September 18, 2021

Traidor socorre traidor

 

 


ALDO FORNAZIERI 

Ao socorrer Bolsonaro quando
este enfrentava um forte fogo
nutrido vindo do STF, Michel
Temer foi saudado como um gran-
de constitucionalista, um pacificador,
por setores políticos, analistas e jorna-
listas da grande mídia. A saudação não
causou estranheza, pois a política bra-
sileira se move sob a égide da hipocrisia.
Nunca se diz o que deve ser dito. As coi-
sas nunca são apresentadas como real-
mente são. A farsa e a mentira prevale-
cem. Bolsonaro é apenas a face radica-
lizada da histórica cultura da hipocri-
sia política no Brasil. Aqui, os hipócri-
tas não precisam de esforço para dissi-
mular ou fingir, pois sabem que, quan-
do quase todos os gatos são pardos, ne-
nhum acusa ou denuncia o outro.


Pois bem: Michel Temer é um traidor
do Brasil e de seu povo. Socorreu outro
traidor da pátria, que é Bolsonaro. Não é
a primeira vez: em 1999, quando Bolsona-
ro propôs fuzilar o então presidente Fer-
nando Henrique Cardoso e mais “uns 30
mil”, foi socorrido e salvo da cassação por
Temer. Em nenhum país democrático do
mundo um parlamentar que propusesse
fuzilar um presidente ou primeiro-mi-
nistro ficaria com seu mandato. Naquela
ocasião, Temer traiu a democracia, a deis-
cência, o decorro parlamentar e a própria
Câmara dos Deputados.


vavelmente a maior, consistiu em enga-
nar a presidenta Dilma Rousseff e o PT,
partido com o qual tinha feito uma alian-
ça em nome do PMDB. Seu comparsa de
traições, Eduardo Cunha, testemunhou
que Temer liderava as articulações do
impeachment-golpe três meses antes do
processo. Segundo Cunha, não foi uma
participação qualquer: Temer foi líder da
conspiração que levou à deposição de Dil-
ma, mergulhou o Brasil numa crise polí-
tica interminável e proporcionou a vitó-
ria de Bolsonaro em 2018.


Não contente com a sua traição, como
presidente-usurpador, Temer também en-
ganou os trabalhadores brasileiros, enca-
minhando uma reforma que tirou direi-
tos e agravou o desemprego e a pobreza.
A reforma foi contra o espírito e a letra da
Constituição de 1988, assentados na ga-
rantia de direitos, não só civis e políticos,
como também sociais. A Constituição co-
locou-se em linha com a Declaração de Di-
reitos da ONU, ao entender que os direitos
sociais e trabalhistas também integram os
Direitos Humanos.


Agora, Temer deu mais um passo na
sua ignominiosa história de vilanias e
traições. Apresentou-se como um es-
pírito maligno para proteger o grande
mal que é Bolsonaro. Salvou Bolsona-
ro, que converteu o Brasil numa vas-
ta arena de ódios, um vale de intrigas e
mentiras, uma necrópole onde são se-
pultados os corpos e os sonhos de qua-
se 600 mil pessoas que não tiveram o
socorro e os cuidados necessários que
o Estado e o governo tinham a obriga-
ção de lhes prestar. O Brasil tornou-se
essa necrópole onde não são sepultados
apenas corpos, mas o próprio espírito
moral da nação, degradada por um pre-
sidente indigno, vil, insensível e impie-
doso, que debocha dos vivos e dos mor-
tos e trai diariamente a Constituição.


Temer associa-se criminosamente a
essa traição. Se Temer fosse constitu-
cionalista, denunciaria as violações que
Bolsonaro perpetra. Socorremo-nos
aqui de Ulysses Guimarães. Ao promul-
gar a Constituição disse: “Quanto a ela
(a Constituição), discordar, sim. Diver-
gir, sim. Descumprir, jamais. Afrontá-la,
nunca. Traidor da Constituição é traidor
da Pátria. Conhecemos o caminho maldi-
to: rasgar a Constituição, trancar as por-
tas do Parlamento, garrotear a liberda-
de, mandar os patriotas para a cadeia, o
exílio, o cemitério”. Logo adiante, Ulys-
ses completou dizendo que “temos ódio
à ditadura. Ódio e nojo”.


O “grande constitucionalista” Temer
dispôs-se a ajudar Bolsonaro a reabrir o
caminho maldito que leva à invasão do
STF e do Senado, ao fechamento das por-
tas do Parlamento, que aprofunda o vale
do ódio e da morte e que transforma o Bra-
sil num deserto moral.


Enquanto Temer se especializou na ar-
te da traição, Bolsonaro se especializou
na arte da esperteza dos covardes. Foi in-
disciplinado no Exército, chegando a pre-
parar atentados terroristas. Expulso pe-
lo Exército foi salvo pelo Superior Tribu-
nal Militar. Ao ameaçar fuzilar FHC e mi-
lhares de brasileiros, foi salvo por Temer.
Ao defender torturadores, ditadores, pro-
ferir injúrias raciais e ofender mulheres,
sempre contou com a complacência dos
liberais e das esquerdas. O próprio FHC
confessou recentemente que não o leva-
va a sério. Quem acredita agora na boa-
-fé da sua carta à nação? É mais uma far-
sa da sua esperteza criminosa. Bolsonaro
precisa ser destituído e Temer precisa ser
designado por aquilo que é: um traidor da
Constituição e da Pátria. •

CARTA CAPITAL



 

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