Flávia Oliveira
Os
professores da rede estadual do Rio de Janeiro entraram em greve no
início de março. Foi reação aos cortes orçamentários impostos pelo
governador licenciado Luiz Fernando Pezão, diante do caixa minguado, que
já não dá conta de salários, aposentadorias, pensões. Três semanas
depois, alunos do Colégio Prefeito Mendes de Moraes, na Ilha do
Governador, ocuparam a unidade, em ato para apoiar a paralisação dos
docentes e cobrar melhorias na rede pública de ensino. Na sexta-feira
imprensada no feriadão de 21 de abril, quando a ocupação completara um
mês, estive na escola.
Foi o Movimento Mapa Educação que organizou a roda de conversa com os secundaristas. Fomos Átila Roque, diretor da Anistia Internacional Brasil, Maria Antonia Goulart, do Movimento Down, e eu. O encontro, inicialmente, duraria hora e meia. Em verdade, passou de três horas, tamanho o apetite dos alunos por ouvir e, principalmente, serem ouvidos. Naquela tarde de outono infernal num auditório sem refrigeração, ficou provado que ocupação, definitivamente, rima com educação.
Antes do debate, que reuniu 30 jovens, circulamos pela escola. As instalações são confortáveis, exceto pela piscina mal cuidada. Os estudantes isolaram secretaria, laboratório de ciências, biblioteca. No corredor principal, montaram uma bancada com livros doados pós-ocupação. Eles varrem, limpam, cozinham. Não houve danos ao patrimônio público.
Os alunos não isolaram a escola. Professores que não aderiram à greve entram e lecionam; cursos ali sediados foram mantidos. Voluntários têm orientado atividades extracurriculares (de plantio de horta a oficinas de grafite e hip-hop) indisponíveis no calendário regular. No feriadão, foi organizada a minimaratona de rodas de conversa sobre democracia, cidadania, direitos humanos. Superada a desconfiança inicial, o encontro se transformou numa conversa franca sobre temas que preocupam a juventude, mas a escola ignora.
Os estudantes perguntaram sobre racismo, integração de pessoas com deficiência, machismo, feminismo, família, acolhimento, ativismo, futuro, direitos, caminhos. Os jovens brasileiros carecem de políticas públicas; estão expostos às maiores taxas de desemprego; são sobrerrepresentados no sistema carcerário; registram os maiores índices de evasão escolar. Rapazes são as principais vítimas de homicídios; moças não são informadas sobre como evitar a gravidez na adolescência. É perturbador constatar o quanto o diálogo anda afastado do ambiente escolar, o quanto a construção de pontes entre autoridades, sociedade civil, professores e estudantes não parece ser prioridade do sistema educacional.
No mês de mobilização estudantil, mais de 70 escolas foram ocupadas no Estado do Rio. As seguidas demandas por atividades letivas resultaram na ação “Doe uma aula” (aqui o link: http://bit.ly/1VBT8rl). Trata-se de uma campanha virtual em que cidadãos de qualquer formação se inscrevem para transmitir conhecimentos aos alunos da rede pública. É iniciativa não apenas bem-vinda, mas com potencial de se estender para os tempos sem greve.
Na última segunda-feira, a professora Anick Elias, de Língua Portuguesa, postou numa rede social a experiência do aulão especial de redação para o Enem 2016 que deu no Colégio Estadual Dom Helder Câmara, no Engenho de Dentro, ocupado havia uma semana. Na saída, uma aluna uniformizada pediu que ela falasse com a mãe ao telefone.
“Alô, professora? Está tendo aula mesmo? Ela disse que está na escola, que está tendo aula, mas eu não acreditei. Aula com greve? Nunca vi isso”, indagou a mãe ressabiada. “Fique tranquila. Estamos em greve, mas está tendo aula. Os alunos estão cuidando da escola. Eles fazem a comida, cuidam da limpeza, organizam o horário das atividades e acertam as aulas com os professores”, respondeu Anick.
O diálogo seguiu: “Tudo o que a gente quer é ver o filho estudando. Se a senhora está dizendo, fico mais tranquila”, devolveu a mãe. “Fique tranquila. Mas fique orgulhosa também. Sua filha está aprendendo mais do que em qualquer ocasião. Venha vê-la, venha sentir orgulho de sua menina”, completou a mestre.
Ao fim do depoimento, Anick Elias escreveu que o episódio ensinou a professora, aluna e mãe o significado da expressão comunidade escolar. Dois dias depois, a Secretaria estadual de Educação anunciou a antecipação para maio das férias escolares marcadas para agosto, sob o argumento de preservar o calendário letivo.
Ontem, alunos do também ocupado Colégio Estadual André Maurois, na Gávea, informaram que, desde o início da semana, estão sem créditos no passe de ônibus. Sem o vale transporte, os estudantes não terão como chegar às escolas. As ocupações serão desidratadas. E as autoridades fluminenses perderão a oportunidade de compreender (e aplicar) o conceito de comunidade escolar. É pena.
Foi o Movimento Mapa Educação que organizou a roda de conversa com os secundaristas. Fomos Átila Roque, diretor da Anistia Internacional Brasil, Maria Antonia Goulart, do Movimento Down, e eu. O encontro, inicialmente, duraria hora e meia. Em verdade, passou de três horas, tamanho o apetite dos alunos por ouvir e, principalmente, serem ouvidos. Naquela tarde de outono infernal num auditório sem refrigeração, ficou provado que ocupação, definitivamente, rima com educação.
Antes do debate, que reuniu 30 jovens, circulamos pela escola. As instalações são confortáveis, exceto pela piscina mal cuidada. Os estudantes isolaram secretaria, laboratório de ciências, biblioteca. No corredor principal, montaram uma bancada com livros doados pós-ocupação. Eles varrem, limpam, cozinham. Não houve danos ao patrimônio público.
Os alunos não isolaram a escola. Professores que não aderiram à greve entram e lecionam; cursos ali sediados foram mantidos. Voluntários têm orientado atividades extracurriculares (de plantio de horta a oficinas de grafite e hip-hop) indisponíveis no calendário regular. No feriadão, foi organizada a minimaratona de rodas de conversa sobre democracia, cidadania, direitos humanos. Superada a desconfiança inicial, o encontro se transformou numa conversa franca sobre temas que preocupam a juventude, mas a escola ignora.
Os estudantes perguntaram sobre racismo, integração de pessoas com deficiência, machismo, feminismo, família, acolhimento, ativismo, futuro, direitos, caminhos. Os jovens brasileiros carecem de políticas públicas; estão expostos às maiores taxas de desemprego; são sobrerrepresentados no sistema carcerário; registram os maiores índices de evasão escolar. Rapazes são as principais vítimas de homicídios; moças não são informadas sobre como evitar a gravidez na adolescência. É perturbador constatar o quanto o diálogo anda afastado do ambiente escolar, o quanto a construção de pontes entre autoridades, sociedade civil, professores e estudantes não parece ser prioridade do sistema educacional.
No mês de mobilização estudantil, mais de 70 escolas foram ocupadas no Estado do Rio. As seguidas demandas por atividades letivas resultaram na ação “Doe uma aula” (aqui o link: http://bit.ly/1VBT8rl). Trata-se de uma campanha virtual em que cidadãos de qualquer formação se inscrevem para transmitir conhecimentos aos alunos da rede pública. É iniciativa não apenas bem-vinda, mas com potencial de se estender para os tempos sem greve.
Na última segunda-feira, a professora Anick Elias, de Língua Portuguesa, postou numa rede social a experiência do aulão especial de redação para o Enem 2016 que deu no Colégio Estadual Dom Helder Câmara, no Engenho de Dentro, ocupado havia uma semana. Na saída, uma aluna uniformizada pediu que ela falasse com a mãe ao telefone.
“Alô, professora? Está tendo aula mesmo? Ela disse que está na escola, que está tendo aula, mas eu não acreditei. Aula com greve? Nunca vi isso”, indagou a mãe ressabiada. “Fique tranquila. Estamos em greve, mas está tendo aula. Os alunos estão cuidando da escola. Eles fazem a comida, cuidam da limpeza, organizam o horário das atividades e acertam as aulas com os professores”, respondeu Anick.
O diálogo seguiu: “Tudo o que a gente quer é ver o filho estudando. Se a senhora está dizendo, fico mais tranquila”, devolveu a mãe. “Fique tranquila. Mas fique orgulhosa também. Sua filha está aprendendo mais do que em qualquer ocasião. Venha vê-la, venha sentir orgulho de sua menina”, completou a mestre.
Ao fim do depoimento, Anick Elias escreveu que o episódio ensinou a professora, aluna e mãe o significado da expressão comunidade escolar. Dois dias depois, a Secretaria estadual de Educação anunciou a antecipação para maio das férias escolares marcadas para agosto, sob o argumento de preservar o calendário letivo.
Ontem, alunos do também ocupado Colégio Estadual André Maurois, na Gávea, informaram que, desde o início da semana, estão sem créditos no passe de ônibus. Sem o vale transporte, os estudantes não terão como chegar às escolas. As ocupações serão desidratadas. E as autoridades fluminenses perderão a oportunidade de compreender (e aplicar) o conceito de comunidade escolar. É pena.
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