Duas reportagens recentes da Carta Capital honram o jornalismo: O Empresário Gilmar, de Leandro Fortes, com Filipe Coutinho e Phydia de Sthayde, de 8 de outubro, e Nos Rincões dos Mendes, do mesmo Leandro, de 19 de novembro.
Na primeira, ficamos sabendo que a Suprema Corte deste país é presidida por um empresário, cujos interesses pecuniários se satisfazem muito graças à sua mais alta posição no reino judiciário. Já chegaria para embrulhar o estômago, não? Mas o estômago vira de vez com certos detalhes. Gilmar tem participação no controle acionário do Instituto Brasiliense de Direito Público, IDP, que desde 1998 organiza palestras, seminários, treinamentos, cursos superiores, e faturou entre 2000 e 2008 quase 2 milhões e meio de reais em serviços prestados a órgãos federais, tudo contratado sem liciração. Entre os professores do IDP figuram advogados de peso, alguns defensores de clientes com ações que correm no STF presidido pelo empresário Gilmar; ministros de Estado e de tribunais superiores, inclusive colegas de Gilmar no STF - Carlos Alberto Direito, Carmem Lucia Rocha, Carlos Ayres de Britto, Eros Grau e Marco Aurélio Mello. Tem mais coisas de engulhar, mas chega.
Na segunda reportagem, Leandro vai a Diamantino, a 208 quilômetros de Cuiabá, Mato Grosso. Na terra natal de Gilmar, "o ministro é a parte mais visível de uma oligarquia nascida à sombra da ditadura militar". O prefeito Francisco Mendes, 50 anos, irmão caçula de Gilmar, mantém-se no cargo há oito anos com uma forcinha do mais velho. Na campanha de 2000, como advogado-geral da União, e na de 2004, como ministro do STF, Gilmar levou a Diamantino autoridades federais para inaugurar obras e prometer outras.
Em outubro de 2008, finalmente, o notário Erival Capistrano, do PDT, derrotou a família Mendes e seu candidato Juviano Lincoln. Outro irmão de Gilmar, Moacir Mendes, mandou avisar a Erival que ele não toma posse em 1 de janeiro de 2009: antes dessa data vai matá-lo, segundo denunciou ao repórter o próprio Erival. Pesado, hem? Como é que a imprensa gorda, que tem todos os recursos, não nos informa dessas coisas? Estamos falando da mais alta autoridade jurídica da nação. A reportagem de Leandro, condensada nos fatos mais escabrosos, é de dar frio na espinha.
Na reta final da campanha eleitoral de 2000, a estudante Andréa Paula Pedroso Wonsoski, 19 anos, que trabalhava como cabo-eleitoral do atual prefeito Francisco Mendes, registrou BO na delegacia. Alegou que o candidato acusou-a de traição por "denunciar a troca de cestas básicas por votos". Tal denúncia, na verdade, havia sido feita por sua irmã mais velha, Ana Paula. No BO, Andréa registra que, ao tentar explicar isto a Francisco durante um comício, "gente do grupo de candidato" avisou-lhe "Tome cuidado". Um mes depois, já efeito prefeito Francisco Mendes, Andréa participou de um ato de protesto contra abuso do poder econômico nas eleições. E desapareceu. Trabalhadores encontraram a ossada tres anos depois, enterrada às margens de uma avenida, a 5 quilômetros do centro de Diamantino. Mataram Andréa com um tiro na nuca. Estava nua, "provavelmente estuprada antes". Chega, não? Este é o país.
Mylton Severiano
Carta Capital, dezembro 2008
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