Em um país em transe, a ampliação potente da democracia — indo muito além da frágil falácia da transformação social como simples ampliação do acesso a bens de consumo — pressupõe o falar de muitas vozes, o descortinar de miradas e a ousadia de experimentar rumos que libertem as mulheres e os homens da nossa crônica doença do desencanto, nascida na negação da potência do que podemos ser.
Somos um país forjado em ferro, brasa, mel de cana, pelourinhos, senzalas, terras concentradas, aldeias mortas pelo poder da grana e da cruz, tambores silenciados, arrogância dos bacharéis, inclemência dos inquisidores, truculência das oligarquias, chicote dos capatazes, cultura do estupro, naturalização de linchamentos e coisas do gênero.
Acontece que, no meio de tudo isso e ao mesmo tempo, produzimos formas originais de inventar a vida onde amiúde só a morte poderia triunfar. Um Brasil forjado nas miudezas de sua gente, alumbrado pela subversão dos couros percutidos, capaz de transformar a chibata do feitor em baqueta que faz o atabaque chamar o mundo. Um Brasil produtor incessante de potência de vida, no arrepiado das horas e no chamado de uma pluralidade de deuses bonitos como as mulheres e os homens.
A luta por esse segundo Brasil, ao meu juízo, não me enreda porque acho que ela será vitoriosa: eu estou na briga porque acho que ela é necessária.
Continuarei na rinha pela revolução do despacho na encruza, do reconhecimento do poder das senhoras e da alteridade da fala: língua do congo, canto nagô, virada de bugre na aldeia. Escrevo pela necessidade de outras gramáticas de compreensão do Brasil. Minha arma é o alfange do deus que é meu pertencimento, o senhor do mariô que mora em mim, iluminando, ao cortar os intolerantes, o meu mundo na viração da vida plena.
É hora de temperar a porta brasileira com dendê e apimentar o padê dessa canjira.
LUIS ANTONIO SIMAS
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