February 28, 2010

Canal pago acolhe o que Holywood baniu

RAUL JUSTE LORES
DE PEQUIM

 

ilustração de Caco Galhardo


As dez maiores bilheterias do cinema americano no ano passado não deixam dúvidas de que temas adultos, roteiros elaborados e atores com mais de 30 anos têm mais chance na TV do que em Hollywood.

"Transformers 2", "Harry Potter 6", "Se Beber, Não Case", "Up", "Lua Nova" e "Avatar" têm algo em comum, saltos tecnológicos à parte: uma escritura sem ossos ou espinhas para que adolescentes, os maiores frequentadores dos cinemas, possam mastigá-los sem medo.
"Não existem papéis tão intensos no cinema", reclama o ator Ted Danson, da série Damages. "Nos filmes de US$ 100 milhões, o investimento está nos efeitos especiais e no marketing, não no roteiro", diz.

A depressão da América pós-crise financeira ("Hung", "Damages"), os desafios morais da guerra ao terror ("24"), a América sexista e racista pré-revolução sexual ("Mad Men"), a indústria das drogas e suas insuspeitas ramificações ("The Wire") ou a intolerância ("True Blood") ganham generosos roteiros, produção em película, cenas de sexo e drogas banidas de Hollywood e um status único na cultura pop.

O jornal "El País" perguntou a famosos escritores espanhóis o que achavam da atual safra de seriados. "Se Dumas ou Balzac estivessem vivos, estariam na TV, onde é feita boa parte da melhor narrativa no mundo", compara Carlos Ruiz Safón.

"As sete temporadas de "Os Sopranos" foram pouco", reclama o fã Javier Marías. E o filósofo Fernando Savater diz que "Os Simpsons" não se limitam à sátira social, mas "que praticam com ácido entusiasmo a purificação antropológica".

A rede de TV franco-alemã Arte dedicou o documentário "Hollywood, o Reino das Séries", à era dourada da TV americana. No programa, destaca-se o poder dos roteiristas-produtores sobre o dos diretores e o cuidado com o texto.

O métier já se deu conta disso. Grandes atores hollywoodianos que não encontravam bons papéis na indústria-pipoca migraram para a TV. Glenn Close, Kathy Bates, Holly Hunter, Kiefer Sutherland, Martin Sheen e Rachel Griffiths se mudaram para a telinha, assim como nomes quentes do cinema independente, como Tim Roth, Gabriel Byrne, Patricia Clarkson, Mary Louise Parker e Chloe Sevigny.

Cineastas como o argentino Juan José Campanella ("O Filho da Noiva") e o norte-americano Bryan Singer ("Os Suspeitos") trabalham como diretor e produtor executivo da série "House" (Universal Channel).

Alan Ball, que levou o Oscar por "Beleza Americana", se consagrou mesmo com os seriados "A Sete Palmos" e "True Blood". O escritor Dennis Lehane escreveu roteiros para "The Wire", e o cineasta Rodrigo García, filho de Gabriel García Márquez, dirigiu episódios de "A Sete Palmos", "Big Love" e "In Treatment".

O riquíssimo mercado televisivo americano ajudou a revolução: 55% da audiência está nos canais a cabo, que chegam a 100 milhões de domicílios que pagam pela assinatura e são o público mais cobiçado pelos anunciantes. Se as TVs abertas visam a massa, o cabo precisa achar o seu nicho.

Por isso uma série como "Mad Men", a mais premiada nos últimos três anos no país, pode se contentar com apenas 2 milhões de espectadores por episódio. Por trás de sucessos como "True Blood", "Sex and the City" e "A Sete Palmos", a HBO arrebanhou 40 milhões de assinantes. Sua maior concorrente, Showtime, investiu em seriados ainda mais polêmicos, como "Dexter", "Queer as Folk", "Californication", "The Tudors" e "The L Word".

Roteiristas do seriado "The Wire" já participaram de festivais literários no Reino Unido e na China, onde outros escritores os tietavam. Para esses intelectuais, o esterco cultural não está no cabo.

Folha, 18 de fevereiro de 2009





 

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