May 13, 2009

Americanas no Iraque vivem uma guerra dupla

Pesquisadora revela em livro depoimentos sobre preconceitos e assédios sofridos pelas militares

ENTREVISTA
Helen Benedict

NOVA YORK. As militares americanas estão travando uma guerra mais dura que a dos homens nas frentes de batalha no Iraque. É o que afirma a professora Helen Benedict, da Universidade de Columbia, em Nova York, que está lançando o livro “The lonely soldier: the private war of women serving in Iraq” (“Soldado solitário: a guerra particular das mulheres que servem no Iraque”, sem título em português) com o selo da Beacon Press. Helen entrevistou veteranas de guerra no Iraque e verificou que as mulheres combatentes não aprendem a defender-se apenas do inimigo: elas precisam ficar alerta para não se tornarem vítimas de estupro, na maioria das vezes praticados pelos soldados de seu próprio batalhão, aqueles mesmos que deveriam protegê-las de todo e qualquer risco de ataque. Nesta entrevista, Helen Benedict fala sobre as batalhas das mulheres combatentes no Iraque.

Marília Martins
Correspondente

O GLOBO: Seu livro denuncia frequentes abusos sexuais de mulheres militares por soldados de seu próprio batalhão. Como o comando militar americano reagiu às denúncias?

HELEN BENEDICT: Eles não responderam a nenhum livro publicado sobre as Forças Armadas.

Esta é a politica de todo o comando militar americano: responderam com o silêncio. Mas tive muitas respostas individuais de veteranos de guerra ou de familiares de militares mortos e feridos.

E, claro, as mulheres entrevistadas ficaram muito emocionadas em encontrar alguém que ouvisse suas histórias.

Uma das veteranas diz que sempre andava com uma faca escondida na meia para defenderse não dos inimigos e sim dos próprios companheiros de batalhão. Isto revela a falta de disciplina nas tropas? Qual a origem deste comportamento predatório dos soldados?

HELEN: Tradicionalmente, o serviço militar é uma carreira masculina. As batalhas foram historicamente vistas como provas de masculinidade, sempre relacionadas a demonstrações de força. Hoje, quando as mulheres são admitidas no serviço militar, muitos homens se ressentem.

Eles não querem vê-las ocupar um lugar que sempre havia sido reservado para eles, e muito menos em postos de comando. Por isto, os assédios sexuais dão vazão a este ressentimento. Também por isto tantos comandantes militares têm reservas a mulheres e chegam a tratá-las mal.

Uma das veteranas que entrevistei chegou a me dizer que logo ela compreendeu que as mulheres no serviço militar são sempre vistas como prostitutas ou como lésbicas, e recebem o tratamento que costuma corresponder a elas.

Uma das mulheres entrevistadas para o seu livro e que se tornou uma porta-voz militante dos direitos femininos nas Forças Armadas é Janet Karpinski, militar que se envolveu no escândalo de tortura em Abu Ghraib. Isto não compromete a credibilidade das denúncias de violência contra mulheres?

HELEN: Sem dúvida. Janet Karpinski tem sua credibilidade altamente comprometida. Muita gente diz que suas denúncias são vinganças contra os homens que a expulsaram do serviço militar.

Mas, apesar disto, suas denúncias são verdadeiras.

Ela denunciou que três mortes de mulheres combatentes no Iraque por desidratação foram ocasionadas porque elas se recusavam a beber líquidos após as 14h, para não terem que ir ao banheiro sozinhas, de noite, uma vez que se tornavam presas fáceis de assédio sexual.

Os motivos que levam as mulheres ao alistamento militar são diferentes dos que levam os homens? HELEN: Não. Basicamente as principais razões para o alistamento são a busca de um bom emprego, com um bom plano de saúde e assistência para familiares. Há também quem se aliste por patriotismo. Há os que querem viajar, há os que querem fugir de um lar conturbado. A única diferença é que para os homens existe a mística de que o serviço militar é uma prova de masculinidade, uma diferença cultural importante.

A frente de batalha é mais dura para as mulheres que para os homens?

HELEN: Sim. Elas precisam defender -se duplamente: dos inimigos e de seus companheiros. E depois, na volta para casa, elas têm um período de estresse pós-traumático muito mais conturbado, por enfrentar um cotidiano submetidas a esta dupla ameaça de violência.

O Globo, 12 de maio de 2009

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