Filha de chineses, professora de Yale causa polêmica ao propor educação linha duríssima para as crianças.
Fernanda Godoy
Com um livro provocativo - no qual afirma a superioridade da forma chinesa de educar sobre a americana - Amy Chua, uma filha de imigrantes chineses que chegou ao corpo docente da Universidade de Yale, vem criando grande controvérsia nos Estados Unidos. A defesa de um sistema draconiano - em que crianças são obrigadas a estudar horas intermináveis de piano e violino, proibidas de brincar ou de ver TV, de dormir na casa de amigos, e são punidas se não tirarem a nota máxima - provocou uma enxurrada de mensagens de ódio, múltiplos artigos na internet e em blogs, e até mesmo ameaças de morte.
"Battle Hymn of the Tiger Mother" virou best-seller, está a caminho de virar filme em Hollywood, e já começa a fazer sucesso na China, onde foi lançado com o título "Ser mãe na América". A polêmica começou com a publicação de trechos do livro no Wall Street Journal, com o título "Why Chinese mothers are superior", que gerou mais de oito mil comentários no site do jornal.
"O que os pais chineses entendem", escreve Amy Chua, "é que nada é divertido até que você seja bom no que faz. Para ser bom em alguma coisa, você tem que trabalhar, e crianças, por conta própria, nunca querem trabalhar, e é por isso que é crucial passar por cima das preferências delas. Isso geralmente requer uma fortaleza da parte dos pais, porque a criança resiste; as coisas são sempre mais difíceis no começo, que é quando os pais ocidentais tendem a desistir". A teoria explicaria por que ela ameaçou queimar os bichos de pelúcia da filha se ela não melhorasse o desempenho no piano.
Amy também conta que devolveu cartões de aniversário feitos pelas filhas, por considerar que não estavam à altura de sua capacidade, e que humilhou a filha mais velha, chamando-a de "lixo" , ao se sentir desrespeitada. Os relatos causaram reações furiosas, de pessoas que queriam denunciá-la por abusos contra menores e até pedir sua prisão. Na sua linguagem crua, Amy reconhece que "o fato é que pais chineses podem fazer coisas que pareceriam inimagináveis - e mesmo sujeito a ações legais - a ocidentais".
As duas meninas, Sophie, hoje com 18 anos, e Louise, de 15, tem currículos escolares brilhantes e viraram prodígios no piano e no violino. Mas Amy admite que teve que recuar um pouco no seu método depois que a filha mais nova se rebelou, aos 13, e abandonou o violino. No livro, Louise diz a uma amiga: "Eu não tenho tempo para nada divertido, porque sou chinesa". As duas meninas a tem acompanhado na platéia de programas de entrevista na TV, demonstrando apoio.
O marido, também professor em Yale, Jed Rubenfield, é judeu americano, e foi pego no meio da polêmica. Uma das respostas mais fortes veio de um artigo de uma mãe judia, Ayelet Waldman, entitulado "Em defesa da mãe ocidental, culpada, ambivalente e preocupada". No New York Times, o colunista David Brooks disse que "Amy Chua é fraca". "Praticar música por quatro horas requer atenção focada, mas não é de longe tão exigente do ponto de vista cognitivo como dormir na casa de amigas de 14 anos. Administrar rivalidades, negociar dinâmicas de grupo, navegar as distinções entre si mesmo e um grupo - esses e outros testes sociais impõem demandas que superam qualquer aula em Yale."
Mesmo Amy Chua, que antes da atual polêmica era mais conhecida por dois livros sobre relações internacionais - o mais recente deles sobre as razões para o declínio de impérios - começou a jogar água na fervura. Em entrevistas às TVs ABC e NBC esta semana, começou a suavizar suas declarações, depois de contar ter recebido ameaças de morte. No Colbert Report - um dos programas de humor de maior sucesso na Tv paga americana - Amy se disse surpresa com as reações.
- É um livro de memórias, era para ser engraçado, uma paródia de mim mesma. O livro fala do sistema de educação dos imigrantes chineses, no qual fui criada, e sobre alguns pontos fortes que vejo nesse sistema, mas também é sobre os meus erros, sobre como tive que recuar - defendeu-se.
Colbert pediu-lhe que não recuasse, dizendo que havia um componente políico que não podia ser desprezado.
- Nós estamos aterrorizados com os chineses, desde a abertura dos Jogos Olímpicos de Pequim, quando vimos que eles tem muito mais disciplina do que nós - disse Colbert, em tom de brincadeira.
Na mesma noite, em seu discurso do Estado da União, o presidente Barack Obama tocou no tema do receio americano de perder a supremacia ao falar das mudanças ocorridas na economia mundial das ultimas décadas.
- Nações como a China e a Índia deram conta de que, com algumas mudanças por sua conta, elas poderiam competir neste novo mundo. E então ela começaram a educar seus filhos mais cedo e por mais tempo, com maior ênfase em Matemática e Ciências - disse Obama, citando que a China possui hoje o computador mais rápido do mundo e a maior unidade privada de pesquisa sobre energia solar.
O Globo, 30 de janeiro de 2011.
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