May 9, 2018

Viver com até R$ 47 por mês obriga a escolher entre comida e higiene


Flavia Lima , Joana Cunha , Kleber Nunes e Luisa Leite 
 
Rosângela Silva, da comunidade Fim de Semana, em São Paulo, sentada com o filho recém-nascido nos braços
Rosângela Silva, da comunidade Fim de Semana, em São Paulo; após o nascimento do filho, ficou difícil encontrar bicos de faxina - Danilo Verpa/Folhapress
 
São Paulo , Rio de Janeiro e Recife
Rosângela Silva, 28, é um dos trabalhadores brasileiros que vivem com menos de R$ 47 por mês.

Ela mora em uma comunidade chamada Fim de Semana no Jardim São Luís, bairro da cidade mais rica do país, São Paulo, e distante apenas dez quilômetros do shopping de luxo Cidade Jardim —onde um prato de salada no restaurante do grupo Fasano custa cerca de R$ 70.

Se a crise econômica atingiu em cheio o mercado de trabalho como um todo, ela foi especialmente cruel com a parcela mais pobre: o contingente de 4,5 milhões de pessoas que estão na base da pirâmide do rendimento do trabalho, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

Na ponta mais privilegiada, entre os 5% da população com salário médio mais elevado, de R$ 9.700, a perda na renda foi de 3% no ano passado.

No extremo oposto, a renda do trabalho caiu quase 40% de 2016 para 2017. Para dimensionar a profundidade do mergulho, um ano antes, a renda mensal média desse grupo era R$ 76 —comprava uma salada no restaurante cinco estrelas.

Rosângela ilustra como a crise foi bem mais dura com as famílias das classes mais baixas. Com um bebê de dois meses no colo, ela já não consegue mais passar roupa ou fazer faxina por R$ 100 a diária com a frequência de antes.

Seu marido reforçava a receita da casa também fazendo trabalhos temporários, mas teve uma morte violenta no ano passado, quando Rosângela ainda estava grávida.

“Agora ficou difícil por causa do bebê, ninguém chama. O enxoval foi doação, mas não dá para comprar fralda. O pessoal ajuda”, conta.

Moradora do Rio de Janeiro, estado que vive uma grave crise fiscal, Clotilde Elbakh, 67, também sentiu a vida mudar no último ano —para pior.

Costumava folgar aos sábados e domingos para ficar com os netos, mas hoje dedica todo o seu tempo, sete dias por semana, ao trabalho na rua.

Isso porque a renda que conseguia vendendo pulseiras e colares feitos em casa com sementes de açaí caiu bastante. “Muitos clientes do meu artesanato eram turistas. O movimento caiu no último ano.”

Antes, ela tirava até R$ 100 por dia com a atividade. Hoje, chega a ficar até três dias por semana sem vender nada.

Até 2014, o mercado de trabalho, mesmo informal, foi crucial para melhorar a vida de pessoas como Clotilde porque muitos postos gerados no período saíram de atividades ligadas aos serviços prestados às famílias —que empregam muita mão de obra de baixa qualificação.

Hoje, mesmo após a recuperação ensaiada em 2017, quando o PIB (Produto Interno Bruto) cresceu 1%, quase 14 milhões de pessoas ainda buscam vagas.

No recorte por região, a situação dos trabalhadores mais pobres do Nordeste é ainda mais preocupante.
O rendimento médio por trabalhador desse grupo caiu de R$ 21 para R$ 9 em 2017.

E uma fonte de renda crucial na região, o Bolsa Família, também recuou no período.

Segundo o IBGE, 14,3% dos domicílios brasileiros recebiam dinheiro referente ao programa em 2016, percentual que caiu para 13,7% em 2017.











“Temos que fazer escolhas que outras pessoas nem imaginam: comida ou itens de higiene. Praia ou qualquer lazer, impossível”, diz Lucicleide Ferreira, 45.

Moradora da periferia da zona oeste do Recife, sobrevive com o marido e dois filhos com R$ 170 do Bolsa Família, ou seja, uma renda per capita de R$ 42,50 por mês.

Eventualmente, Lucicleide lava as roupas de um amigo do filho que vem ao Recife e ganha R$ 50 pelo serviço.

A situação nunca foi fácil, conta, mas piorou quando o marido foi demitido de uma oficina mecânica, há cerca de um ano. “Hoje ele faz bico para ganhar R$ 8, R$ 10 por dia.”

Na casa própria de tijolo aparente, úmida e com dois cômodos, em uma rua sem saneamento da comunidade Caranguejo Tabaiares, a família amontoa os poucos móveis. Não pagam luz nem água.

A classe D/E, em que estão Rosângela, Clotilde e Lucicleide, passou de 69,3% do total de famílias em 2004 para 51,9% em 2014—o piso da série.

Segundo a consultoria Tendências, essa classe encorpou novamente durante a recessão para 56,1% em 2016. Em 2020, ainda vai representar 54,2% do total de famílias. Só irá superar o piso histórico em 2026.

Trabalhador de renda menor perde mais

R$ 2.237
era o rendimento médio mensal de todos os trabalhos em 2017, o que corresponde a queda de 1,4% sobre 2016
43,3%
da massa salarial estava com os trabalhadores 10% mais ricos
R$ 27.213
era a renda mensal da parcela mais rica da população, que corresponde a 1% do total de trabalhadores; nesse grupo, a queda foi de 3%
R$ 47
era a renda média do trabalhador mais pobre em 2017. No ano anterior, era de R$ 76, queda de 38%



 
 
  

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