September 20, 2020

Coronel que preside Funarte é roteirista de filme militar com slogan de Bolsonaro

 Lamartine Barbosa Holanda, coronel da reserva do Exército e novo presidente da Fundação Nacional de Artes (Funarte) Foto: Reprodução

Vinicius Sassine

. O novo presidente da Fundação Nacional de Artes (Funarte), o coronel da reserva Lamartine Barbosa Holanda, apresentou um currículo de produções internacionais para justificar sua indicação ao cargo. Em entrevista ao GLOBO, Holanda afirma ser cineasta e jornalista, funções que, segundo ele, exerceu com mais frequência após ir para a reserva do Exército, dez anos atrás. E garante: sua relação com o cinema vem desde a infância.

— Quando saiu meu nome, Lamartine Barbosa Holanda, ninguém publicou minhas obras que estão no exterior. Tudo bem, não tem problema — disse o coronel. — A minha origem em cinema... É desde pequeno. Por isso o pessoal acha que eu sou só militar. Você tem aí o meu currículo.

Quinta troca em 2 anos

Entre as produções nas quais trabalhou, está um filme com temática militar que usa o slogan de campanha do presidente Jair Bolsonaro. Holanda assina ainda o roteiro de um programa que mostra "treinamentos de alto nível das Forças Armadas" e é responsável por vídeos institucionais da estatal Indústria de Material Bélico do Brasil (Imbel) e da Associação Brasileira das Indústrias de Materiais de Defesa e Segurança (Abimde). Holanda afirma não ser necessariamente "vocacionado" para o cinema.

— Não é que eu seja vocacionado com isso, mas eu também atuo em vários conteúdos. O roteirista, assim como o jornalista, tem de ter a versatilidade de escrever qualquer conteúdo, desde que seja relevante. Quando eu era pequeno, eu ia enrolar filme numa companhia lá no Rio Grande do Sul, ela existe ainda. Meu pai me levava lá para enrolar filme e desenrolar filme. Tinha essa formação.

À frente da Funarte, Holanda pretende levar adiante a realização de uma mostra de filmes militares, projeto que chegou a anunciar para outubro do ano passado, em uma visita feita na Cinemateca Brasileira, mas que acabou ficando pelo caminho diante da repercussão negativa do anúncio e da visita à instituição.

— É missão da Funarte. Mas não é só isso — disse o coronel, comentando em seguida as responsabilidades do novo cargo. — Para falar da Funarte, tenho a responsabilidade, são políticas públicas, de fazer um diagnóstico aqui, do que pode melhorar. O que a gente tem de fazer agora é um planejamento.



A Funarte foi criada em 1975 e tem a missão de incentivar a prática, o desenvolvimento e a difusão das artes no país. O órgão incentiva áreas como circo, dança, teatro, música, artes visuais, memória e pesquisa artística. A fundação lança editais periódicos para fomentar essas áreas e também atua na capacitação de artistas. No governo Bolsonaro, em menos de dois anos, é a quinta vez em que há uma troca de presidente da fundação.

A reportagem perguntou quem, afinal, o indicou para a Funarte, órgão que está sob a influência da Secretaria Especial da Cultura, ocupada pelo ator Mário Frias. A fundação e a secretaria estão vinculadas ao Ministério do Turismo. Holanda substituiu um ex-assessor do vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ), Luciano Querido. A nomeação foi publicada no Diário Oficial da União na última segunda-feira, assinada pelo ministro da Casa Civil, general Braga Netto.

— Há quantos anos eu estou no cinema? Esta seria a pergunta. Há quantos anos eu estou na arte? Meu nome não poderia ser conhecido. É por capacitação — disse, sem responder de onde partiu a indicação.

Filmes militares

Na entrevista, Holanda disse que produz e roteiriza um filme de ação, numa cooperação entre Brasil, Estados Unidos e Canadá, previsto para 2021. Ele não quis dizer, inicialmente, que filme é esse, por razões "contratuais". A reportagem localizou o trailer do filme, que seria uma trilogia, chamado "Sem contato". Holanda confirmou que é este o filme que produz.

Segundo ele, o convite partiu dos produtores Frederico Lapenda e Kirk Shaw. O trailer traz imagens de ações militares do Exército e as seguintes frases sobrepostas: "O inimaginável aconteceu. O terror. A guerra. Prepare-se. Brasil acima de tudo". Na campanha pela Presidência da República, e em situações cotidianas do governo, Bolsonaro usou o slogan "Brasil acima de tudo. Deus acima de todos".

O coronel do Exército aparece como roteirista do programa "Tropas", também sobre militares. O trailer descreve assim o programa: "A vida real dos treinamentos de alto nível das Forças Armadas brasileiras". Segundo informações do próprio coronel, ele cuidou também de peças institucionais da Imbel e da associação de indústrias da área de defesa e segurança.



Na lista de teasers de trabalhos audiovisuais enviados à reportagem, Holanda incluiu os filmes "Além da visão" e "O garoto do cachecol vermelho". Foi "diretor de conteúdo" dos dois produtos, segundo ele, mas o militar não aparece nos créditos do material de divulgação promocional. À reportagem, o coronel disse ter feito o "segundo e terceiro tratamento" do primeiro filme, além de ter sido o roteirista.

O GLOBO

 

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