January 2, 2016

Bodas de sangue e ódio


clóvis rossi

Que rótulo você aplicaria a jovens que, em uma festa de casamento, esfaqueassem a foto de um bebê morto meses antes em um atentado terrorista?

Monstros? É pouco. Animais? Ofende os bichos, que são irracionais.

Aconteceu em Israel, na semana que está terminando, para horror dos judeus que não perderam a capacidade de indignar-se com atos que sua tribo anda cometendo.

Os jovens participantes da festa, nitidamente judeus ultraortodoxos, ao final dela passaram a uma macabra dança, enfeitada por armas, coquetel Molotov e facas com as quais atacavam a fotografia de Ali Dawabhsa, um bebê de 18 meses que morreu quando sua casa foi incendiada por terroristas judeus, em julho.

Diz a mídia israelense que alguns dos macabros dançarinos são parentes dos acusados (e já condenados) pelo ataque à casa dos Dawabsha. Nele morreram não apenas o bebê, mas também seus pais. Sobreviveu apenas o irmão, Ahmed, 5 anos, ainda hospitalizado pela gravidade das feridas sofridas.

A selvageria no casamento foi filmada pelos próprios participantes, prova de que não apenas não se envergonham da monstruosidade como querem difundi-la.

A TV que exibiu o vídeo informou que o ministro da Defesa, Moshe Ya'alon, mandou o filmete para lideranças de colonos, para sublinhar que dezenas de jovens extremistas apoiam apaixonadamente os terroristas judeus.

A esta altura, já estou vendo judeus no Brasil se preparando para a tradicional (e idiota) acusação de que sou antissemita ou, na melhor das hipóteses, para reclamar que não denuncio os esfaqueamentos quase cotidianos de judeus pelos palestinos.

Lamento, sim, também esses atentados, ainda mais que são apoiados pela maioria dos palestinos, conforme recente pesquisa do Centro Palestino para Políticas e Pesquisas.

Dois terços acham que os ataques "servem aos interesses palestinos de uma maneira que a negociação [de paz com Israel] não o faria".

Bobagem. Qualquer pessoa capaz de um segundo de raciocínio sabe que os palestinos podem esfaquear quantos judeus quiserem que não será por isso que Israel cederá os territórios que ocupa.
No caso palestino, seu presidente, Mahmoud Abbas, pelo menos tem um argumento a ser pesado quando diz que os atacantes palestinos são "levados pelo desespero pela falta de uma solução dos dois Estados" (um para Israel, outro para os palestinos, conforme determinação das Nações Unidas).
Que argumento podem usar os israelenses para incendiar a casa de inocentes?

Deveriam é gritar, como David Horovitz, o criador do sítio "The Times of Israel", que "não é demasiado tarde para o Estado de Israel reafirmar sua insistência em respaldar os valores fundamentais judaicos que esses jovens perderam –e, principalmente, o fundamental respeito pelo divino presente da vida humana".

"Do contrário, esses jovens dançarinos, desequilibrados e celebrando deliciosamente a morte de inocentes, trarão a ruína a todos nós."

Desconfio que o ódio mútuo na terra dita santa torna essa profecia mais iminente.

FOLHA DE SÃO PAULO, 27 de dezembro de 2015




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