O bolão do impeachment é a cara do Brasil que acha que tem algo a comemorar no dia de hoje
Aviso a quem festejar com arroubos cívicos o final da votação de hoje no Congresso, fadada a culminar com o triunfo de um dos brasis em confronto: nada há a comemorar. Este domingo 17 de abril em que o país assiste à etapa-chave do rito de impeachment da presidente Dilma Rousseff representa um dia de derrota nacional. Para todos, inclusive quem festejar até o sol raiar.
Um país que desde 1945 só conheceu quatro transmissões de faixa entre presidentes eleitos deveria ter tido mais zelo por suas instituições antes de permitir que elas sejam testadas com atalhos constitucionais.
Ao contrário do que ocorreu no impeachment do ex-presidente Fernando Collor de Mello, 24 anos atrás, as parcelas de responsabilidade por este domingo amargo acabarão sendo amargas para todos.
A começar para a disfuncional ocupante do Palácio do Planalto, encalacrada em pedaladas fiscais, responsável por uma economia em ruínas, abandonada por eleitores fieis até seis meses atrás, e respingada pelo lamaçal de corrupção do petrolão. Dilma decepcionou, mas manteve intacta sua honestidade pessoal.
As responsabilidades se estendem ao comando do PT, que até hoje não achou necessário tratar a militância com maturidade e com ela debater o mensalão e o petrolão. Já são duas as gerações de companheiros que aguardam em vão essa prestação de contas.
No momento a responsabilidade maior se concentra nos 513 bípedes que nos representam na Câmara dos Deputados, somados aos 81 com assento no Senado Federal.
Ali os instalamos através de eleições legislativas de representação proporcional, e dali exercerão seu poder de voto e veto ao mandato da presidente sitiada. Ao resto do país cabe o papel duplo de protagonista e plateia desse capítulo em aberto da História do país.
“Aqueles que abrem mão de liberdades essenciais para obter alguma pequena segurança temporária”, ensinou Benjamin Franklin séculos atrás, “não são merecedores nem de liberdade nem de segurança”.
Pois o Congresso Nacional está coalhado dessa espécie que nada merece. A começar pelo presidente da Casa e chefe da fila julgadora, Eduardo Cunha, cuja lista de crimes levantados pela Operação Lava-Jato empalidece as acusações arroladas para justificar o impeachment de Dilma Rousseff.
Segundo dados da Transparência Brasil citados por Simon Romero, do “New York Times”, 60% das excelências do Congresso têm no currículo acusações de corrupção, fraude eleitoral, sequestro, homicídio ou desmatamento ilegal.
Um terço da tribo legislativa também tem a biografia entrelaçada às delações premiadas da Lava-Jato e talvez sonhe em ver tudo apagado na euforia de um admirável mundo novo — o Brasil pós-Dilma.
Certamente nunca ouviu as palavras do americano — “Aqueles que abrem mão de liberdades essenciais...”
A cena que melhor retrata o déficit cívico de Brasília e ofende os milhões de brasileiros angustiados com o descarrilamento da vida nacional foi produzida esta semana pelo Corregedor da Câmara, deputado Carlos Manato, e seu companheiro de partido Paulinho da Força, ambos do Solidariedade.
Foi uma cena que pode ter parecido inofensiva diante do drama maior, ou bem humorada em meio à tensão política. “Não passou de brincadeira”, disseram seus autores. Nem eles nem os demais congressistas que dela participaram sequer perceberam o quanto ela foi insultuosa, quase obscena.
Sem qualquer constrangimento Manato e Paulinho, ambos favoráveis ao afastamento da presidente da República, iniciaram um bolão entre os colegas sobre o placar da votação do impeachment. Cada aposta custava R$ 100.
Manato, cuja campanha foi abastecida em parte com dinheiro de empresas envolvidas na Lava-Jato, tem por função, como corregedor parlamentar, “manter o decoro, ordem e disciplina no âmbito da Câmara dos Deputados”. Esta semana, ele circulou pelos corredores da Casa com uma pasta que continha a lista e o dinheiro arrecadado.
Quanto ao deputado Paulo Pereira da Silva, um dos principais aliados de Eduardo Cunha, o ar rarefeito de Brasília deve tê-lo feito esquecer o real valor de R$ 100 para um trabalhador no resto do país.
O bolão do impeachment é a cara do Brasil que acha que tem algo a comemorar no dia de hoje.
O GLOBO, 17 DE ABRIL DE 2016
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