May 4, 2017

Com 61 assassinatos, violência no campo registra recorde em 2016



O GLOBO

 

A violência no campo foi recorde em 2016, de acordo com relatório da Comissão Pastoral da Terra (CPT) divulgado no último dia 17. Foram 1.079 ocorrências de conflito por terra, o número mais elevado desde que a Pastoral iniciou o levantamento, em 1985. Houve um aumento de 40% em relação a 2015, ano com 771 ocorrências. Entre os registros de 2016 estão 61 assassinatos, crescimento de 22% no comparativo com o ano anterior. Nos últimos 25 anos, o número de assassinatos só foi maior em 2003, quando 73 homicídios foram registrados.

Ocorrências de conflito referem-se a situações em que houve alguma forma de violência contra a pessoa - assassinatos, tentativas de assassinato, ameaças de morte, prisão, tortura - ou contra a ocupação e a posse de terras - expulsão, despejo, tentativas ou ameaças de expulsão ou despejo, bens destruídos ou pistolagem.

A chacina de Colniza, município no noroeste de Mato Grosso, no último dia 20, quando nove pessoas foram assassinadas em um assentamento localizado em uma área de disputa por terras, é um indicativo de que a situação não deve ser diferente ao longo deste ano.

— Estamos percebendo que 2017 pode ser pior. Na mesma semana em que se lamenta Eldorado do Carajás, a gente tem o massacre na região de Colniza — afirmou o padre Paulo César Moreira, integrante da coordenação nacional da Comissão Pastoral da Terra.

 Em 17 de abril de 1996, 19 militantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) foram assassinados em Eldorado do Carajás, no sudeste do Pará, em um confronto com a Polícia Militar.
 
De acordo com o relatório "Conflitos no Campo: Brasil 2016", Rondônia foi o estado que mais assassinou e que mais prendeu. Lá foram registrados 21 dos 61 assassinatos e 88 das 228 prisões efetuadas no país.


Segundo a Comissão Pastoral da Terra, dos 61 assassinatos registrados em 2016, 58 foram decorrentes de conflitos por terra, dois de conflitos pela água e um de conflitos trabalhistas no campo. Desses homicídios, 16 foram de jovens entre 15 e 29 anos, 13 de indígenas, seis de mulheres e quatro de quilombolas.
Já o número de pessoas presas teve um aumento de 185%, indo de 80, em 2015, para 228 em 2016. Do total de prisões, mais de 80% foram na região Norte.
Além de Rondônia, o levantamento também destaca Tocantins, onde os conflitos por terra aumentaram 313% em comparação com o ano anterior, passando de 24 ocorrências, em 2015, para 99 em 2016. O estado está na principal divisa agrícola nacional, conhecida como Matopiba, acrônimo formado com as sílabas iniciais dos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia.


Tanto Paulo César Moreira, da CPT, quanto o geógrafo Marco Antônio Mitidiero Júnior, que é professor da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), citam o histórico de impunidade como um dos principais motivos para a violência no campo.
 
— Uma coisa é certa para aqueles que cometem violência no campo: raramente eles vão ser punidos. Três exemplos dessa impunidade são o massacre de Corumbiara, o de Eldorado do Carajás e a morte que chocou o mundo da freira Dorothy Stang — alerta Mitidiero Júnior.

O massacre de Corumbiara (RO) aconteceu em 1995, durante a desocupação da fazenda Santa Elina. Morreram 12 pessoas, sendo nove assentados, dois militares e um homem não identificado. Já a missionária Dorothy Stang, que defendia os direitos de pequenos produtores rurais, foi assassinada em 2005, em Anapu (PA).

A Ouvidoria Agrária Nacional, vinculada ao Ministério do Desenvolvimento Agrário, afirmou, por meio de sua assessoria de imprensa, que a disputa pela posse da terra não é a única causa de conflitos no país. "O desmatamento e as queimadas ilegais, a exploração irregular de recursos naturais, o trabalho análogo ao escravo e a ausência de regularização das posses e ocupações em diversas regiões contribuem para as disputas no campo", disse o órgão, em nota.

Segundo a Ouvidoria Agrária Nacional, o trabalho de mediação, prevenção e combate a todas as formas de violência no campo deve envolver "diversas esferas do poder público federal e estadual, seja do Executivo, do Legislativo e do Judiciário". O órgão disse ainda considerar fundamental a instalação de mais núcleos especializados na área agrária nas polícias Civis e Militares, Promotorias, Defensorias e Tribunais de Justiça nos estados.

O decreto que criou a Ouvidoria Agrária Nacional, em 2009, diz que entre suas competências estão: promover gestões junto a representantes do Poder Judiciário, do Ministério Público, do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e de outras entidades relacionadas com o tema, visando à resolução de tensões e conflitos sociais no campo.

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