MATHEUS MAGENTA
A farra da cultura com as tetas públicas está perto do fim. Hoje, todos têm direito de captar recursos via Lei Rouanet, de estilistas e seus desfiles de moda em Paris a artistas de rua. "Mas (escreva aqui o nome do artista) precisa mesmo disso?". "A lei é para todos." Antes moral, o debate deve passar a ser legal.
Caso entre em vigor, a decisão do TCU (Tribunal de Contas da União) de vetar esses recursos para projetos culturais com "potencial lucrativo" causará a maior transformação no segmento cultural brasileiro desde os anos 1990, na criação da Rouanet. Quem consegue se bancar deixaria de mamar.
O mecanismo atual é simples. Pessoas físicas e jurídicas podem destinar parte do imposto devido para um projeto à sua escolha. O governo chancela as propostas a partir de critérios técnicos, sem avaliações estéticas. Em duas décadas, 196 mil foram apresentadas e 106 mil, aprovadas.
Quase R$ 17 bilhões renunciados depois, o que se vê é interesse privado orientando uma política pública, especialistas em formatar projetos adequados à burocracia do Ministério da Cultura e artistas e produtores que privilegiam o próprio umbigo ao público.
A decisão do TCU implode fundamentos da produção atual. Nela, se bem-sucedida na captação de recursos, uma exposição quita as contas antes da estreia e transforma bilheteria em sinônimo de lucro. Escritores vivem de livros lidos por ninguém e filmes se pagam mesmo com cinemas vazios.
INDEPENDÊNCIA
Parte do setor cultural defende que a arte deve ignorar a lógica de mercado. A produção deve atender critérios estéticos, não espectadores, distribuidores ou editores. Nesse caso, os recursos públicos são essenciais.
Quem, portanto, não precisaria desse dinheiro? Parece fácil responder tendo em vista empresas com receita de R$ 553 milhões em 2014 e captação de R$ 15 milhões naquele ano via Lei Rouanet para versões de musicais da Broadway.
Mas o que dizer da turnê de um músico assíduo em Sescs ou de um sertanejo fora das paradas? Venda de ingressos e anunciantes e patrocinadores são suficientes para bancá-la? Não está claro o que é o "potencial lucrativo". Para o TCU, o Ministério da Cultura sabe fazer a distinção. A pasta nega —para ela, todo projeto é potencialmente lucrativo.
A disputa entre os projetos, no entanto, é predatória e orientada por critérios mercadológicos —os mesmos ignorados por parte da produção. Por que um banco destinaria parte do seu Imposto de Renda para uma peça teatral montada na rua, sendo que um festival de música tem mais impacto e visibilidade?
Na prática, o "potencial lucrativo" se afunila em interesses dos grandes patrocinadores. Mas o veto ao patrocínio de grandes eventos culturais abre três caminhos. O patrocinador pode redirecionar recursos para projetos menores, fugir com seu capital ou começar a tirar dinheiro da própria carteira. Hoje, os mecenas privados fortalecem suas imagens às custas do erário —na Rouanet, a cada R$ 10, menos de R$ 0,50 saíram de bolsos privados.
Há também uma brecha bem-vinda no horizonte. O barateamento dos ingressos reduziria a previsão de receitas e ampliaria a necessidade da vaca de divinas tetas chamada Lei Rouanet.
FOLHA DE SÃO PAULO, 5 DE FEVEREIRO DE 2016
ilustração: Fido Nesti
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