carlos heitor cony
"No grande teatro da vida vão levar mais uma vez a revista colossal:
Pierrô, Arlequim e Colombina vão a preços populares repetir o Carnaval."
Na voz de Mário Reis, que serviu de modelo para o sucesso de João
Gilberto, a marchinha estava em todos os lugares e ruas de Paquetá, onde
passei parte da minha infância.
Eu não tinha coragem de dizer que não gostava daquilo. Mas o pai se entusiasmava com qualquer novidade. Lá pelas quatro horas da tarde me botava uma túnica preta e a tal máscara de morcego que fedia a papelão e cola. Me mandava para a praia dos Tamoios que assumia o papel de "grande teatro da vida". Esbarrava com outros morcegos bem mais animados do que eu. Procurei me esconder atrás da Pedra da Moreninha, onde estavam gravados em bronze os versos de Hermes Fontes: "Paquetá é um céu profundo que começa neste mundo e não sabe onde acabar".
De repente esbarrei com uma caveira, provavelmente um menino como eu, fantasiado de morte, os dentes arreganhados, a túnica branca com enorme cruz preta no peito e nas costas. Corri tanto, que não podia gritar. Pior de tudo, não sabia onde devia ir.
Estou correndo até hoje. Amigos reclamam que ando depressa demais, achando que não dou importância a eles. Eu próprio não sei para onde estou indo, continuo fugindo da caveira que mutilou minha memória.
FOLHA DE SÃO PAULO, 7 DE FEVEREIRO DE 2016
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