FREI BETTO
É fácil criticar os terroristas do
Estado Islâmico, que não respeitam nada nem ninguém. Difícil é
derrotar o terrorista que me habita e se manifesta quando encontro
quem não pensa como eu. Como ousa defender outro partido?, indago,
aos gritos, com raiva, deixando vazar o ódio que guardo no peito.
Saio falando mal do partido e do amigo que tem a desfaçatez de ainda
justificar políticos e políticas que só contribuíram para o
atraso deste país.
Se eu me pudesse despir dessa pele de
cordeiro que encobre o lobo que sou, calava o meu amigo, cortava-lhe
a língua, libertava o seu cérebro dessa lavagem cerebral a que foi
submetido. Será que todos não se dão conta de que eu tenho sempre
razão? E depois reclamam quando detono as bombas que trago nas
entranhas e, inflamado, vocifero contra os estúpidos que insistem em
me convencer de suas opiniões insensatas.
O terrorista que me povoa usa armas
ferinas: difama e calunia, sem dar ao outro o benefício da dúvida,
e muito menos o direito de defesa. É um fanático religioso. Na fase
ateia, defende a não existência de Deus, considera todos os crentes
imbecis, alienados, dopados pelo ópio do povo, movidos pela ilusão
de que há transcendência e vida após a morte. Na fase religiosa,
não admite a convivência de todas as religiões. Há um só Deus, o
dele! Um só Credo, o que ele professa! Todos que não creem como ele
crê merecem a perseguição, a morte, o inferno, pois são todos
infiéis, heréticos, idólatras!
O terrorista que há em mim fala em
democracia para o público externo. No íntimo, advoga uma sociedade
autoritária, na qual todos pensem e ajam como ele, numa demonstração
inquestionável de que fora do pensamento único não há salvação.
Também fala de ética e proclama que é pecado roubar, mas embolsa o
dinheiro dos fiéis, constrói mansões para o conforto de seu ego,
tem horror de pobres, finge milagres para reforçar a aura divina de
seu poder.
O terrorista que ocupa o meu coração
é homofóbico, machista, racista, intolerante com aqueles que não
se comportam segundo padrões moralistas de decência. É arrogante,
prega certezas irrefutáveis. Mal-educado e grosseiro, não se
levanta para dar lugar ao idoso e à mulher grávida. Desconfia da
faxineira se um objeto sem valor desaparece da casa; irrita-se quando
preso no engarrafamento ou se vê obrigado a enfrentar fila; usa a
política para alcançar seus propósitos escusos.
O terrorista que comanda minhas emoções
não é muçulmano, mas também pertence ao EI – Estado da
Intolerância, que se impõe no almoço em família, no papo da roda
de amigos, no local de trabalho. Ainda que dê ouvidos a um boçal
para fingir educação, o que gostaria mesmo é calá-lo com um soco
na cara e quebrar-lhe os dentes.
Esse terrorista que, em sociedade,
usa-me como disfarce, não grita Allahu Akbar (Deus é grande!).
Grita: Eu sou o cara! Dobrem-se à minha opinião! E degola
virtualmente todos que discordam. Estes são queimados vivos nas
brasas aquecidas pelo ódio. Divulga na internet tudo que possa
ridicularizar os desafetos, adicionando mais lenha na fogueira da
inquisição cibernética.
Esse terrorista fundamentalista jamais
dirá ao outro “a tua fé te salvou”, como fez Jesus. Dirá “eu
te salvei”. Isso se o outro comungar a fé que ele professa, ao
contrário de Jesus que ousou, em supremo gesto de liberdade
religiosa, dizer “a tua fé te salvou” ao centurião romano, que
professava o paganismo, e à mulher cananeia, que pertencia a um povo
politeísta.
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