September 3, 2020

Se perder, Trump aceitaria deixar o poder?

 

2010 / Marcelo Min / Fotogarrafa / Foto: Marcelo Min / Reprodução

Helio Gurovitz

No meio da pandemia, as últimas semanas têm trazido um sopro de esperança aos adversários de Donald Trump nos Estados Unidos. Dada a atitude desastrada dele diante do vírus e dos protestos antirracismo, pesquisa após pesquisa tem confirmado uma liderança histórica do democrata Joe Biden. Desde Bill Clinton, em 1992, um desafiante não livra distância tão grande sobre o presidente. Ninguém que chegou à campanha em tal posição perdeu em novembro. Para completar, Biden está à frente nos três estados decisivos que garantiram, por margens estreitas, a vitória de Trump em 2016: Wisconsin, Michigan e Pensilvânia. Verdade que Trump já surpreendeu. Pode surpreender outra vez. Mas será bem mais difícil. Democratas mordem a língua para não celebrar antes da hora. Fazem bem. Desta vez, a surpresa pode ser outra.

“Enquanto a derrota de Trump está longe de certa, não é nada incerto como ele reagiria ao fracasso eleitoral: rejeitaria o resultado”, escreve o jurista Lawrence Douglas em Will he go? (Ele vai?).

“‘A recusa de Trump em aceitar a derrota não é possível nem provável — é quase inevitável.’”

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Trump enche o Twitter de imprecações contra fraude sempre que as urnas lhe desagradam. Jamais reconheceu ter perdido para Hillary Clinton na votação popular em 2016 (ela somou quase 3 milhões de votos a mais, ele só venceu porque conquistou os três estados decisivos numa eleição indireta). “Pela primeira vez na história temos um presidente que insiste rotineiramente que não dá para confiar no processo democrático”, diz Douglas. Diante da reação previsível, a questão realista é: “Quão preparado está o sistema para repelir o ataque?”. A resposta de Douglas é perturbadora: por mais que os Estados Unidos sejam a democracia mais longeva e estável do planeta, não muito.

Douglas traça três cenários para justificar sua inquietação — ou, nas palavras dele, três “catástrofes”. A primeira envolve aquilo que os americanos chamam de “delegados infiéis”: designados por um estado para votar num candidato, acabam votando noutro. Bastaria, numa eleição apertada, que dois representantes da Pensilvânia inventassem de votar no senador Mitt Romney em vez de Trump para haver um impasse. A segunda “catástrofe” supõe um ataque cibernético que corte a luz em Detroit no dia da eleição, tire de Biden uns 300 mil votos e dê a vitória a Trump no Michigan. Estaria então aberta a disputa em torno de um novo escrutínio. Em ambas as hipóteses, o Senado, encarregado de contar os votos do Colégio Eleitoral (sob o comando do vice Mike Pence) se veria obrigado a decidir entre dois vencedores, um apresentado pelo Executivo estadual (democrata), outro pelo Legislativo (republicano). A terceira “catástrofe” envolve a apuração lenta dos votos pelo correio, multiplicados em virtude da pandemia. Trump poderia ser declarado vencedor por redes de TV, para depois Biden virar o jogo nos três estados decisivos ao longo dos dias seguintes, sob as invariáveis invectivas de fraude no Twitter (Douglas tem um talento especial para incorporar Trump quando imagina o texto dos tuítes).

Nenhuma das três hipóteses é fantasia. Todas já aconteceram. A história registra 167 casos de delegados infiéis no Colégio Eleitoral (7 em 2016), e 18 estados não dispõem de leis que obriguem seus representantes a respeitar o resultado das urnas. Russos já promoveram ataques digitais a Estônia, Geórgia, Ucrânia e, claro, aos próprios Estados Unidos em 2016. Há com frequência novos pleitos quando a legitimidade dos votos é posta em questão (como na Carolina do Norte em 2018). As eleições apertadas de 1876 (vencida por Rutherford Hayes) e de 2000 (por George W. Bush) só tiveram desfecho porque os adversários de ambos desistiram de levar às últimas consequências embates custosos à democracia. Na primeira, o Senado foi apresentado a resultados distintos para a apuração em três estados decisivos. Quem garante que Trump, se derrotado, transmitiria o poder sem resistir? “Uma crise na sucessão pacífica representaria um desastre maior que uma vitória de Trump”, diz Douglas. O quadro que ele pinta é assustadoramente convincente.

WILL HE GO? — TRUMP AND THE LOOMING ELECTION MELTDOWN IN 2020
Lawrence Douglas, Twelve
2020 | 160 páginas | US$ 22




 

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