April 17, 2024

O XIS DA QUESTAO

 


HÁ CLAROS INTERESSES ECONÔMICOS
E POLÍTICOS POR TRÁS DOS ATAQUES DO
BILIONÁRIO À REGULAÇÃO DAS REDES
SOCIAIS E À SOBERANIA NACIONAL

 p o r  R E N A T A  M I E L L I * 

 As declarações de Elon Musk contra ministros do Supremo Tribunal Federal e outras autoridades, inclusive o presidente da República, constituem um grave ataque à soberania e autodeterminação do nosso país. Proprietário da rede social X desde 2022, o empresário tem negócios variados no Brasil, inclusive contratos com o setor público. Ainda assim, anunciou que não pretende cumprir ordens judiciais e não vai respeitar as regras estabelecidas pelo Tribunal Superior Eleitoral.

Musk publicou uma série de posts pedindo a prisão do ministro Alexandre de Moraes e afirmando que há uma ditadura judicial instalada no Brasil que promove a censura. As manifestações do bilionário não são intempestivas e tresloucadas, muito menos isoladas. Elas têm objetivos muito claros que envolvem interesses econômicos e políticos do empresário não apenas no Brasil, mas também na América Latina.

O primeiro ligado ao mercado de car-
ros elétricos, desde a produção de bate-
rias de lítio, passando pela implementa-
ção de plantas de produção de automó-
veis e pela comercialização dos carros da
Tesla na região. O Brasil possui a sétima
maior reserva de lítio do mundo e é um
mercado consumidor de automóveis que
desperta um forte interesse em Musk.

 
O segundo está relacionado a outra
empresa de Musk, a Starlink, que oferece
conectividade à internet através de saté-
lites de baixa órbita. A atuação de Musk
nesta área não é exatamente motivada
pelo altruísmo de universalizar o aces-
so à internet, mas tem implicações geo-
políticas. O governo dos EUA já expres-
sou que os satélites de Musk podem ser
uma alternativa viável ao Sistema de Po-
sicionamento Global (GPS, na sigla em
inglês), que já está defasado com relação
a outros sistemas

.
O terceiro diz respeito ao uso do X
como plataforma política. Na época em
que a empresa foi adquirida, Elon Musk
afirmou que o Twitter seria um espa-
ço de liberdade de expressão absoluta.

 
Desde então, iniciou um processo de de-
missão em massa de funcionários pelo
mundo, principalmente nas áreas de re-
lacionamento com governo e sociedade
e de moderação de conteúdo. O resulta-
do foi o crescimento alarmante dos con-
teúdos de desinformação e discurso de
ódio na plataforma.

 
O dono do X também usa seu perfil
pessoal para atacar iniciativas de regu-
lação das plataformas de redes sociais,
além de engrossar posicionamentos do
ex-presidente Jair Bolsonaro e de sua ba-
se de apoio. Suas manifestações mais re-
centes serviram de munição para os gru-
pos bolsonaristas ampliarem os ataques
contra as instituições da República.

 
Musk busca posicionar-se como uma
liderança da extrema-direita no mun-
do. Isso fica explícito na leitura de suas
postagens, não só com respeito ao Bra-
sil. Fica evidente, também, quando adota
posturas diferentes com relação aos paí-
ses e suas regras para plataformas digi-
tais. Sobre a decisão do governo indiano
para moderação de contas e conteúdos,
Musk disse que vai cumprir e respeitar
a legislação indiana. Ora, por que então
não adota a mesma postura para o Brasil?

 
Este episódio envolvendo Musk só
evidencia a necessidade de o Brasil
avançar na aprovação de uma legisla-
ção para estabelecer e regular a ativi-
dade das plataformas de redes sociais.

 
É urgente a definição de diretrizes re-
lacionadas à transparência e aos meca-
nismos de tomada de decisão com rela-
ção a contas e conteúdos de terceiros,
sejam aqueles que ampliam a escala e a

velocidade de visualização de um con-
teúdo por decisão automatizada ou em
razão de pagamento na forma de impul-
sionamento ou patrocínio, sejam aque-
les que reduzem o alcance ou excluem
conteúdos. Fundamental, também, de-
finir qual a responsabilidade das plata-
formas nesse contexto, principalmen-
te com relação a conteúdos que podem
trazer danos coletivos aos direitos fun-
damentais e à democracia.

 
A sociedade brasileira tem o direito
de ter informações granulares sobre as
atividades dessas empresas que envol-
vem um serviço essencial como a circu-
lação de informações e notícias. As auto-
ridades têm o dever de exigir que as re-
gras próprias das plataformas estejam
em consonância com a legislação nacio-
nal e com a nossa Constituição, no sen-
tido de preservar direitos humanos, um
ambiente mais saudável de comunicação,
defender a democracia e a integridade de
processos políticos nacionais.

 
Desde 2020, o Congresso
Nacional mobilizou cente-
nas de pessoas entre repre-
sentantes do setor privado,
de órgãos públicos, da socie-
dade civil e acadêmica para
discutir propostas para regular as pla-
taformas. Um dos projetos que centra-
lizaram atenções foi o que dispõe so-
bre a Transparência, Responsabilidade
e Liberdade na Internet, o PL 2630. São
quatro anos de debate acumulado, que
não podem ser desprezados.

 
O Parlamento precisa ser célere na sua
missão de oferecer uma legislação sobre
o tema. Não podemos permitir que essas
empresas sigam atuando de forma para-
sitária, coletando dados e impondo um
modelo de negócios que aufere bilhões
em lucro no Brasil e ainda se coloquem
acima dos interesses nacionais.

CARTA CAPITAL
 

 

 

 

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