Ladrão roubaria de pobres e ricos para si mesmo e não teria nada de nobre, diz historiador
Fernando Duarte Correspondente • LONDRES
Julian Luxford é o primeiro a admitir que Robin Hood tem sido uma mina de ouro para o mundo acadêmico no que diz respeito à projeção e à polêmica.
Mas para o australiano, professor do Departamento de História da Universidade de St. Andrew’s, na Escócia, o interesse pelo homem apelidado de príncipe dos ladrões não está ligado às discussões sobre sua existência. Luxford é fascinado pelo que chama de processo de revisionismo religioso e ideológico de uma figura que, diferentemente do que há séculos se conta, pode não ter sido heróica e tampouco nobre em suas andanças pela floresta de Sherwood, perto da cidade inglesa de Nottingham.
Luxford é o autor de um polêmico artigo publicado no início do mês na revista “Journal of Medieval History”. Com base na descoberta de anotações no rodapé de um dos volumes da “Polycrhonychon” (uma enciclopédia histórica com origens no século XIV) feitas por um monge católico, o historiador alega que Robin Hood e seu bando estavam longe de ser figuras populares entre os pobres e oprimidos.
Especialmente porque os mais desvalidos também faziam parte do rol de vítimas das ações dos bandidos, diferentemente da tão alardeada preferência por métodos mais drásticos de distribuição da renda obtida em pilhagens das grandes fortunas dos nobres ingleses.
— Em vez de descrever o herói revolucionário que hoje conhecemos, a inscrição fala em como um fora-da-lei conhecido como Robin Hood infestava Sherwood e outras áreas da Inglaterra com seus asseclas — conta Luxford, em entrevista ao GLOBO. — Trata-se não apenas da primeira referência histórica real medieval que temos sobre Robin Hood, fora os elementos de folclore, como também a primeira evidência sobre o contexto em que ele viveu.
A última frase é uma alusão ao debate sobre o período que em Robin Hood teria vivido. O historiador descobriu as anotações do monge anônimo durante uma pesquisa sobre desenhos medievais na biblioteca de Eton, a famosa escola particular britânica. Luxford afirma que o fato de a inscrição ter sido feita num trecho do livro que descreve o período entre 1294 e 1299 da história inglesa sugere que o bandido passou por esse mundo durante o reinado de Eduardo I (1239-1307). Uma datação diferente do período que anteriormente servia de pano de fundo histórico para as ações de Robin Hood — o reinado de Ricardo I (1189-1199), mais conhecido pelo apelido de “Coração de Leão”.
A construção do mito romântico
Embora assegure não duvidar da existência de que alguém real tenha inspirado a lenda de Robin Hood, Luxford vai reanimar a polêmica envolvendo o mito e o ladrão. A primeira menção escrita sobre o larápio-arqueiro está num poema de 1377, de autoria atribuída a William Langland. É uma referência breve, mas a invenção da imprensa multiplicou as citações, ao ponto de no século XVII já haver 200 menções de seu nome em poemas, romances e peças. Havia até homenagens de bandidos que adotavam as alcunhas de Robin e outros supostos integrantes do bando.
Para aumentar a confusão, para alguns historiadores Robin Hood era um apelido dado a bandidos comuns, abrindo a hipótese de que mais de um tenha vivido na mesma época e em regiões diferentes da Inglaterra. Mas, para o historiador australiano, a maior curiosidade é a construção do mito que chegou aos nossos dias.
— Não estou questionando a existência de Robin Hood, mas sim a percepção exageradamente romântica de sua figura. Existe uma grande tendência de idealização da Idade Média em relatos pós-Reforma, sobretudo os de origem protestante. E o fato de os documentos disponíveis sobre o período serem muito raros torna ainda mais fácil o fortalecimento de mitos, ainda mais com o folclore — explica Luxford. — No século XIX, por exemplo, Robin Hood era um típico herói da classe trabalhadora, por mais que não haja nenhuma evidência que ele roubava dos ricos e dava aos pobres.
Mas o historiador tampouco despreza o fascínio que a figura do ladrão ainda exerce em pleno século XXI. Ao lado do Rei Arthur, Robin Hood é a única figura de autenticidade questionada a constar no dicionário biográfico britânico publicado pela Universidade de Oxford.
O Globo, 28 de março de 2009
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