July 19, 2009

Artistas e críticos pedem política de ocupação das áreas públicas do Rio

Abaixo-assinado será enviado para a prefeitura e o governo do Estado


Suzana Velasco


foto de Monica Imbuzeiro

Artistas, críticos de arte e curadores estão organizando um abaixo-assinado que, destinado à prefeitura e ao governo do estado, pede a criação de uma política de ocupação das áreas públicas do Rio por monumentos e obras de arte. O objetivo é criar critérios para que as decisões de encomendar ou aceitar a doação de esculturas ao ar livre não fiquem restritas ao gosto pessoal dos governantes.

Segundo o artista plástico Carlos Zilio, um dos criadores do abaixo-assinado, o movimento não é direcionado a alguém em particular, e sim à proliferação de esculturas na cidade desde o último mandato de Cesar Maia na prefeitura.

Na próxima quarta-feira, a Escola de Artes Visuais do Parque Lage sediará um debate sobre o problema, organizado pelo artista plástico João Magalhães, com a participação da secretária estadual de Cultura, Adriana Rattes, do subsecretário de Patrimônio da prefeitura, Washington Fajardo, dos críticos Fernando Cocchiarale, Paulo Herkenhoff e Lauro Cavalcanti e dos artistas Ernesto Neto e Everardo Miranda.

— Desde o século XVIII, o Rio de Janeiro manteve um nível bastante razoável de ocupação do espaço público. Você pode gostar ou não de Mestre Valentim, de Bernardelli, mas são artistas representativos.

Nas últimas décadas, a decadência da cidade levou por água abaixo esse nível de intervenção pública. Chega o prefeito e põe uma escultura de um caricaturista porque acha engraçado, um amigo do governador ou uma senhora beneficente doa uma escultura. O Rio virou a casa da mãe Joana.

Zilio já fez parte de uma comissão criada no segundo governo de Cesar Maia, pouco antes de sua reeleição em 2004. Formada por críticos de arte, como Fernando Cocchiarale, Paulo Herkenhoff e Lauro Cavalcanti, e artistas como Ernesto Neto e Waltercio Caldas, a comissão deveria estabelecer critérios para a ocupação da cidade com esculturas.

Na época, a prefeitura sofria fortes críticas pela proliferação de obras da tal “senhora beneficente”, Marli Azevedo, conhecida como Mazeredo, que doou esculturas para a cidade, aceitas sem questionamento.

“A gente estava ali como fantoches”, diz Cocchiarale

Quando formada, a comissão conseguiu retirar algumas esculturas de Mazeredo da orla de Copacabana, mas outras ações, mesmo anunciadas após as eleições, não foram cumpridas, como a retirada do corneteiro criado pelo caricaturista Ique, e instalado na esquina das ruas Garcia D‘Ávila e Visconde de Pirajá, em Ipanema. Segundo Zilio, em pouco tempo ficou claro que a comissão não tinha qualquer poder efetivo. Cocchiarale conta que nada do que os integrantes diziam era levado em conta pela prefeitura, por isso o grupo foi naturalmente extinto.

— A comissão foi se desfazendo, porque a gente estava ali como fantoches — diz o crítico.

— Não conseguimos impedir o cabeção do Getúlio Vargas na Rua do Russel, os Drummonds, Braguinhas e Mazeredos... Existe uma concepção antiga de monumento público, uma política provinciana de pôr estatuazinha em tudo quanto é lugar.

Cocchiarale já fez parte de uma outra comissão, que, criada em meados dos anos 1990, no primeiro governo Cesar Maia, levou às ruas da cidade esculturas de importantes artistas brasileiros, como Waltercio Caldas, Ivens Machado e José Resende.

Desde então, a maior parte das obras que a cidade recebeu são peças de homenagem — como a de Carlos Drummond de Andrade na orla de Copacabana —, em bronze, que, para Cocchiarale, tentam reproduzir o padrão das esculturas acadêmicas, mas não têm a mesma qualidade.

— O Rio tem esculturas de influência neoclássica excelentes, como o D. Pedro I da Praça Tiradentes. A cidade não precisa de peças mal feitas — afirma Cocchiarale. — Um Drummond ali, acho até interessante, mas há uma proliferação de obras. Isso não significa que as pessoas homenageadas não mereçam, mas a homenagem é muito fraca. As esculturas são feias, duras, sem movimento. Melhor pôr o Playmobil.

Para pensar na formação de uma comissão, com poderes efetivos, ou de outras formas de criar critérios para a ocupação da cidade e do estado do Rio, o artista plástico João Magalhães, professor da Escola de Artes Visuais do Parque Lage, está organizando o debate de quarta-feira.

— Hoje nem sei se comissão é solução para esse problema — afirma Zilio. — Político que não quer fazer nada faz comissão ou reforma. O estado e o município precisam se conscientizar da importância da questão.

Governos aceitam doações sem critérios de qualidade

Para Cocchiarale e Magalhães, um dos principais problemas é a ideia de que se deva aceitar tudo o que é doado, tanto nos museus quanto nas áreas públicas: — Pessoas se oferecem para doar e instalar as obras, e isso é aceito imediatamente, independentemente de qualquer critério artístico — diz Magalhães. — A ocupação do espaço é aleatória, não tem preocupação com a qualidade e, em vez de contribuir, deseduca.

Para quem mora aqui e ama esta cidade é muito triste passar pela esquina da Garcia D’Ávila com a Visconde de Pirajá.

O Globo, 19 de julho de 2009

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