Em meio à profunda crise pela qual passa o Brasil, Michel Temer e seu partido, o PMDB, preparam-se para assumir o Palácio do Planalto e já discutem a composição do novo governo. Fingem não ter qualquer responsabilidade pelo governo Dilma e apresentam-se como salvadores da pátria. Até parece que nunca estiveram no poder e com as mãos em ministérios estratégicos, como Agricultura e Energia, por tanto tempo.
O partido tem até um rascunho de plano de governo: o documento “Uma ponte para o futuro”, produzido em outubro. Esse programa difere em quase tudo do plano de governo apresentado em 2014 por Dilma Rousseff. E supera o plano da quase-ex-presidente em pelo menos um detalhe: a ausência total de menções a desenvolvimento sustentável.
Nas 19 páginas do documento peemedebista, as expressões “meio ambiente”, “mudança climática”, “energia renovável” e “baixo carbono” não aparecem. Nenhuma vez. A ausência de qualquer menção a compromissos com estas agendas estratégicas é um péssimo agouro.
O pacote de maldades do PMDB, disfarçado de agenda para “reconstruir o Estado”, traz, entre outras, medidas como desvinculação de gastos da União com saúde e educação, desindexação de salários (inclusive o mínimo), ajuste fiscal, privatizações e desregulamentação ampla, geral e quase irrestrita. É neste ponto que se insere a única e indireta menção ao meio ambiente na “Ponte para o futuro:” a proposta de aumento da “segurança jurídica (...) para a realização de investimentos, com ênfase nos licenciamentos ambientais”. Nem precisa ser tão bom entendedor para saber que a frase significa flexibilizar os licenciamentos.
Quem duvida pode olhar o documento-irmão da “Ponte para o futuro”, a Agenda Brasil, de Renan Calheiros, que cria a figura do licenciamento ambiental “a jato” para obras de “interesse nacional”. Nada mais absurdo e nada mais PMDB. No Brasil da Samarco, de Mariana e do Rio Doce, quanto pior, melhor.
Os dois documentos refletem uma concepção de meio ambiente do século 19, totalmente apartada do desenvolvimento. Ou que, quando aparece, é como um entrave, que precisa ser eliminado para o bem do “ambiente de negócios”. Tal visão é um risco e um desperdício.
Um risco porque não é mais possível falar em desenvolvimento no Brasil sem fatorar os impactos das mudanças climáticas. Só no ano passado, 28% dos municípios brasileiros decretaram estado de emergência ou calamidade por desastres naturais ligados ao clima mais hostil. Do planejamento energético à produção de alimentos, tudo precisa ser revisto. Nenhuma retomada do crescimento poderá ser sustentada se não for também sustentável.
Um desperdício porque existem oportunidades para superar a crise econômica em setores como o de biocombustíveis, energias renováveis e agropecuária de baixa emissão de carbono. Que o diga a indústria de energia eólica nacional, que gerou cem mil empregos no ano passado enquanto o país mergulhava numa recessão de 3,8%, e que prevê a geração de mais 50 mil novos postos de trabalho em 2016, mesmo com agravamento da crise econômica.
Os governantes e aspirantes a governantes do Brasil fariam bem em olhar para a China neste momento. O país asiático, que entende de crescimento como ninguém, acaba de publicar seu Plano Quinquenal apostando em quatro eixos: serviços, inovação, redução das desigualdades e sustentabilidade ambiental — gerar empregos de qualidade no setor de tecnologias limpas.
O PMDB é um partido que sempre gostou muito de construir grandes obras, iguais às investigadas na Lava-Jato. Mas as pontes que seus caciques ora propõem ao Brasil nos conduzem ao passado, não ao futuro.
Carlos Rittl é secretário-executivo do Observatório do Clima
O GLOBO, 3 DE MAIO DE 2016
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