paul krugman
O regime Trump-Putin começou há menos de uma semana e já está ficando difícil acompanhar os desastres. Você ainda se lembra do faniquito do presidente sobre a presença embaraçosamente pequena de público em sua posse? Bem, isso já parece história antiga.
Mas quero dedicar minha atenção, só por um minuto, à história que dominou o noticiário na quinta-feira, antes que o tumulto quanto à proibição de entrada de refugiados se tornasse o assunto mais debatido.
Como você talvez se lembre –ou talvez não, já que as loucuras se sucedem muito rápido–, a Casa Branca pareceu inicialmente ter dito que imporia uma tarifa de 20% aos produtos importados do México, mas talvez estivesse falando de um plano de impostos, proposto pelos republicanos da Câmara, que não dizia coisa alguma nesse sentido; em seguida, a presidência anunciou que estava apenas mencionando uma ideia; e depois abandonou o assunto completamente, pelo menos por enquanto.
Em termos de maldade bruta, falar à toa sobre tarifas não se equipara a fechar a porta aos refugiados –e no dia que honra as vítimas do Holocausto, aliás. Mas a história sobre as tarifas ainda assim exemplifica o padrão que já estamos vendo nessa desordenada administração –um padrão de disfunção, ignorância, incompetência e confiança traída.
A história, como tantas outras coisas nas últimas semanas, parece ter começado com o ego inseguro do presidente Donald Trump: as pessoas estavam zombando dele porque, ao contrário do que prometeu em campanha, o México não pagará pela muralha inútil ao longo de sua fronteira. Por isso, o porta-voz do presidente, Sean Spicer, decidiu declarar que um imposto cobrado na fronteira sobre os produtos mexicanos bancaria, na prática, o custo da muralha. Pronto!
Como os economistas não demoraram a apontar, no entanto, tarifas não são pagas pelo exportador. Com algumas pequenas ressalvas, elas são basicamente pagas pelos compradores –ou seja, um imposto sobre os bens mexicanos importados seria um imposto sobre os consumidores dos Estados Unidos. E seriam eles, e não o México, que terminariam pagando pela muralha.
Ops. Mas esse não era o único problema. Os Estados Unidos são parte de um sistema de tratados –um sistema criado por nós– que determinam regras para a política de comércio internacional, e uma das principais regras é que não se pode elevar unilateralmente tarifas que tenham sido reduzidas em negociações anteriores.
Se os Estados Unidos simplesmente violarem essa regra, as consequências seriam severas. O risco não seria tanto de retaliação –ainda que este também exista–, mas de emulação: se tratarmos as regras com desdém, todo mundo mais fará o mesmo.
Todo o sistema de comércio internacional começaria a se desmantelar, com efeitos profundamente destrutivos em toda parte, o que inclui, e muito, o setor industrial dos Estados Unidos.
Assim, será que a Casa Branca planeja mesmo seguir esse caminho? Ao se concentrar nos produtos importados do México, Spicer causou essa impressão; mas também disse que estava falando sobre uma "reforma tributária abrangente como forma de tributar importações de países com os quais tenhamos um deficit comercial".
Isso parecia ser referência a uma proposta de reformar os impostos pagos pelas empresas, que incluiria "impostos ajustáveis de importação".
Mas eis o problema: uma reforma como essa não teria todos os efeitos que ele estava sugerindo. Ela não tomaria como alvo os países com os quais temos deficit, e muito menos o México; seria aplicada a todo o comércio internacional. E não seria de fato um imposto sobre a importação.
É justo ressaltar que esse é um ponto que a maioria das pessoas não costuma entender. Muita gente que deveria saber melhor acredita que impostos sobre valor adicionado, cobrados por muitos países, desencorajam as importações e subsidiam as exportações. Spicer ecoou essa ideia incorreta. Na verdade, porém, os impostos por valor adicionado são basicamente impostos nacionais sobre as vendas, que não encorajam e nem desencorajam importações. (Sim, os produtos importados pagam o imposto, mas os produtos nacionais também o fazem.)
E a mudança proposta nos impostos das empresas, embora diferente do imposto sobre valor adicionado em alguns aspectos, teria efeito igualmente neutro sobre o comércio internacional. O que isso significa, especialmente, é que a mudança nada faria para que o México pague pela muralha.
Parte desse assunto é um tanto técnica –em meu blog, ofereço detalhes adicionais. Mas o governo dos Estados Unidos não deveria ter certeza sobre o que fala antes de fazer o que aparenta ser uma declaração de guerra comercial?
Vamos resumir, portanto: o secretário de imprensa da Casa Branca criou uma crise diplomática ao tentar proteger o presidente de zombarias causadas por suas bazófias insensatas. No processo, demonstrou que as pessoas que estão no poder nada entendem sobre política econômica. Em seguida, ele tentou recuar e mudar de assunto.
Tudo isso deveria ser colocado no contexto mais amplo, de uma rápida perda de credibilidade pelos Estados Unidos.
Nosso governo nem sempre fez a coisa certa. Mas manteve suas promessas, a nações e indivíduos igualmente.
Agora, tudo isso está em questão. Todo mundo, de pequenos países que acreditavam estar protegidos contra a Rússia, a empreendedores mexicanos que acreditavam ter acesso garantido aos nossos mercados e intérpretes iraquianos que achavam que seus serviços aos Estados Unidos significavam uma garantia de refúgio, precisa se preocupar com a possibilidade de levar um calote, como costuma acontecer aos empreiteiros que trabalham para os hotéis Trump.
Essa é uma perda muito sério. E provavelmente irreversível.
FOLHA DE SAO PAULO, 30 de janeiro de 2017
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