June 21, 2025

A vida em PRETO E BRANCO

 

  


por Julinho Bittencourt


Quem para diante de uma das inúmeras
imagens de Sebastião Salgado nunca
mais é o mesmo. A não ser, é claro, que
não tenha o menor apreço pela raça humana e
pelo planeta que habita.


Há ali o enquadramento perfeito, a
composição definitiva. Há também a
preferência por nos mostrar as coisas em preto
e branco. Ele mesmo explicou a razão, em
entrevista à RFI Brasil:
Meu mundo é preto e branco, eu vejo
em preto e branco, eu transformo todas
essas gamas maravilhosas de cores – e
eu acho a cor muito bonita – em gamas
maravilhosas de cinza, o preto e branco
é uma abstração, é uma forma que eu
tenho de sair de um mundo e entrar em
outro para poder trabalhar o meu sujeito
fotográfico, poder dedicar tempo à 

dignidade das pessoas. Isso eu consigo
em preto e branco, acho que em cores eu
não conseguiria”, disse ele.


Há inúmeras outras e enormes razões que
fazem de Sebastião Salgado um gênio das
imagens. Certo dia me arvorei pela fotografia
e, diante de suas fotos, me senti um menino,
estudante de ukulele ouvindo Beethoven pela
primeira vez. O que explode de suas texturas
e visões vertiginosas é algo que parte de outra
dimensão e nos coloca diante de nós mesmos,
nosso papel no futuro.


A menina sem-terra eternizada
por Sebastião Salgado se chama
Joceli Borges. A foto foi feita em
1992 e virou capa do livro Terra.


Os olhos de aflição da menina sem-terra,
retratada por ele no emblemático projeto Terra,
nos sacode pelos ombros com força tamanha.
É intimidante, seco, dorido. Ela encara o
cidadão de bem no fundo da alma. Tente, caro
leitor, manter os olhos nos olhos da criança por
mais tempo. Tente não retesar os músculos,
tente se manter ileso.


Antes que os incautos digam algo que o
desabone, é importante lembrar que Sebastião
Salgado cedeu os direitos autorais do livro Terra
ao MST. O projeto, lançado em 1997 e que
integra textos do prêmio Nobel José Saramago
e um disco com canções do prêmio Camões
Chico Buarque, foi todo para o movimento.

 

Doenças da alma

 
A extensa obra de Sebastião Salgado é
totalmente voltada a denunciar injustiças,
devastações, fome. Enfim, todo o pesadelo e
a desventura dos homens em sua incessante
obsessão por destruir e espoliar sua própria
casa e seus semelhantes.


Após décadas, possuído por doenças da
alma, o fotógrafo resolveu ir atrás do que
restava do planeta e de seus habitantes.
Fez, então, seu canto do cisne: a obra-prima
Gênesis, iniciada em 2004, concluída em 2012
e publicada em 2013.


Nela, o fotógrafo registrou lugares e povos
que ainda estavam intocados. E, para sua

surpresa e otimismo, o que encontrou era muito
maior do que jamais imaginou um dia.


Sebastião Salgado nos deixou na sexta-feira,
23 de maio de 2025, aos 81 anos, com uma
obra imensa, irretocável. Foi, sem sombra de
dúvidas, o maior fotógrafo brasileiro de todos os
tempos e um dos grandes do planeta.
Que a sua inquietação e genialidade nos
inspirem a reconstruir nossa casa e nosso tempo.

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(clique nas imagens para ve-las em tamanho maior)

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