Como é? O ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, aquele que gosta de sobrevoar a Praça dos Três Poderes em helicóptero militar exibindo óculos à Pinochet, resolveu apelar ao Código Penal Militar na sua representação contra o ministro Gilmar Mendes, do STF?
É mesmo, é?
Sim, há brecha para um civil ser processado pelo CPM. A questão é saber se estamos diante de uma situação que a justifique. Como evidencio em outro post, a resposta, obviamente, é não.
Mas é interessante escarafunchar o Código Penal Militar, não é mesmo?
Parece que o Ministério Público Militar, que integra o
Ministério Público da União, deveria atentar para o que dispõe o Artigo
292 do CPM:
"Está falando de quem, Reinaldo?"
Ora, do general Eduardo Pazuello e de seus auxiliares, também militares. Pode-se considerar que sua política ineficaz concorre para causar epidemia, ação semelhante, nessa esfera, àquela tipificada pelo Código Penal no Artigo 268: "Infringir determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa"
"Você está brincando, Reinaldo? Não viaja!"
Estou?
Ora, se um ministro do Supremo pode ser alvo de uma representação segundo o CPM, por que não, então, uma militar, que responde por uma política desastrosa de Saúde, não o seria?
"Ah, mas o código fala em 'lugar sujeito à administração militar'". Pois é, meus caros! Hoje, convenham, enquanto Pazuello e seus bravos estiverem lá, esse lugar é o Brasil inteiro.
GENOCÍDIO
Já que o tema é genocídio, também tal crime está contemplado no Código
Penal Militar, precisamente no Artigo 208, que transcrevo abaixo.
Casos assimilados
Parágrafo único. Será punido com reclusão, de quatro a quinze anos, quem, com o mesmo fim:
Uma política de saúde que distribui de modo incompetente a verba de que dispõe o Ministério para combater uma pandemia; que adota o protocolo para uso de um remédio que a ciência assevera ser ineficaz; que não dota os entes federados da infraestrutura necessária para enfrentar a doença; que tentou manipular os números sobre um mal que colhe os nacionais, bem, com alguma severidade — E DADAS AS CONSEQUÊNCIAS CONHECIDAS —, essa política parece incidir nos chamados "casos assimilados" de que trata o Artigo 208.
"Você está sugerindo que o Ministério Público Militar abra um procedimento para investigar os militares segundo os Artigos 208 e 292?"
Estou demonstrando que mais perto de condutas tipificadas como "crimes militares" estão os militares e civis (e civis também podem ser alvos de representação segundo o CPM, certo, ministro Fernando Azevedo e Silva?) do que, obviamente, o ministro Gilmar Mendes.
Aliás, notem que até o Código Penal Militar brasileiro adota uma concepção alargada de genocídio, uma acepção próxima daquela empregada pelo ministro Gilmar Mendes.
Um bom argumentador conseguiria demonstrar que a política em curso na área de Saúde "submete o grupo a condições de existência, físicas ou morais, capazes de ocasionar a eliminação de todos os seus membros ou parte deles".
Segundo os dados disponíveis, esse "eles", hoje, pode ser traduzido por "pretos e pobres" e "povos indígenas".
Aqueles que decidiram apelar à PGR contra Gilmar Mendes perderam definitivamente o juízo.
Talvez devessem olhar para o seu próprio Código Penal Militar
para constatar que a definição de genocídio que ali vai guarda
parentesco com o Artigo 6º do Estatuto de Roma, aplicado pelo Tribunal
Penal Internacional, a saber:
Para os fins do
presente Estatuto, entende-se por "genocídio" qualquer um dos atos
mencionados a seguir, praticados com a intenção de destruir total ou
parcialmente um grupo nacional, étnico, racial ou religioso como tal:
Matar membros do grupo;
Causar lesão grave à integridade física ou mental de membros do grupo;
Submeter intencionalmente o grupo a condições de existência capazes de
ocasionar-lhe a destruição física, total ou parcial;
Adotar medidas destinadas a impedir os nascimentos no seio do grupo;
Efetuar a transferência forçada de crianças do grupo para outro grupo.
Sim, eu sei: o Brasil ainda vive uma realidade em que um ministro da Defesa, general da reserva, pode apelar à Procuradoria Geral da República contra um ministro do Supremo com base no Código Penal Militar, mas onde o Ministério Público Militar não apela ao mesmo código para punir... militares.
Bolsonaro e seus bravos, no entanto, devem ficar atentos: o Tribunal Penal Internacional não passou
por uma ditadura. E lá vale o que está escrito.
Se o nome do jogo é recorrer ao Código Penal Militar, então a ele. Vamos ver quem tem mais contas a prestar ao dito-cujo.
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