April 14, 2024

Netanyahu ignora as pressoes e prepara ataque final a Gaza

 

  PO R J U L I A N B O R G E R , D E WA S H I N GTO N , TO B Y H E L M , LO R E N ZO TO N D O E Q U I Q U E K I E RSZ E N B AU M , D E J E R U S A L É M

 Quando Gilad Erdan, o enviado de Israel à Organização das Nações Unidas, apresentou-se ao Conselho de Segurança para protestar contra a resolução de cessar-fogo recém-aprovada, era uma figura mais solitária do que nunca na enorme câmara. Os Estados Unidos, até então constantes protetores de ­Israel na ONU, recusaram-se a usar seu veto e permitiram o pedido do Conselho por uma trégua imediata, embora esta não incluísse, como Erdan apontou furiosamente, qualquer condenação ao massacre de israelenses pelo Hamas que deu início à guerra.

Esse tinha sido um limiar para os Estados Unidos até a segunda-feira 25, assim como condicionar um cessar-fogo à libertação de reféns. Depois de quase seis meses de bombardeios constantes, com mais de 32 mil mortos em Gaza e uma crise de fome iminente, essas “linhas vermelhas” perderam, no entanto, força, e a embaixadora norte-americana, Linda Thomas-Greenfield, não moveu a mão quando a presidência solicitou os votos contra a resolução.

A mensagem foi clara: o tempo da
ofensiva israelense tinha acabado e o go-
verno de Joe Biden não estava prepara-

do para permitir que a credibilidade dos
EUA no cenário mundial se esvaísse, ao
defender um governo israelense que deu
pouca ou nenhuma atenção a seus ape-
los para parar o bombardeio de áreas ci-
vis e permitir entregas substanciais de
alimentos. “Este deve ser um ponto de
virada”, afirmou o enviado palestino,
Riyad Mansour, ao Conselho de Segu-
rança, lamentando aqueles que morre-
ram no tempo que seus integrantes leva-
ram para superar as diferenças.

 
Nos dias seguintes, houve outros si-
nais de que o Ocidente estava a mudar de
posição, ao menos em termos de retóri-
ca. Na terça-feira 26, a ministra das Rela-
ções Exteriores da Alemanha, Annalena
Baerbock, anunciou que Berlim enviaria
uma delegação para lembrar claramente
a Israel suas obrigações relativas às Con-
venções de Genebra, e alertou o país para
não ir adiante com uma ofensiva planeja-
da na cidade de Rafah, no extremo sul de
Gaza. Foi uma mudança de tom notável

num país que tem sido o segundo maior
apoiador e fornecedor de armas de Israel.

 
Entretanto, no Reino Unido, o secretá-
rio do Exterior, David Cameron, tem au-
mentado suas críticas a Israel, particular-
mente sobre o bloqueio da ajuda a Gaza, e
ao mesmo tempo tem sido extremamen-
te cuidadoso para evitar perguntas sobre
se o Ministério das Relações Exteriores
agora acredita que o governo de Benjamin
Netanyahu tem violado o direito huma  

  nitário internacional. Tentar encontrar
esse equilíbrio criou tensões reais e ca-
da vez mais óbvias no governo britânico
e do Partido Conservador.

 
Essa mudança definitiva de posições
internacionais, porém, ainda não alterou
nada para os 2,3 milhões de civis encur-
ralados em Gaza. Os bombardeios e os ti-
roteios não pararam. Os políticos podem
recalibrar o discurso, mas não suficien-
temente rápido para aqueles na linha de
fogo. Nas 48 horas após o Conselho de Se-
gurança ter-se aplaudido pela aprovação
da resolução de cessar-fogo, 157 palesti-
nos foram mortos em Gaza. Dezoito de-
les, incluindo ao menos nove crianças e
cinco mulheres, morreram quando uma
casa cheia de deslocados foi bombarde-
ada no norte de Rafah. Doze morreram
afogados ao tentar alcançar pacotes de
alimentos lançados no mar.

 
O número de caminhões que entram
em Gaza aumentou ligeiramente para cer-
ca de 190 por dia, menos de metade do to-
tal diário em tempos de paz. Os inspeto-
res israelenses ainda recusavam de 20 a
25 por dia, informou a NBC News, ao citar
um funcionário humanitário egípcio, por
motivos tão arbitrários quanto os paletes
de madeira que transportam os alimen-
tos não terem exatamente as dimensões
corretas. Israel proibiu a UNRWA, a prin-
cipal agência humanitária da ONU na re-
gião, de utilizar a passagem. Um funcio-
nário do Departamento de Estado nor-
te-americano disse à agência Reuters, na
sexta-feira 29, que a fome havia se insta-
lado em algumas partes de Gaza, fazendo
eco a uma conclusão semelhante do Tri-
bunal Internacional de Justiça em Haia.

 
Quatro dias depois de aprovada a reso-
lução do Conselho de Segurança, o jornal
Washington Post relatou mais entregas de
armas dos Estados Unidos, incluindo 1,8
mil bombas MK84 de 2 mil libras, mu-
nições maciças envolvidas em numero-
sos eventos com vítimas em massa du-
rante a operação militar em Gaza. Além
disso, apesar da votação na ONU poucos
dias antes, o governo Biden deixou claro
a seus aliados que a ameaça de interrom-
per o fornecimento de armas a Israel co-
mo alavancagem está fora de questão, ao
menos por enquanto. O presidente dis-
se num evento de captação de fundos na
quinta-feira 28: “Não podemos esquecer
que Israel está numa posição em que sua
própria existência está em jogo”.

 
No Reino Unido existe, porém, uma
sensação crescente de que as questões
jurídicas, e outrass relacionadas à ven-
da de armas, não podem ser evitadas, ou
confundidas, por muito mais tempo. Co-
mo relata The Observer, a presidente con-
servadora da Comissão de Relações Ex-
teriores, Alicia Kearns, uma ex-funcio-
nária do Ministério das Relações Exte-
riores e do Ministério da Defesa, disse
num evento de arrecadação de fundos no
norte de Londres, em 13 de março, que o
departamento de Cameron recebeu con-

selho jurídico de que Israel violou o direi-
to humanitário internacional, mas optou
por não o divulgar. Essa afirmação cau-
sará arrepios em Londres e Washington,
pois atinge o cerne de uma das questões
mais sensíveis da diplomacia internacio-
nal. Em janeiro, ao comparecer perante
a comissão de Kearns, Cameron evitou
perguntas sobre se ele havia recebido tal
aconselhamento jurídico: “Não consigo
me lembrar de cada pedaço de papel que
foi colocado na minha frente... Não quero
responder a esta pergunta”. Mesmo en-
tão, nessa mesma audiência – e antes de
se tornar tão falante quanto está agora –,
admitiu estar “preocupado” com a possi-
bilidade de Israel violar as regras.
Não é difícil compreender por que 

Ministério das Relações Exteriores e
Cameron podem estar sendo opacos. A
existência de tal aviso, e qualquer reco-
nhecimento aberto do mesmo, desenca-
dearia uma série de exigências aos minis-
tros, entre as quais a menos importante
seria o dever de suspender todas as ven-
das de armas britânicas a Israel.

 
Na verdade, mesmo que o parecer jurí-
dico sugerisse um “risco” de Israel ter in-
fringido a lei, o país teria de interromper
as exportações. Alguns dizem que o Reino
Unido seria obrigado a deixar de compar-
tilhar informações com os Estados Uni-
dos, porque o aliado poderia entregá-las a
Israel. Numa carta recente a Cameron, o
secretário de Relações Exteriores de opo-
sição britânico, David Lammy, centrou-se
nesse mesmo ponto sobre as exportações
de armas, referindo-se ao quesito 2c dos
Critérios Estratégicos de Licenciamento
de Exportações do Reino Unido, que exi-
ge que o governo “não conceda uma licen-
ça se determinar que existe um risco cla-
ro de que os itens possam ser usados pa-
ra cometer ou facilitar uma violação gra-
ve do direito humanitário internacional”.

 
O quesito 2c acrescenta: “O governo
também levará em conta o risco de os
itens serem usados para cometer ou fa-

cilitar violência baseada em gênero ou
atos graves de violência contra mulheres
ou crianças”. Segundo Lammy, isto era
“particularmente relevante, dado que
as mulheres e as crianças constituem a
maioria das vítimas da guerra em Gaza”.

 
Muitos deputados conservadores es-
tão preocupados com a possibilidade de
Cameron estar prestes a anunciar um
embargo à venda de armas a Israel. Nu-
ma reunião da comissão de 1922, de no-
vos deputados conservadores, no dia 25,
o secretário de Relações Exteriores negou
que estivesse a pensar em algo do gênero,
embora funcionários do ministério digam
que isso não pode ser descartado se Israel
cumprir a ameaça de atacar Rafah.

 
Tal como nos Estados Unidos, o tom do
Reino Unido pode estar em mudança para
algo mais crítico em relação a Israel. Mas
será muito mais difícil criar o espaço polí-
tico para combinar esta situação com a re-
lativa abertura ao parecer jurídico dado,
e depois tomar as medidas consequentes.

 
Por seu lado, Israel tem sido duramen-
te criticado, mas ainda está longe de ser
um pária. Netanyahu e seu gabinete de
guerra continuam a insistir que Israel
prosseguirá com uma ofensiva em Rafah,
onde mais de 1 milhão de civis deslocados
se abrigaram, ignorando os avisos dos Es-
tados Unidos de que seria um “erro” que
sairia pela culatra da segurança israelen-
se. Dois ministros de Israel deverão estar
em Washington nos próximos dias para
discutir a ofensiva planejada, numa visi-
ta que Netanyahu tinha inicialmente can-
celado em protesto contra a abstenção do
governo Biden no Conselho de Segurança.

 
Autoridades norte-americanas dizem
que aproveitarão as reuniões para apre-
sentar um plano alternativo de contrain-
surgência contra o Hamas em Rafah,
concentrando-se em ataques precisos a
figuras importantes do grupo palestino,
mas admitem que não têm como obrigar
seus visitantes a levar as sugestões a sé-
rio. “Eles são um Estado soberano. Não

i nterferiremos em seu planejamento mi-
litar, mas delinearemos em termos gerais
o que consideramos outro caminho a se-
guir para melhor alcançar os mesmos ob-
jetivos”, informou uma autoridade dos
EUA. Num aparente desafio ainda maior
às opiniões de Washington, militares is-
raelenses começaram a criar uma zona-
-tampão em torno das fronteiras de Ga-
za que ocuparia 16% de toda a faixa cos-
teira, segundo o jornal Haaretz.

 
A opinião pública israelense tem-se
mostrado, até agora, amplamente imune à
pressão dos Estados Unidos e de outras na-
ções, e o apoio à operação militar em Ga-
za beira os 80%. Ainda mais preocupan-
te para as esperanças de Washington de
conter o conflito, também há mais de 70%
de apoio público israelense a uma ação em
grande escala contra o Hezbollah no Lí-
bano, o que Washington conseguiu evi-
tar até agora. Em Israel, os manifestantes
pró-guerra estão muito mais em evidência
do que os antiguerra. Colonos israelenses
e ativistas de direita concentraram seus
protestos na UNRWA, bloqueando as en-
tradas do seu escritório em Jerusalém.

 
Os manifestantes pintaram a resolução
de cessar-fogo da ONU como um ataque
ao país. “Se olharmos o número de conde-
nações da ONU contra Israel versus o nú-
mero de condenações à Coreia do Norte ou
à Síria, podemos ver como eles estão obce-
cados por nós, e esta é mais uma prova de
sua obsessão”, disse Roei Ben Dor, 21 anos,
da cidade de Gedera, no centro de Israel.

 
“Devíamos estar em Gaza não apenas por
causa do Hamas, mas porque Gaza é nos-
sa. Temos todo o direito de tomar Gaza,
de tomar Rafah. Esta é a nossa terra.”
Aynat Libman, colona israelense de 52
anos de Efrat, argumentou que a resolu-
ção simplesmente prova o antissemitis-
mo inerente às Nações Unidas. “Como
poderia a ONU dizer que deveríamos pa-
rar a guerra antes de terminarmos de nos
proteger?”, pergunta Libman. “Podemos
fazer isso sozinhos. Mas, claro, seria bom
se tivéssemos apoio.”

 
A ausência de malícia nas reprimen-
das da comunidade internacional enco-
rajou o sentido de imunidade da atual co-
ligação israelense em relação à opinião
pública global, mas o início de uma fo-
me em grande escala, ou uma ofensiva
em Rafah, poderá trazer uma resposta 

muito mais incisiva por parte dos amigos
e dos adversários de Israel. E há sinais
de que os danos reais causados à posição
global israelense poderão piorar com o
tempo, possivelmente com consequên-
cias de longo alcance. 

 
Michael Sfard, advogado israelense de
direitos humanos e especialista em di-
reito humanitário internacional, afirma
que “a comunidade internacional falhou
terrivelmente na tentativa de evitar a de-
terioração do conflito israelo-palestino
até a catástrofe que hoje se desenrola em
Gaza”. Ele acrescentou: “A resolução do
Conselho de Segurança é um passo im-
portante na direção certa. A questão é se
as partes no conflito serão responsabili-
zadas se não o cumprirem”.

 Tal como no Reino Unido, a tensão nos
Estados Unidos em torno da questão do
direito internacional tem aumentado. Na
última semana de março, um funcioná-
rio de direitos humanos do Departamen-
to de Estado demitiu-se e afirmou que o
governo desrespeita a legislação nacional
que proíbe a assistência a quaisquer uni-
dades militares estrangeiras envolvidas
em atrocidades, ou a qualquer país que
impeça “o transporte ou a entrega de as-
sistência humanitária dos Estados Uni-
dos”. De acordo com a autoridade, Annelle
Sheline, o Departamento de Estado tem

provas de violações, mas que estão sen-
do suprimidas. “Acho que alguns desses
processos internos não serão divulgados
até que a Casa Branca se disponha a isso.”

 O Departamento de Estado informou
que seu processo de revisão, até o momen-
to, não deu motivos para se duvidar de que
as garantias formais israelenses de cum-
primento do direito humanitário interna-
cional, conforme exigido pelo estatuto dos
EUA, são “críveis e confiáveis”. Mas não
deverá ser apresentado um relatório com-
pleto sobre essas garantias antes de 8 de
maio, o que poderá tornar-se elemento de
vantagem para Israel se não houver avan-
ços no fornecimento de ajuda alimentar
a Gaza. “É isso que devemos procurar”,
avalia Aaron David Miller, ex-negocia-
dor do Departamento de Estado que ho-
je trabalha no Carnegie Endowment for
International Peace. “Ficaria surpreen-
dido se Washington julgasse que os isra-
elenses não cumprem as regras.”

 A outra mudança potencial com rami-
ficações em longo prazo para o futuro de
Israel é, no entanto, a percepção dos jo-
vens norte-americanos, muitos dos quais
abandonaram os reflexos pró-Israel dos
seus pais e fizeram de Gaza um tema de
campanha, com votos de protesto nas pri-
márias presidenciais democratas. Uma re-
cente pesquisa Gallup revelou que 63%
dos eleitores entre 18 e 34 anos reprovam
a ação militar israelense, assim como 55%
dos entrevistados. “Estamos presencian-
do um momento sem precedentes de cons-
ciência coletiva sobre a ocupação em curso
e as condições do apartheid em Israel-Pa-
lestina”, disse Rae Abileah, ativista judai-
ca progressista nos EUA. “Nunca vi essa
quantidade de manifestantes saindo con-
sistentemente às ruas. Durante anos, você
poderia dizer: ‘Você pode ser progressis-
ta, exceto sobre a Palestina’. Não podemos
mais dizer isso.” Abileah reflete: “O avi-
so está mais claro do que nunca”.

CARTA CAPITAL       

 

 

 

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