ENTREVISTA
Max de Castro
Nos tempos da ditadura, assumir uma posição política era uma exigência feita tanto por aqueles alinhados com o governo militar, quanto por militantes de esquerda. Na mesma linha, um debate que ocupa a opinião pública, hoje, também tem relação com aquela época: de um lado estão os que acusam o cantor Wilson Simonal de ter sido um informante da ditadura; do outro, ficam os que defendem o artista com igual paixão.
O sucesso de “Simonal — Ninguém sabe o duro que dei”, documentário de Cláudio Manoel, Micael Langer e Calvito Leal em cartaz no Brasil, fez com que a dúvida que permanece por mais de 30 anos retornasse com toda a força, inclusive com a publicação, no jornal “Folha de S. Paulo”, de um depoimento que Simonal teria dado à polícia, assumindo ser dedo-duro.
Em entrevista ao GLOBO, Max de Castro, filho do cantor, porém, rebate qualquer alegação sobre o fato.
“Não existe prova de delação”, diz ele.
André Miranda
O GLOBO: “Simonal — Ninguém sabe o duro que dei” trouxe à tona a discussão sobre os muitos anos em que Wilson Simonal foi considerado um informante da ditadura. Você e sua família acreditam que ele tenha sido informante?
MAX DE CASTRO: Não acredito por uma simples razão. Em 37 anos, desde o episódio em que esse assunto apareceu, não existem provas de casos de delação de qualquer pessoa do meio artístico e de desbaratamento de qualquer movimento subversivo ou não, em que se possa dizer: “Aí teve o dedo do Simonal”.
Qual a sensação de vocês, familiares, ao assistirem ao documentário?
CASTRO: Fico sempre impressionado sobre como todas aquelas coisas podem ter acontecido na vida de uma pessoa, impressionado com o drama humano. A infância miserável, o talento, o sucesso, as Mercedes, as mulheres, o racismo, o processo e a prisão, a família, o ostracismo, o alcoolismo.
Parece tragédia grega.
Em um depoimento ao Dops, no dia em que o contador tomou a surra dos policiais, o Simonal teria declarado que cooperava com a ditadura com "informações que levaram esta seção a desbaratar por diversas vezes movimentos subterrâneos". O que vocês acham desse depoimento?
CASTRO: É fundamental entender o contexto dessa declaração.
O depoimento do Simonal foi dado no mesmo dia e no mesmo local onde houve a agressão a seu ex-funcionário e justamente para os mesmos policias que foram os responsáveis pela operação — o chefe de buscas ostensivas do Dops, Mário Borges, e o policial da casa Hugo Correia de Matos.
Vocês acham, então, que o depoimento do Simonal pode ter sido forjado?
CASTRO: Para mim, é claro que esse documento “legal”, feito em forma de denúncia, foi produzido para legitimar a atitude ilegal que os policiais iriam cometer.
E vocês conheciam esse depoimento?
CASTRO: Há bastante tempo.
Eu já vi esses documentos até em tese de mestrado de faculdade.
Como o Simonal se sentia carregando o peso nas costas de ser considerado por muitos como um informante? E para a família? Vocês também sofreram com o preconceito que o Simonal carregou?
CASTRO: Não dá para explicar com palavras. No filme, o sofrimento aparenta ser grande. Posso garantir que fora da tela o sofrimento foi cem vezes maior.
Por que você acha que essa história perdura até hoje? Quem foi o responsável em colar em seu pai a alcunha de dedo-duro?
CASTRO: A guerra política é suja. Informações e contrainformações são usadas para confundir. Se o Simonal não fosse “marrento” e “exibido”, não teria colado. É como apelido que só pega em quem reage.
Se você ler o processo dele, em 655 páginas não há um único fato concreto que mostre que ele tenha colaborado com o Dops como informante. Na verdade, o máximo que se pode afirmar é que foi o Dops quem colaborou com ele. Esse foi o seu grande erro: usar o seu prestígio e carisma de artista para resolver um problema pessoal de uma maneira tão irresponsável. O Simonal era umas das pessoas mais famosas do Brasil naquela época. Os policiais não fizeram aquilo por razões políticas, fizeram para bajular o astro, o ídolo.
A tese defendida pelo documentário é de que Simonal não era informante, mas que ele ainda assim cometeu o erro de encomendar a surra no contador. Ele falava sobre isso com a família?
CASTRO: Não concordo que o filme defenda essa tese. O tema é abordado mas é que, como não há provas de que ele tenha sido mesmo um informante, seria leviano fazer essa afirmação. Todo mundo é inocente até que se prove o contrário. Não se trata de inocentar Simonal. É que ainda faltam dados para condenálo. Embora tivesse seus motivos, ele pôs tudo a perder quando decidiu resolver o assunto com violência e covardia.
Foi processado, condenado, preso e perdeu tudo o que tinha conquistado. Só não é justo, por tabela, ele ter de pagar por um outro crime que ele não cometeu.
Qual a imagem do Wilson Simonal que você guarda na lembrança?
CASTRO: A de um pai afetuoso, querido e amoroso.
O Globo, 27 de junho de 2009
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