de seguidores.
— Meu diferencial é elaborar essas histórias. O TikTok permite criar uma narrativa a partir de uma música, de uma dublagem. Eu peguei as comédias românticas que consumia e trouxe para minha realidade — diz Mário, que trabalha em um hotel na Inglaterra.
O uso do celular também possibilitou que o espetáculo “O filho do presidente” pudesse ser encenado em plena quarentena. Com direção de Natasha Corbelino e texto e atuação de Ricardo Cabral, a peça era ensaiada desde fevereiro, mas com a pandemia passou a incluir o aparelho como dispositivo de cena. Com o telefone na mão, Cabral aproxima e afasta sua imagem do público, que assiste ao espetáculo pelo Zoom, nos três meses em que ele está em cartaz.
— O audiovisual nos habituou com o enquadramento na horizontal. Optamos por enquadrar com o celular em pé, para dar uma bagunçada nesta produção de imagem — destaca Cabral. — É diferente de um teatro filmado, o telefone entra neste jogo lúdico como parte da cena.
Para a cineasta e produtora Camila Cornelsen, especializada em narrativas digitais, a dramaturgia que vemos nas várias plataformas ganhou mais evidência na quarentena, quando houve uma corrida às redes para se manter criativo e produtivo.
— Ferramentas usadas no TikTok já existiam no Snapchat e no Music.ly. As pessoas só não tinham chegado nelas ainda — diz Camila. — Para mim, o importante é entender como as pessoas estão consumindo essas imagens agora. E como fazer com que o material seja visto e absorvido nesse contexto.

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