December 26, 2008

Milionários russos pagam para ter dia de pobre

Excentricidade vira moda entre os ricos de Moscou, a cidade que reúne o maior número de bilionários do planeta

Vivian Oswald
Correspondente

MOSCOU. Em “O jogo” (1997), filme de David Fincher, o empresário bem-sucedido e entediado Nicholas Van Orton (Michael Douglas) ganha de presente de aniversário do irmão (Sean Penn) um convite para participar de um jogo misterioso. Uma série de episódios — que seriam considerados apavorantes por uns e instigantes por outros — mudaria sua vida para sempre.

Fora das telas de cinema, na mesma época, Sergei Knyazev criou na capital russa brincadeiras que ofereciam adrenalina à rotina de milionários pós-soviéticos que já não sabiam mais como gastar suas fortunas.

Onze anos depois, os 50 jogos de Knyazev continuam fazendo sucesso. Para tentar curar o tédio, celebridades, políticos e pessoas influentes de todo o país procuram o empresário. Pagam o que for preciso para se submeter a todo tipo de situação.

Passam o dia vestidos de mendigos e músicos a pedir esmola nas estações de trem de Moscou ou em locais turísticos.

Há quem prefira trabalhar como garçom ou garçonete em restaurantes sórdidos para uma clientela nem um pouco simpática.

Como tudo é um jogo, vence aquele que juntar mais trocados ao final do dia.

— Às vezes, apesar da maquiagem, dá para reconhecê-los.

Os rostos são familiares e, a poucos metros de onde estão pedindo dinheiro, vêem-se estacionados seus carrões de luxo, com motoristas e seguranças – conta Knyazev, que trocou a psicologia pelo mundo do entretenimento e hoje é um empresário rico e conhecido.

No país em que a Revolução Bolchevique de 1917 aconteceu justamente para dar fim à diferença entre as classes sociais, fica cada vez maior a distância entre ricos e pobres. Estima-se em 120 mil o número de milionários na Rússia. Capital mais cara do mundo, Moscou foi eleita também a cidade que reúne mais bilionários (84), tendo passado à frente de Nova York. Na Rússia moderna, até mesmo brincar de pobre custa caro. Pelo menos US$ 5 mil por pessoa, dependendo do jogo escolhido.

— Se for barato, ninguém participa. Quanto mais caro, mais as pessoas acreditam no potencial de diversão — divertese Knyazev.

O preço da brincadeira é proporcional à adrenalina. Muitas vezes, mais do que dinheiro, é preciso ter sangue frio. Um dos jogos mais arriscados é também o mais complicado de se organizar, segundo Knyazev. Os homens vestem as suas mulheres de prostitutas e as assistem na rua negociando com possíveis clientes. O empresário afirma que há aqueles que se preocupam durante a aproximação.

Mas há ainda outros que ficam nervosos ao ver que as suas mulheres têm menos sucesso do que as de outros colegas. Vão lá melhorar o ajuste do decote ou consertar o penteado.

— A infra-estrutura para este jogo tem que ser enorme e, por isso, ele custa caro — conta Knyazev.

Para tentar minimizar os riscos, o empresário contrata seguranças e ainda mantém um carro da polícia sempre a postos.

Quando vê que o programa pode sair, a equipe de organizadores aciona a viatura policial, que acende as sirenes e manda todo mundo sair do local.

— Também não é fácil convencer os policiais. Um presente sempre resolve.

Festas nababescas para adultos e crianças Os jogos estão longe de ser a principal fonte de receita do empresário, que organiza festas nababescas em todo o país para pessoas físicas ou jurídicas. Todos os anos, sua empresa realiza um grande festival de fogos à beira do Rio Moscou para milhares de convidados de uma multinacional.

Recentemente, montou um aniversário hollywoodiano em Nice, na França.

Por incrível que pareça, foi para uma criança de 3 anos a festa de aniversário mais cara que já montou: US$ 1,5 milhão.

Transformou um terreno baldio em um gigantesco parque de diversões, com direito a labirintos, pontes, portas misteriosas e salas de gelo, em pleno verão, para apenas dez crianças e 20 adultos.

Para o terceiro casamento de um cliente, organizou um cenário cinematográfico, com celebridades e surpresas para os noivos, como o imenso bolo de luxo que vai ao chão no momento em que o garçom tropeça em fios ao cruzar o salão.

Para a alegria da noiva, que não tinha idéia do que estava acontecendo, havia um bolo reserva. Em uma festa corporativa, o primeiro participante a matar uma barata com um revólver ganhava um apartamento.

Knyazev não tem medo da crise econômica que tanto assombra os russos neste momento.

Estima-se que, de agosto até o mês passado, os homens mais ricos do país tenham perdido nada menos que US$ 230 bilhões.

— Quem realmente tem dinheiro vai poder continuar se dando a estes luxos. Tem dinheiro fora do país, por exemplo.

Talvez as empresas diminuam um pouco o tamanho das festas.


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