August 5, 2009
Cansados de matar e morrer
por Zuenir Ventura
Volto a falar de dois tocantes personagens que estiveram há pouco no Rio, e da organização em que militam: o Fórum das Famílias Enlutadas, movimento que trabalha pela paz e a reconciliação no Oriente Médio.
Como pertencem a povos em guerra há mais de meio século, eles tinham tudo para ser inimigos, mas são amigos. Ela, a israelense Robi Damelin, teve um filho assassinado pelos palestinos; ele, o palestino Ali Abu Awwad, perdeu um irmão executado por soldados israelenses. Conversei com os dois e os vi no documentário “Ponto de encontro”, da brasileira Julia Bacha. A conversão de ambos à causa da não violência — eles e mais 500 famílias, 250 de cada lado — é uma experiência inédita. Não sei de superação emocional maior do que essa de transformar o ódio pelo assassinato de um filho ou irmão numa ação positiva.
Afinal, como diz Robi, a dor da perda lhes deu “o direito de odiar”. Ali igualmente poderia ser considerado um “herói” pelos seus, tendo passado o que passou: “Levei um tiro, fiquei preso quatro anos, perdi um irmão. Tudo isso me daria credibilidade para estar espalhando o ódio junto a meu povo.” Por que preferiram a opção oposta? Ela responde: “Para dar algum sentido ao sofrimento e evitar que outras mães sofram o mesmo.” E também por que não tentar a paz, se a guerra se revelou incapaz? Este argumento talvez seja mais convincente para conquistar adeptos do que as razões humanitárias. Calcula-se que a cada 24 horas cerca de 20 famílias israelenses e palestinas perdem um parente para a violência. Assim, por cansaço de matar e morrer, muitos aderem à causa para romper o círculo vicioso em que um lado atribui a culpa ao outro.
É o caso do veterano do Exército que perdeu a filha adolescente num atentado terrorista. Ou do palestino cuja filha de 12 anos teve o mesmo fim.
Um ano depois, eles ingressaram no movimento e agora dão palestras em escolas. Quando dois inimigos históricos aparecem juntos falando a mesma língua da concórdia, algum efeito positivo se produz na cabeça dos jovens. Num desses encontros, o ex-militar fala a um aluno descrente: “Franceses, alemães e ingleses se odiavam e se matavam.
Hoje, vivem em paz, sem fronteiras. Isso vai acontecer conosco, quer você goste ou não.” Alguém replica: “Todo judeu entra para o Exército, e você acha que eles querem paz?” Resposta: “Por isso mesmo muitos querem.” Quando se duvida da eficácia de sua campanha, como ingênua, Robi cita o exemplo da África do Sul, onde nasceu, e de Mandela, de quem é discípula.
Ela está convencida de que fazem algo semelhante ao que foi feito contra o apartheid — “é aquele trabalho de formiguinha que preparou o terreno para quando Mandela saiu da prisão. Parecia inútil”.
Pelo menos em dois aspectos, ela lembra seu ídolo: na capacidade de perdoar e na determinação de promover a paz.
O Globo, 5 de agosto de 2009
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