June 15, 2025

Narcocultura, violência arraigada no cotidiano e o vácuo do Estado nas favelas: debates que voltam à cena após o caso do MC Poze

 Músicas que exaltam facções e guerra entre traficantes têm conflito legal: se fazem ou não apologia ao crime

  


A multidão se espreme debaixo da lona azul, branca e vermelha na favela Nova Holanda, no Complexo da Maré, Zona Norte do Rio. É sábado, 3 de maio de 2025, e o baile anima a comunidade, controlada por traficantes do Comando Vermelho. Num canto, homens erguem seus fuzis, os canos se elevam acima das cabeças. São muitos, pelo menos 15 — cerca de R$ 1 milhão em armas de guerra. A massa humana levanta os braços, mostrando dois dedos, enquanto canta à capela: “Tropa do General com vários ParaFAL; Tá 2, tá 2”. ParaFAL é um modelo de fuzil; “tá 2” ou “tudo 2” é uma referência às duas letras da sigla do Comando Vermelho, CV.

O autor da música sobe no palco e pede ao microfone: “Segura, eu acho que vocês não se lembram da música toda”. E completa: “É mais ou menos assim. ‘Nós odeia ADA e TCP / Desde menor sou Comando, nós é relíquia”. Marlon Brendon Coelho Couto da Silva, o MC Poze do Rodo, carrega um cordão dourado no pescoço, que sustenta um medalhão com o nome de Jesus gravado, tomando quase todo o peito. Em cada dedo exibe um anel. No braço direito, empilha braceletes dourados.

Menos de um mês depois, Poze seria preso em casa pela Polícia Civil do Rio por tráfico, associação para o tráfico e apologia ao crime. Após quatro dias na cadeia, ganhou a liberdade e foi recebido, na saída do Complexo Penitenciário de Gericinó, por centenas de fãs. Numa demonstração de fama e força, no meio da multidão que se acotovelava, estava Mauro Davi dos Santos Nepomuceno, o Oruam, filho de Marcinho VP, um dos chefes do CV. O funkeiro subiu num ônibus para festejar a libertação de Poze.

MC Poze do Rodo deixa o complexo penitenciário de Bangu — Foto: Domingos Peixoto / Agência O Globo
MC Poze do Rodo deixa o complexo penitenciário de Bangu — Foto: Domingos Peixoto / Agência O Globo

São cenas que incendiaram novamente o debate: o crime se apropriou da cultura das comunidades? A discussão, de muitos argumentos antagônicos, ganhou novos tons quando o secretário de Polícia Civil, Felipe Curi, usou a expressão “narcocultura” ao se referir às músicas do MC Poze — um tema que, para pesquisadores, magistrados, artistas e mesmo autoridades policiais, exige reflexão e remete à origem do tráfico de drogas no Brasil.

“O menino que vive na favela, no meio de um monte de arma, vai cantar a Glock do Alemão, não a garota de Ipanema” — DJ Marlboro, cantor e compositor de funk.

Avanço no vácuo do estado

O vídeo do baile de maio na Nova Holanda faz parte do inquérito da Delegacia de Repressão a Entorpecentes (DRE) que levou MC Poze à prisão, mas é apenas um entre dezenas que circulam nas redes sociais. Não é difícil encontrar registros de homens armados em shows realizados em áreas dominadas por facções do crime organizado.

No caso do CV, nascido dentro do sistema carcerário em 1979, o grupo ganhou impulso para fora dos presídios com a entrada em massa da cocaína no país. A partir disso, os traficantes precisaram criar estratégias para os pontos de vendas e transporte da droga. Os locais escolhidos foram as favelas e periferias, áreas com pouca atuação do Estado.

Um dos exemplos desse fenômeno é Francisco Paulo Testas Monteiro, o Tuchinha. Ele comandava a venda de drogas no Morro da Mangueira nos anos 1980 e usava de uma “política assistencialista” para ganhar o apoio dos moradores, que consideravam o traficante como um “benfeitor”.

— O tráfico se solidifica e passa a intervir mais no cotidiano da comunidade em razão do acúmulo de capital oriundo da venda de cocaína. Por ser uma mercadoria muito rentável, ela acaba financiando tudo isso. Depois, os traficantes começam a interferir nas associações de moradores e, a longo prazo, vão se apoderando de vários aspectos do cotidiano da favela — explica David Maciel, professor do programa de pós-graduação em Sociologia Política da Universidade Estadual do Norte Fluminense (Uenf).

‘Rap da invasão’

Segundo Maciel, o aumento da influência desses criminosos na vida dos moradores se consolidou com o que chama de “empreendedorismo violento”:

— Eles foram se tornando os donos daqueles territórios também pela capacidade de converter a violência em renda econômica. É usar a força e a exposição de armas para impor monopólio, controlar vendas e serviços, interferindo diretamente na realidade local.

Estabelecido o controle e a influência, a violência, a venda de drogas e as disputas territoriais logo se tornaram tema da cultura. Alessandro Visacro, analista de segurança e defesa e autor do livro “A guerra na era da informação”, sustenta que movimentos culturais legítimos acabaram apropriados pelas facções.

— O primeiro objetivo é a construção de um ethos (conjunto de valores e crenças) coletivo desses grupos armados. Não é por acaso que nos bailes funk, hoje, observamos dezenas de fuzis, porque o armamento faz parte dessa cultura. Isso fortalece o status, o reconhecimento social daquele indivíduo dentro daquela comunidade. É a ideologia de facção — analisa ele. — Além disso, a cultura se torna mais um instrumento de propaganda para captação e mobilização de uma massa quase infindável de recursos humanos, que são as crianças e os jovens nessas comunidades.

Um vídeo com o traficante Thiago da Silva Folly, o TH da Maré, alude à análise de Visacro. Na imagem, o bandido, um dos principais chefes do Terceiro Comando Puro (TCP), dança sobre um palco, durante um evento na comunidade. Atrás do criminoso, morto em 13 de maio deste ano pela polícia, duas crianças, com cordões no peito, imitam os movimentos do bandido.

Já o uso do funk para enaltecer chefes do tráfico e seus feitos criminosos é apontado há mais tempo do que Poze, de 26 anos, ou Oruam, de 24, têm de vida. Em 1995, a Polícia Militar apreendeu uma fita cassete com um funk, “Rap da invasão do Odir”, narrando como a quadrilha do traficante Odir dos Santos, do Comando Vermelho, tentou tomar a Vila do João, na Maré, do Terceiro Comando. O confronto entre as facções rivais ocorreu em 13 de março de 1995, e a fita foi apreendida em novembro daquele ano. Na época, o coronel Valdenir Martins, do 16º BPM (Olaria), definia os bailes como uma isca para aliciar jovens para o tráfico.

Hoje, diferentemente do que acontecia na década de 1990, essas produções ganham um alcance de público maior em razão das redes sociais. Para Felipe Curi, a difusão de músicas que “normalizam” a atuação das organizações criminosas é uma consequência da chamada “narcocultura”.

— A narcocultura nada mais é do que enaltecer a ideologia de uma facção por meio de uma manifestação dita cultural. Claro que não são todos os funkeiros e todos os MCs, mas muitos acabam sendo um instrumento de propaganda que exalta o crime, e isso é muito lesivo. Porque isso vai entrando na mente dessas crianças e desses adolescentes, e eles vão achando que aquilo ali é o correto. Ninguém aqui é contra a arte. Só estamos defendendo que não se pode, por meio disso, ser um instrumento de disseminação e dominação da ideologia de uma facção criminosa — afirma o secretário.

Narcocultura

Embora pouco usado no Brasil, o conceito de narcocultura é estudado há anos em outros países da América Latina, como México e Colômbia. Considerada um fenômeno social, ela é definida como um conjunto de práticas, expressões e símbolos que surgem a partir da influência do narcotráfico. Acadêmicos apontam que essa manifestação ajuda a moldar valores e a identidade das sociedades que a consomem.

Uma mulher exibe suas unhas decoradas com folhas de maconha e imagens do santo patrono do narcotráfico, Jesús Malverde, na cidade de Culiacán, no noroeste do México, em 14 de maio de 2008 — Foto: Reuters/Mica Rosenberg
Uma mulher exibe suas unhas decoradas com folhas de maconha e imagens do santo patrono do narcotráfico, Jesús Malverde, na cidade de Culiacán, no noroeste do México, em 14 de maio de 2008 — Foto: Reuters/Mica Rosenberg

Um dos exemplos mais expressivos desse fenômeno, no México, é justamente a música. O “narcocorrido” é um subgênero de um estilo musical tradicional do norte do país. As músicas desse estilo originalmente contavam histórias de valentes fugitivos, pistoleiros e cavalos, e narravam batalhas como crônicas de acontecimentos. Posteriormente, esse estilo musical foi apropriado e ganhou um subgênero dedicado a exibir o mundo do crime, em que os traficantes assumem o papel de protagonistas.

O grupo Los Tigres del Norte, por exemplo, tem o álbum “Corridos Prohibidos”, dedicado a esse tipo de narrativa. Na música “Contrabando y Traición”, eles descrevem o transporte de drogas feito em pneus de carro. A influência do narcotráfico mexicano extrapola a música, chega ao cinema, à literatura e até à religião. No país, bandidos cultuam Nossa Senhora da Santa Morte, retratada como um esqueleto e que não é reconhecida pela Igreja Católica.

— As práticas criminosas em torno do narcotráfico no México constituem uma tradição de muitas décadas, estruturada de forma diferente da realidade brasileira. No México, as organizações criminosas se articulam, desde os anos 1970, com poderes políticos locais. Enquanto no Brasil, o tráfico se organiza de forma muito mais ocasional, desde os anos 1980, de forma quase doméstica. Mas o que a gente está vendo nos últimos anos é que isso, talvez, pode estar mudando — pontua Maurício Bragança, professor da Universidade Federal Fluminense (UFF) e autor do artigo “A narcocultura na mídia: notas sobre um narcoimaginário latino-americano”.

Para Bragança, o secretário de Polícia Civil do Rio admite que vivemos num narcoestado ao reconhecer a existência da narcocultura:

— Afirmar isso é admitir que o Estado tem responsabilidade sobre o problema. Não é a música que naturaliza essa prática. A música é uma expressão de uma realidade, e o que está por trás dela é a naturalização da ilegalidade. E essa expressão não deve ser criminalizada porque estamos diante de uma manifestação da cultura popular. O que deve ser combatido são as raízes do problema.

Diversos pesquisadores latino-americanos se debruçam sobre como se estrutura a questão. Em seus estudos, a antropóloga mexicana Rossana Reguillo, por exemplo, já defendeu que o narcotráfico encontrou uma maneira de se comunicar com a sociedade do México, ao penetrar na vida cotidiana por meio de símbolos, objetos, cultos e crenças, com uma capacidade para disciplinar os imaginários e normalizar violência, agindo numa zona cinzenta que ela chama de “paralegalidade”.

Criminalização do gênero

No Brasil, porém, a historiadora Juliana Bragança, autora do livro “Preso na Gaiola”, argumenta que a associação do funk com a narcocultura é mais uma tentativa de criminalização do gênero musical. Ela conta que o funk brasileiro surgiu em 1989 e que, já nos anos 1990, havia um movimento de criminalização. Segundo a especialista, a partir dos anos 2000, com a implementação das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), teve início uma perseguição mais direta aos artistas. Ela cita a prisão do DJ Renan da Penha, em 2009:

— Associar as letras de funk e rap ao crime acaba sendo uma forma de criminalizar as pessoas que consomem e produzem essas músicas. Mas isso está longe de ser algo novo. Hoje, o que está acontecendo é uma sistematização da criminalização do funk por meios legais, como é o caso da chamada Lei Anti-Oruam. Esse processo faz parte de algo maior que remete à perseguição ao samba no século passado, que é criminalização da cultura preta e periférica, uma tentativa de desqualificar e suprimir nossas expressões culturais.

Fernando Luís Mattos da Matta, o DJ Marlboro, participou do nascimento do funk nas periferias do Rio e viu o estilo musical se desenvolver. Ele atribui ao Estado a existência dos chamados “proibidões”, músicas com letras sobre tráfico e sexo, e aponta o arrastão na Praia do Arpoador em 1992, quando grupos de jovens levaram para a areia as brigas que aconteciam nos bailes, como um marco do surgimento desse estilo de funk.

— O Estado proibiu indiscriminadamente todos os bailes do Rio. Eram mais de dois mil, em clubes, quadras, escolas — recorda-se Marlboro. — Quando há essa proibição, o funk vai para dentro da favela. Até então, as letras pediam paz, falavam das mazelas da comunidade, mas de forma ordeira. Depois, passaram a ser da favela cantando para a favela. O menino que vive na favela, no meio de um monte de arma, vai cantar a Glock (modelo de pistola) do Alemão, não a garota de Ipanema.

Apologia ao crime ou crônica da realidade?

A discussão sobre os funks que exaltam facções e a guerra entre traficantes passa por uma questão legal: as letras fazem ou não apologia ao crime? O delito, previsto no artigo 287 do Código Penal, é definido como “fazer, publicamente, apologia de fato criminoso ou de autor de crime”. A pena é baixa: três a seis meses de detenção, além de multa. E é mais debatido do que registrado nas delegacias: no ano passado, segundo dados do Instituto de Segurança Pública (ISP), foram apenas 26 ocorrências em todo o estado, cerca de um terço delas na capital.

“Por que não mostram as barricadas, o traficante armado oprimindo o morador? Nunca ouvi um funk falando disso” — Felipe Curi, secretário de Polícia Civil do Rio

Carmen Eliza Bastos de Carvalho, procuradora do Ministério Público do Rio (MPRJ), atuou num processo contra MC Poze, aberto em 2020 após a Promotoria denunciar o funkeiro por fazer um show, em março daquele ano, na Favela do Jacarezinho, na Zona Norte do Rio, na festa de aniversário do traficante Felipe Ferreira Manoel, o Fred do Jacaré. Poze foi absolvido em primeira instância pela apologia e pela corrupção de menores. No recurso, julgado em fevereiro deste ano, o crime de apologia já estava prescrito. Ela explica o que caracteriza o delito:

— Quando você incentiva a atividade criminosa, você está fazendo apologia ao crime. A letra das músicas elogia o tráfico de drogas. Ela estimula o crime contra a polícia, eles tratam a polícia como vermes, como uma coisa que tem que ser extinta. E isso cria aquela cultura no adolescente, na criança que mora ali.

Para a procuradora, não há dúvida de que Poze faz apologia em suas letras.

— Nesse processo em que atuei, era o aniversário de um traficante do CV e ele (MC Poze) vai para o palco e fica falando dos traficantes, dos chefes, parabenizando. Então, é tão claro que ele é ligado a uma organização criminosa, e que essa organização é o CV, e que ele não pode fazer show em outra comunidade (de outra facção) — diz ela. — Se você fizer uma música assim: “Vai lá, estupra fulana”, alguém iria questionar que isso é apologia ao crime? Agora, “Vai lá e mata os policiais, vai lá e vende drogas, vai lá e pega o fuzil”. Sabe qual é a diferença? É porque ao lado da guerra propriamente dita, bélica, tem a guerra informacional.

O advogado criminalista, professor e doutor em Criminologia e Direito Criminal pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) Reinaldo Santos de Almeida tem uma visão diferente de Carmen Eliza. A chave da questão, afirma, está no objetivo da letra.

— A intenção de enaltecer ou incentivar a prática criminosa é muito diferente de narrar uma realidade social vivida ou dramatizar experiências comuns a uma coletividade. A simples menção a armas, facções ou tráfico não configura automaticamente apologia. Isso seria criminalizar a linguagem, o símbolo, a representação artística, o que é incompatível com a liberdade de expressão — explica ele. — O uso de letras de funk como prova de crime tem sido uma estratégia persecutória seletiva.

Sem a visão dos moradores

Secretário da Polícia Civil, Felipe Curi afirma que há uma preferência por exaltar a narrativa dos criminosos em vez de falar dos moradores que sofrem com o tráfico:

— As pessoas dizem que eles estão apenas retratando a realidade de onde vieram. Mas, então, por que as letras e os clipes não mostram o sofrimento dos moradores que vivem sob as imposições do tráfico? Por que não mostram as barricadas, o traficante armado invadindo a escola, oprimindo o morador, cobrando taxa, assediando a filha do vizinho para forçá-la a um relacionamento? Nunca ouvi um funk falando disso.

Já Frank Baptista, o MC Frank, autor de funks como “Chatuba 157”, defende em nota que “a responsabilidade pelo aumento da criminalidade não pode ser atribuída à cultura periférica, mas sim à omissão do poder público”. Ele nega enaltecer o crime e afirma que suas letras são “para provocar reflexão sobre as desigualdades e a realidade das favelas”.

As defesas de MC Poze e de Oruam não se posicionaram.

O GLOBO


 

June 8, 2025

Brazil’s President Confronts a Changing World

 

By Jon Lee Anderson
The New Yorker
  
Not long ago, President Luiz Inácio Lula da Silva met me in his office in Brasília and told me that he’d had a disturbing dream. In recent months, Lula had turned seventy-nine and undergone emergency surgery for a brain hemorrhage, and although he seemed fit and healthy when we met, he was in a reflective mood. He’d dreamed the night before about his predecessor José Sarney, who is now ninety-four years old. Sarney is a cherished figure in Brazil: in the nineteen-eighties, he became the country’s first President to take office after two decades of military rule. “In my dream, he came to my house and slept on the floor, and in the morning I made him breakfast,” Lula said. “I woke up worried, wondering if something had happened to him during the night.”

Sarney turned out to be fine, but it is no accident that Lula was concerned about an emblem of democracy. He told me that the entire Western system felt imperilled. “The democracy we learned to live with after World War Two, the functioning of multilateralism as an important role in relations between states, the respect for diversity, the sovereignty of each country is now fading,” he said. “What comes next, we don’t know.” The entire post-Second World War order, created largely through the intervention of the United States, seemed on the verge of collapse. “We thought we were creating a more civilized, more solidarity-based, more humane society,” he said. “The result is worse. It’s as if there is a lamp, and when you open the lid the evil people come out.”

Lula has built a career on unwavering leftist principles, but he has also long prided himself on his ability to get along with a variety of leaders. Now, though, he confessed that he was flummoxed by the right-wing populists and anti-globalists gaining power around the world. At the United Nations General Assembly last September, he’d tried to organize a meeting of progressive Presidents. “When we sat down to make the list, I discovered there were no more progressives!” he said. In Latin America, only a small group of left-leaning leaders remains, including Gustavo Petro, of Colombia, Gabriel Boric, of Chile, and Claudia Sheinbaum, of Mexico. “In order to keep the meeting from being too small, I changed ‘progressives’ to ‘democrats,’ so I could invite Biden, Macron, and other people,” Lula explained. “We’ve had two meetings since then, to discuss how to create a narrative to justify the importance of the democratic system as the best thing ever created for humanity’s coexistence—a system with rules, where everyone has rights, and someone’s rights end when they infringe on the rights of others. It’s what worked in the world. Monarchies, empires—they didn’t work. Nazism didn’t work. Stalin’s communism didn’t work.”

In his country and in the U.S., he suggested, large portions of the populace seemed to have lost their grip on reality. “There are people who believe things that everyone should understand are lies, because they are so absurd,” he told me. “And my concern is how we are going to build a narrative to destroy this.” The troubling thing, he said, is that “we still don’t have an answer.”

Part of the problem was economic, he said. “Democracy starts to fall when it no longer meets the people’s interests. Since 1980, the working people in countries that built welfare states have only lost, while income concentration has increased. So what response can we give to Brazilian society? And to German and American society?” There was also a question of leadership. “The U.S. was the mirror of democracy, the pillar of democracy for the planet,” he said. “Despite being the country that wages the most wars, it’s the country that talks the most about peace, the most about democracy. And yet now there is Trump, who sometimes behaves like—” Lula stopped himself, then continued. “I saw a speech of his in the U.S. Congress recently, and it was absurd—those Republicans clapping at whatever nonsense he said. It was almost the same kind of speech that anarchists used to make in Italy and Brazil at the beginning of the century, calling for a society without institutions, a society where the empire of capital rules.”

President Donald Trump made clear his interventionist intentions toward Latin America as soon as he resumed office; in his Inaugural Address, he vowed to “retake” the Panama Canal. Since then, most leaders in the region have handled Washington with elaborate care. The right-wing populists strained to display their loyalty and affinity. Javier Milei—a hard-line libertarian who has slashed away half of Argentina’s government ministries—gave Elon Musk an engraved chainsaw and hailed Trump as “one of the two most relevant politicians on planet Earth.” (The other, of course, being Milei.) He has been rewarded with U.S. support for a twenty-billion-dollar International Monetary Fund loan, and with praise from Trump, who has said that Milei is doing “a fantastic job.”

In El Salvador, President Nayib Bukele offered to allow the U.S. to deport its undesirable migrants to his country, to be held in an appalling hellhole of a prison. When Bukele recently visited the Oval Office, he and Trump traded smug jokes about their arrangement, with Trump saying that he’d like to send “homegrowns,” too, and Bukele scoffing at the suggestion that he would return the wrongly deported migrant Kilmar Abrego Garcia to the U.S.

Among the region’s leftist leaders, Colombia’s Petro was the first to resist Trump. After refusing to permit U.S. military planes carrying deportees to land in Colombia, he suggested on social media that Trump was a “white slaveowner,” while comparing himself to Colonel Aureliano Buendía, the doomed hero of “One Hundred Years of Solitude.” Trump retaliated by announcing punishing tariffs and a sweeping prohibition on U.S. visas for Colombian officials. Within hours, Petro had relented, and his humiliation provided an object lesson for other leaders.

In March, a Hong Kong-based company named CK Hutchison Holdings agreed to sell its ports on the Panama Canal to a consortium led by the American investment company BlackRock. Trump quickly claimed that he was effectively reasserting control over the canal. Panama’s President, José Raúl Mulino, tried to salvage his dignity with defiant public statements, but he has mostly succumbed to pressure from D.C. Last month, Panama and the U.S. signed an expanded security-coöperation agreement that allows American armed forces to occupy several former military bases along the Canal Zone. In a joint statement on the new security relationship, released during a visit by Defense Secretary Pete Hegseth, a sentence acknowledging U.S. respect for Panama’s sovereignty was pointedly excluded from the English-language version. Panamanians have grown frustrated. An influential friend there wrote to me, “Mulino has not stopped giving his ass to Trump at every turn, in exchange for nothing.”

Mexico’s President, Claudia Sheinbaum, has made more convincing displays of composure, but she, too, has avoided confrontations with Trump by giving him what he wants. As my colleague Stephania Taladrid detailed recently, these efforts have included stepping up Mexico’s security presence at the border, handing over high-level narco-traffickers to the U.S., and significantly increasing seizures of fentanyl. Even Venezuela’s would-be revolutionary leader, President Nicolás Maduro, congratulated Trump for returning to the White House and agreed to hand over American prisoners from his country’s jails. After the Trump Administration deported hundreds of alleged Venezuelan gang members to Bukele’s prison, Maduro issued a statement denouncing the action as “fascism”—but he was careful to address it to Bukele directly, rather than to Trump.

Lula and Chile’s Boric have been the most outspoken Latin American leaders. On a recent state visit to India, Boric described Trump’s Inauguration, with Big Tech billionaires “paying fealty to a new wannabe emperor,” as reminiscent of “something from another era.” He criticized the tariffs as “irrational” and “unsustainable.” Although his country’s main export commodity, copper, had so far been exempted, Boric promised to seek out new trade deals with India, Japan, and others. He warned that if Trump did place tariffs on Chile’s copper—eleven per cent of which went to the U.S. last year—the higher cost would ultimately be passed on to American consumers. “The law of the strongest has short legs,” he said.

Lula knows that his coalition is thin. In a recent speech, he said, “The Presidents of South American countries should understand that we are very weak if we are isolated.” When I saw him in Brasília, he made a plea for greater international coöperation. “We have to convince the world that it’s not possible to end multilateralism,” he said. “Multilateralism was a form of civility found among states to coexist peacefully, with rules that everyone must follow,” he went on. “It’s already proven that, if we don’t control the air, everyone will be a victim of air pollution. If the sea rises, everyone will be a victim. It hasn’t yet reached the world’s most important leaders that we need global governance to make some decisions globally.”

Lula noted that the environment was among the most pressing global issues, but he also acknowledged the limits of multilateralism in dealing with it. This year, Brazil will host the COP30 climate conference, in the city of Belém—a location, at the edge of the Amazon, chosen to bring attention to the crisis of deforestation. Yet it is hard to imagine that it will bring radical change. European countries in particular seem likely to donate less as they scramble to devote more of their budgets to military expenditures. Lula shrugged this off. “I do not believe in money from developed countries,” he said. “They promised a hundred billion dollars in 2009, and they have not yet delivered. It has been sixteen years. Now the need is 1.3 trillion dollars—and they will not deliver.”

Lula advocated a world in which the major powers could compete without resorting to warfare, and in which they coöperated more closely on such priorities as hunger and climate change. It was not lost on him that Brazil, as a developing economy, depends on maintaining friendly relations, even when it means partnering with countries with wildly divergent value systems. “We need to say: thank goodness we have China that, from a technological perspective, is very advanced and can compete in the technological world of A.I., giving us an alternative for this debate,” he said. In his telling, Western powers’ animosity toward China was spurred by trade, not by its human-rights abuses or its threats to invade Taiwan. “I am from a generation that learned in the nineteen-eighties, through Reagan and Margaret Thatcher, that the best thing for the world was globalization and free trade. Products should flow freely across the world. Money should flow freely across the world.” China, he said, had merely adopted this theory along with everyone else. “China started producing everything that was produced in the U.S. and Europe. You couldn’t buy a single pair of pants, shoes, or a shirt that didn’t say ‘Made in China.’ They very skillfully copied everything and learned how to produce things as well or better. Now that the Chinese have become competitive, they have become the world’s enemies,” he added testily. “And we don’t accept that. We don’t accept the idea of a second Cold War. We accept the idea that the more similar countries are—technologically and militarily advanced—the more they must talk to each other, because I’m not sure the planet can handle a Third World War.”

Lula insists on pacifism in an idealistic way that is unusual among world leaders. “Last year, the world spent $2.4 trillion on weapons, while seven hundred and thirty million people go to sleep every night not knowing if they’ll have breakfast when they wake up,” he said. “That should be humanity’s main concern.” Even after Russia invaded Ukraine, he resisted taking sides. He described a recent meeting with the German Chancellor: “My friend Olaf Scholz came here, sat on that couch, and asked Brazil to sell missiles to him so he could send them to Ukraine. I told him I wouldn’t sell, with all due respect, because I didn’t want any Ukrainian or Russian to die with a Brazilian weapon.”

Like some others on the left (and many on the right), he criticized the U.S. and Europe for funding efforts to confront Putin in Ukraine. “When you corner the enemy, you need to have the strength to defeat that enemy, and it’s not easy to defeat Russia,” Lula said. “I discussed this with Biden. And Biden kept saying, ‘We’re going to destroy Putin, and he’ll have to rebuild Ukraine.’ What’s going to happen now? If peace happens, organized by Trump, he will win the Nobel Peace Prize, and Europe will have to pay for NATO, will have to finance the war, and will have to rebuild Ukraine.”

A few weeks earlier, Lula had urged Russia to halt the war. “I called Putin and I said, ‘Putin, I think it’s time for you to return to politics. Put an end to this. The world needs politics, not war. You’re missed. There are not enough people to sit around the table and discuss the fate of the planet: What do we want for humanity?’ ”

Lula ridiculed Trump’s desire to take over Greenland and Canada. “The only thing left for him to take over is Antarctica,” he said. “Why do Russia and the U.S. want to increase their territories if they can’t even manage what they already have?” In his view, the global posturing by Trump, Vice-President J. D. Vance, and Musk was a serious threat. “They are deniers of the institutions that guarantee democracy worldwide,” he said. “The fact that the U.S. Vice-President interferes in Germany’s politics is already a crime. I have never gone to another country to interfere in an election!” He suggested that the bellicose rhetoric would eventually harm them. “At first, it may look good,” he said. “But the result could be much worse than what they are criticizing. When you release a wild beast, afterward you don’t know how to control it.”

Not long before we talked, the U.S. government had announced a twenty-five-per-cent tariff on Brazilian steel. “There will be reciprocity,” Lula said. “But, before there is reciprocity, we want to show the U.S. what two hundred years of diplomatic and commercial relations between Brazil and the U.S. represents.” He pointed out that the U.S. had a seven-billion-dollar trade surplus with Brazil last year, the steel imports included. “What the U.S. imports from Brazil, they transform and then export back to Brazil,” he said. “It’s a two-way street, so I think this will be harmful to the U.S. For our part, we want to negotiate diplomatically. If there’s no possibility, we will take action.”

When I asked Lula if Trump had reached out to him, he said no. “If, as a representative of the American state, he wants to talk to Lula, the representative of the Brazilian state, I will talk to him calmly,” he said. “But so far I haven’t had any interest in talking to him, either. If I ever have a problem and need to call him, I will call him.” ♦

 

 

June 7, 2025

Legitimidade em xeque

 

 


AS SUCESSIVAS “BOIADAS” APROVADAS PELO CONGRESSO
MINAM A CAPACIDADE DO BRASIL DE LIDERAR A AGENDA
CLIMÁTICA E DE SE FIRMAR COMO POTÊNCIA AMBIENTAL

p o r M AUR ÍCIO THUSWOHL

 Duas coisas são inf initas: o universo e a estupidez humana.”
O aforismo costuma ser atribuído a
Albert Einstein, com o irônico acrescimento
de que o pai da Teoria da Relatividade
só não estava totalmente convencido
da validade da sentença no primeiro caso.


Embora não haja comprovação histórica
da citação, essa máxima cai como luva
para explicar o atual momento do Brasil
em relação à agenda ambiental. A seis meses
de receber a 30ª Conferência das Nações
Unidas sobre Mudanças Climáticas,
o País, favorecido por seus ativos naturais
e detentor de um dos maiores potenciais
de geração de energia renovável do planeta,
revela que também é infinita a vocação
para o atraso de uma parte considerável
de suas elites, viciadas no lucro fácil
e abundante de atividades econômicas
predatórias, como se devastação fosse sinônimo
de desenvolvimento.

A contradição, explicitada de forma
contundente nos últimos dias, tem no
Congresso Nacional seu vetor principal,
mas se manifesta também em alguns setores
do próprio governo. Por ora, a procissão
segue na contramão do que pretende
o presidente Lula e pode tisnar a
imagem de líder global e protagonista
ambiental que o Brasil busca consolidar
como anfitrião da COP30. Na terça-feira
27, Dia da Mata Atlântica, no mesmo
momento em que integrantes dos ministérios
da Fazenda, do Meio Ambiente e do
Itamaraty se esforçavam, em um fórum
realizado no Rio de Janeiro, para costurar
acordos e projetos que permitam ao
País levar adiante sua proposta de criação
de um Fundo Ambiental Global de
1,3 trilhão de dólares anuais, em Brasília
parlamentares da base governista tomavam
parte em uma grotesca tentativa
de achincalhamento à ministra Marina
Silva, durante uma audiência pública na
Comissão de Infraestrutura do Senado.


Convidada para debater o projeto de
exploração de petróleo na Margem Equatorial,
tema que divide o governo, Marina
passou a ser hostilizada pelos senadores
que compõem a Comissão quando o debate
resvalou para o projeto de pavimentação
da BR–319, rodovia que liga Manaus
a Porto Velho. O asfaltamento, visto
como solução econômica pela maioria
dos deputados e senadores da região, é
apontado por ambientalistas como uma
ameaça potencial à biodiversidade e possível
pá de cal nas intenções globais de
evitar que a Amazônia brasileira atinja
o temido “ponto de não retorno” em seu

desmatamento. “São mais de 5 mil obras
paradas por entraves ambientais. A senhora
atrapalha o desenvolvimento do
País”, esbravejou o senador Omar Aziz,
do PSD, aliado do governo.


A primeira grosseria provocou a reação
da ministra e foi a senha para um vergonhoso
episódio que misturou misoginia,
racismo e intolerância política: “A mulher
merece respeito, a ministra não”, disse o
senador Plínio Valério, do PSDB – o mesmo
que já havia manifestado em plenário
o desejo de “enforcar Marina”. Mais adiante,
indignado porque a ministra lhe apontou
o dedo, o senador Marcos Rogério, do
PL, exigiu: “Ponha-se no seu lugar.” Diante
do clima hostil, Marina decidiu se retirar.
“Fui convidada como ministra, então tem
de respeitar. Ter disposição para o debate
não significa que aceitarei ser tratada como
capacho, com atitudes não condizentes
com a democracia nem com o direito das
mulheres consignados na Constituição.”


Logo após o episódio, Marina recebeu
um telefonema do presidente Lula, que
manifestou solidariedade à sua decisão,
e contou com o apoio de poucos senadores
governistas, como Jaques Wagner e
Randolfe Rodrigues. Uma nota de repúdio
foi divulgada pela bancada feminina
do Senado: “É inadmissível que um parlamentar
diga a uma mulher que ela deve
‘se colocar no seu lugar’. Essa frase, carregada
de machismo estrutural, é mais do
que um ataque pessoal, é uma tentativa
explícita de silenciamento de mulheres
que ocupam espaços de poder. Lugar de
mulher é onde ela quiser”.


Reações à parte, o fato é que a ministra,
carente de um apoio mais concreto no governo
às vésperas da COP30, incomoda
os interesses representados por aquele
grupo de senadores exatamente por estar
em seu devido lugar – o das imprescindíveis
políticas de transição energética
e sustentabilidade ambiental, estas,
sim, propulsoras de um desenvolvimento
econômico capaz de beneficiar o conjunto
da sociedade brasileira, não apenas as
oligarquias regionais. Se, no caso da Margem
Equatorial, a chegada à presidência
do Congresso do senador amapaense Davi
Alcolumbre – novo “aliado estratégico”
de Lula e entusiasta do projeto – faz tudo
se encaminhar para uma derrota da ala
ambiental do governo, outras frentes de
disputa ainda estão em aberto. O empenho
de Marina em algumas delas é o que
explica politicamente o ódio manifestado
por certos parlamentares.


Aministra age, por exemplo,
para tentar reverter
os retrocessos trazidos
pelo Projeto de Lei
que afrouxa as regras
do licenciamento ambiental, aprovado
em 21 de maio com a decisiva ajuda de
Alcolumbre, do União Brasil. Em tramitação
acelerada, conduzida pelo presidente
do Senado após mobilização liderada pela
senadora Teresa Cristina, do PP, o projeto
foi aprovado por 54 votos a 13, com o objetivo
de criar um novo marco legal para o
licenciamento de atividades econômicas
ou empreendimentos com impacto ambiental
e, nas palavras da ex-ministra da
Agricultura de Jair Bolsonaro, “destravar
as obras que o País necessita”.


Na prática, foi aprovado, com algumas
mudanças, um projeto de desmonte
que dormitava desde 2022 nas gavetas
do Senado, gestado há duas décadas pela
bancada ruralista no Congresso e aprovado
em 2021 na Câmara, no estouro das
“boiadas” do governo de Bolsonaro.


A mudança mais criticada pelo Ministério
do Meio Ambiente é o fim do licenciamento
ambiental como é realizado hoje,
em três etapas: prévia, de instalação e de
operação. Se o projeto for definitivamente

vigorar no Brasil a Licença Ambiental Única
(LAU), documento que simplificará em
uma única etapa a concessão de licenças,
sem a necessidade de realização de Estudos
de Impacto Ambiental (EIA) e similares
pelo Ibama e outros órgãos de controle.


Outra medida com provável impacto
negativo determina que empreendimentos
com potencial poluidor de pequeno
e médio porte podem prescindir
do EIA, desde que o empreendedor obtenha
uma Licença por Adesão e Compromisso,
documento autodeclaratório
e com concessão automática. Outras novidades
do PL aprovado que vão na contramão
da COP30 são a liberação da pecuária
extensiva em propriedades de pequeno
e médio porte e o fim da participação
de indígenas e quilombolas nas discussões
sobre projetos com impacto ambiental
executados em seus territórios,
com exceção das áreas já homologadas.


“O PL passa uma borracha no processo
de licenciamento da BR–319, libera a
estrada para ser asfaltada sem o mínimo
de cálculo dos prejuízos associados a essa
pavimentação, como grilagem de terra,
destruição ambiental e invasão de áreas
de comunidades tradicionais”, afirma
Marcio Astrini, coordenador do Observatório
do Clima. Segundo o ambientalista,
o simples anúncio da retomada do
projeto no governo Bolsonaro já fez com
que o desmatamento na região explodisse
nos últimos anos. “O crime organizado
já entendeu que ali é um local propício
para derrubar a floresta.”


A entidade vai apoiar Marina em seu
esforço para reverter o prejuízo. Acompanhada
por deputados de esquerda, a ministra
se reuniu, horas antes de ser hostilizada
no Senado, com o presidente da Câmara

Hugo Motta, do Republicanos, e dele
ouviu que não há nesse momento pressa
para pautar o PL do Licenciamento novamente
na Casa. Também está agendada
uma reunião para discutir os prováveis
vetos de Lula: “Esperamos que o presidente
honre os compromissos de campanha.
Sabemos da retomada que sua equipe
promoveu na área ambiental, e é exatamente
por isso que não esperamos nada
menos do que o veto”, resume Astrini.


A base para a discussão é uma nota técnica
feita pela liderança do governo no Senado,
que elenca uma série de inconstitucionalidades
do projeto. “Se o próprio governo
entende que tem trechos inconstitucionais,
o mínimo é vetá-los, mas esperamos
que Lula vete integralmente esse
projeto absurdo no conteúdo e na imagem
negativa que traz para o País e o governo.”


Para o deputado federal Nilto
Tatto, do PT, o PL aprovado
pelo Senado “representa um
dos maiores retrocessos socioambientais
da história” e desmonta as regras do licenciamento ambiental
no País. “Os impactos desse projeto
sobre a vida da população serão severos.


O Brasil retomou seu protagonismo internacional
dando o exemplo com a diminuição
do desmatamento, receberá a COP30
e tem a responsabilidade de liderar uma
agenda mais incisiva para fazer frente ao
aumento do aquecimento global.”


O petista avalia que o projeto aprovado
trará morosidade aos processos de licenciamento
por provocar mais judicializações
e que o atraso político imposto pelo
Legislativo pode enfraquecer o País junto
à comunidade internacional. “Destruir a
principal lei ambiental do Brasil deslegitima
o papel do governo brasileiro no acordo
do clima, além de prejudicar outras negociações
comerciais em curso, como o
acordo Mercosul–União Europeia.” Tatto
propõe que o governo convoque o Comitê
Interinstitucional de Gestão do Pacto
pela Transformação Ecológica e elabore
um novo texto para o licenciamento am-

biental que defina uma agenda estratégica
dos Três Poderes “para melhor aproveitamento
da oportunidade histórica que o
Brasil terá este ano com a presidência da
COP e também do encontro dos BRICS”.


Para o advogado e ambientalista Rubens
Born, diretor da Fundação Esquel
Brasil e do Fórum Brasileiro de ONGs e
Movimentos Sociais (FBOMS), a aprovação
do PL do Licenciamento revela que
“a sociedade brasileira, por meio de seus
representantes eleitos, ainda não incorporou
a questão da sustentabilidade ambiental”.
Ele aguarda a posição do governo.
“Esperamos que o presidente Lula possa
vetar aquilo que significa retrocesso, como
o licenciamento por autodeclaração,
que não funciona.” Experiente, Born faz
uma ressalva: “Sabemos que a realidade
política da Câmara e do Senado pode significar
a derrubada do veto, já que estamos
em um ano pré-eleitoral e a oposição
tem uma maioria significativa. E essa oposição
não é meramente ao governo Lula,

mas oposição às questões ambiental, climática,
indígena e de direitos humanos”.


Enfraquecer o licenciamento seria
“um retrocesso enorme às vésperas da
COP30”, avalia o ambientalista. “Embora
não tire a legitimidade de ser anfitrião,
esse desmonte revela uma contradição
de longo prazo que existe no Brasil,
mas também em outros países, que
é não conseguir alterar as políticas de
desenvolvimento econômico para incorporar
as crises climática, de perda da biodiversidade
e da poluição. Falta incorporar
a crise ambiental global às políticas
internas.” Born avalia que o cenário da
COP30 não será fácil para o Brasil, graças
a “forças políticas internas que ainda
vivem no passado e querem ganhos imediatos”.


Ele propõe que os governos federal
e estaduais, além de lideranças empresariais
da indústria, agricultura, comércio
e turismo, “comecem a separar o joio
do trigo nos seus respectivos campos, para
garantir que o Brasil possa ter condições
de produzir ambientalmente com
sustentabilidade e sem injustiças”.


Enquanto rema contra
a maré reacionária do
Congresso, o governo luta
para emplacar suas principais
propostas para a
Conferência do Clima que acontecerá
em Belém, a partir de 10 de novembro.
Durante o II Fórum de Financiamento
Climático e de Natureza, que reuniu gestores
públicos, empresários e ambientalistas
no Rio, foi debatida a proposta,
apresentada em abril pelo ministro da
Fazenda, Fernando Haddad, de constituição
de um Fundo Global do Clima com
uma dotação anual de 1,3 trilhão de dólares.
Os recursos serão usados para o financiamento
de ações de adaptação às
mudanças climáticas e combate aos efeitos
do aquecimento global nos países em
desenvolvimento.


A bandeira do financiamento mobiliza,
mas sua concretização é complicada
em um cenário ambiental global adver-

so, sobretudo após o presidente Donald
Trump anunciar a retirada dos EUA do
Acordo de Paris. “O fluxo de financiamento
para os países em desenvolvimento
não é doação, não é caridade. O interesse
em mobilizar esse montante deveria
ser das nações desenvolvidas, que não
estão liberando os recursos, como EUA,
Europa e China”, afirma Ana Toni, diretora-
executiva da COP30. O governo brasileiro
trabalha para levar essa proposta
adiante: “O financiamento climático tem
de ser uma corresponsabilidade de países
desenvolvidos e em desenvolvimento,
de bancos multilaterais e privados. Sabemos
que precisamos de mais, mas 1,3 trilhão
de dólares é um bom começo.


Presidente da COP30, o embaixador
André Corrêa do Lago, também presente
no Fórum, foi outro a defender a proposta
de um fundo global vitaminado. Segundo
Corrêa do Lago, “na COP29, foi aprovado
o valor de 300 bilhões de dólares anuais,
mas também uma resolução que reconhece
que esse valor não é suficiente”. O diplomata
anunciou a formação de um colegiado
de notáveis que vai trabalhar na elaboração
de uma proposta para que se alcance
a cifra trilionária. “Criei um grupo
de 18 economistas para me apoiar nesse
esforço. Em paralelo, criamos também o
Círculo de Ministros da Fazenda.”
Marcio Astrini avalia que o governo está
testando quais são os pontos possíveis
de avançar dentro das negociações e quais
são aqueles onde poderá até tentar, mas
encontrará dificuldades. “Todo mundo
sabe que a ferida desse tema do financiamento
ainda está exposta. Houve um resultado
muito ruim em Baku, no Azerbaijão,
e dar um cavalo de pau numa decisão
recém-tomada é muito difícil de acontecer”,
pondera. Para o coordenador do Observatório
do Clima, o principal ponto da
conferência em Belém deveria ser a discussão
sobre petróleo e carvão. “A mudança
que precisamos ver acontecer é a substituição

dos combustíveis fósseis 

Já existe um acordo sobre isso, firmado na COP
de Dubai, e implementá-lo é o principal
ponto da agenda do clima. Dois terços das
emissões globais são causados por essas
fontes de energia”, explica.


Apesar dos esforços governamentais,
Rubens Born lembra que a atual
contradição ambiental do
Brasil decorre também
do Executivo e é personificada em pastas
controladas por partidos do Centrão,
como os ministérios da Agricultura e das
Minas e Energia: “Ela acontece, por exemplo,
ao se licenciar pesquisa e eventual exploração
de petróleo na costa brasileira ou
ao se expandir o uso de fósseis.” Ele acrescenta
que, apesar do desejo de captação
financeira, o Plano de Transformação
Ecológica do governo ainda não contém
elementos robustos de transição energética.


“Temos muitos desafios a enfrentar
e isso, obviamente, tira parte da força que
o Brasil poderia ter. O governo está muito
empenhado em fazer uma COP séria,
efetiva e de transição. Entretanto, essas
contradições internas vão, de fato, tirar
um pouco do respaldo técnico e político
que o Brasil precisa ter para a COP30 ser
mais ambiciosa”, prevê. •


CARTA CAPITAL  

 

June 5, 2025

Musk fez uso abusivo de drogas durante eleições dos EUA no ano passado

 


Kirsten Grind Megan Twohey
The New York Times

Enquanto Elon Musk se tornava um dos aliados mais próximos de Donald Trump no ano passado, liderando comícios agitados e doando cerca de US$ 275 milhões (mais de R$ 1,5 bilhão) para ajudá-lo a ganhar a Presidência dos Estados Unidos, ele também passava a usar drogas de forma muito mais intensa do que se sabia anteriormente, segundo pessoas familiarizadas com sua vida pessoal.

O consumo de drogas do bilionário foi muito além do uso ocasional. Ele disse a pessoas que estava tomando tanta cetamina, um anestésico potente, que estava afetando sua bexiga, um efeito conhecido do uso crônico. Ele também tomava Ecstasy e cogumelos psicodélicos, além de viajar com uma caixa de medicação diária que continha cerca de 20 pílulas, incluindo algumas com as marcações do estimulante Adderall, de acordo com uma foto da caixa e pessoas que a viram.

Elon Musk está em uma aeronave, com um emblema do governo dos Estados Unidos visível ao fundo. Ele usa uma jaqueta azul e parece estar olhando para fora. O céu está claro e azul, e a parte da aeronave é visível na imagem.
Elon Musk embarca no Air Force One, na Base Conjunta Andrews, em Maryland - Eric Lee - 21.mar.2025/The New York Times

Não está claro se Musk, 53, estava usando drogas quando se tornou presença constante na Casa Branca este ano e recebeu o poder de reduzir a burocracia federal. Mas ele tem exibido um comportamento errático, insultando membros do Gabinete, fazendo gestos nazistas e confundindo suas respostas em uma entrevista.

Ao mesmo tempo, a vida familiar de Musk se tornou cada vez mais tumultuada enquanto ele organizava relacionamentos românticos sobrepostos e lidava com batalhas legais privadas envolvendo seu crescente número de filhos, segundo documentos e entrevistas.

Na última quarta-feira (28), o empresário anunciou que estava encerrando sua passagem pelo governo após lamentar quanto tempo havia dedicado à política no lugar de seus negócios.

Musk e seu advogado não responderam aos pedidos de comentários desta semana sobre seu uso de drogas e vida pessoal. Anteriormente, porém, ele disse ter recebido a prescrição de tomar cetamina a cada duas semanas, aproximadamente, para sua depressão. E disse ao seu biógrafo: "Eu realmente não gosto de usar drogas ilegais".

A Casa Branca não respondeu se havia pedido a Musk para fazer testes de drogas. Como grande contratante do governo, a empresa aeroespacial do bilionário, a SpaceX, deve garantir que sua força de trabalho não use drogas, e por isso administra testes aleatórios em seus funcionários. Musk, no entanto, recebeu avisos antecipados dos testes, segundo pessoas próximas ao processo. A companhia não respondeu a perguntas sobre esses avisos.

Após a publicação da reportagem, porém, o vice-chefe de gabinete da Casa Branca, Stephen Miller, foi questionado sobre o assunto, mas se esquivou da pergunta. Ele disse a jornalistas que as drogas com as quais estão preocupados são "as que atravessam a fronteira sul", ou seja, com o México.

O bilionário, que se juntou ao círculo íntimo do presidente depois de fazer uma vasta fortuna com carros, satélites e foguetes, há muito é conhecido por declarações grandiosas e uma personalidade instável. Apoiadores o veem como um gênio excêntrico cujo estilo de gestão agressivo é fundamental para seu sucesso.

Mas, no ano passado, quando ele entrou na arena política, algumas pessoas que o conheciam se preocuparam com o uso frequente de drogas, as oscilações de humor e a fixação em ter mais filhos. Este relato de seu comportamento é baseado em mensagens privadas obtidas pelo jornal americano The New York Times, bem como em entrevistas com mais de uma dúzia de pessoas que o conheceram ou trabalharam com ele.

Este ano, alguns amigos de longa data do bilionário o criticaram, apontando para sua conduta pública. "Elon tem ultrapassado cada vez mais os limites de seu mau comportamento", disse Philip Low, um neurocientista que o criticou por seu gesto nazista em um comício.

Além disso, algumas mulheres estão desafiando Musk pelo controle de seus filhos. Uma de suas ex-parceiras, Claire Boucher, a musicista conhecida como Grimes, tem lutado com Musk por causa de seu filho de 5 anos, conhecido como X. Musk é extremamente apegado ao menino e até já o levou ao Salão Oval, na Casa Branca, e a reuniões de alto perfil que são transmitidas ao redor do mundo.

A imagem mostra uma cena no Salão Oval da Casa Branca. À esquerda, um menino pequeno está sentado em uma mesa. Ao centro, Elon Musk está em pé, vestindo um casaco escuro e um boné. À direita, Donald Trump está sentado à mesa, falando e olhando para frente. Atrás deles, há cortinas amarelas e uma janela com vista para o exterior. Bandeiras dos Estados Unidos e do presidente estão visíveis ao fundo.
O presidente Donald Trump ao lado de Elon Musk no Salão Oval da Casa Branca, em Washington - Eric Lee - 11.fev.2025/The New York Times

Claire reclama em particular que as aparições violam um acordo de custódia no qual ela e o bilionário concordaram em tentar manter seus filhos longe dos olhos do público, segundo pessoas familiarizadas com a questão. Ela costuma dizer que se preocupa com a segurança do menino, e que viagens frequentes e privação de sono estão prejudicando sua saúde.

Outra mulher, a escritora de tendência conservadora Ashley St. Clair, revelou em fevereiro que teve um relacionamento secreto com Musk e deu à luz seu 14º filho conhecido. Musk ofereceu a ela um grande acordo para manter sua paternidade oculta, mas ela recusou. Ele ainda buscou uma ordem de silêncio em Nova York para forçar Ashley a parar de falar publicamente, disse a escritora em uma entrevista.

Um hábito de cetamina

Musk já descreveu alguns de seus problemas de saúde mental em entrevistas e redes sociais, dizendo em uma publicação que sentiu "grandes altos, baixos terríveis e estresse implacável". Ele também criticou a terapia tradicional e os antidepressivos.

O empresário joga videogames por horas a fio, luta contra a compulsão alimentar, segundo pessoas familiarizadas com seus hábitos, toma medicamentos para perda de peso e posta dia e noite em sua rede social, o X. No ano passado, o The Wall Street Journal relatou que Musk tem um histórico de uso recreativo de drogas.

Alguns membros do conselho da Tesla, sua empresa de veículos elétricos, se preocuparam com seu uso de drogas, incluindo Ambien, um medicamento para dormir.

Em uma entrevista em março de 2024, o jornalista Don Lemon o pressionou sobre o assunto. Musk disse que tomava apenas "uma pequena quantidade" de cetamina, cerca de uma vez a cada duas semanas, como tratamento prescrito para humores negativos.

"Se você usa cetamina demais, não consegue realmente trabalhar, e eu tenho muito trabalho", disse ele. Na verdade, ele havia desenvolvido um hábito muito mais sério, conforme descobriu o The New York Times.

 

Musk estava usando cetamina com frequência, às vezes diariamente, e misturando-a com outras drogas, segundo pessoas familiarizadas com seu consumo. A linha entre uso médico e recreativo era tênue, preocupando algumas pessoas próximas a ele. O bilionário também tomou Ecstasy e cogumelos psicodélicos em reuniões privadas nos EUA e em pelo menos outro país, segundo pessoas que participaram desses eventos.

A FDA, agência que regulamenta e fiscaliza alimentos e remédios nos EUA, aprovou formalmente o uso de cetamina apenas como anestésico em procedimentos médicos. Médicos com licença especial podem prescrevê-la para transtornos psiquiátricos como depressão, mas o órgão alertou sobre seus riscos, que ficaram em evidência após a morte do ator americano Matthew Perry. A droga tem propriedades psicodélicas e pode causar dissociação da realidade, e seu uso crônico pode levar ao vício e a problemas de dor e controle da bexiga.

No ano passado, Musk intensificou as críticas ao então presidente americano, o democrata Joe Biden, particularmente suas políticas sobre imigração ilegal e iniciativas de diversidade. Mas o bilionário também enfrentava investigações federais sobre seus negócios —reguladores estavam apurando acidentes com carros autônomos da Tesla e alegações de racismo em suas fábricas, entre outras queixas.

"Existem pelo menos meia dúzia de iniciativas significativas para me derrubar", escreveu ele em uma mensagem de texto para uma pessoa próxima em maio passado. "O governo Biden me vê como a ameaça nº 2 depois de Trump", afirmou. "Eu não posso ser presidente, mas posso ajudar Trump a derrotar Biden, e vou ajudar", acrescentou.

Ele endossou publicamente Trump em julho.

Por volta dessa época, Musk disse a pessoas próximas que seu uso de cetamina estava causando problemas na bexiga, segundo pessoas familiarizadas com as conversas.

Em 5 de outubro, ele apareceu com o republicano em um comício pela primeira vez, pulando ao redor do candidato. Naquela noite, Musk compartilhou seu entusiasmo com uma pessoa próxima a ele. "Estou me sentindo mais otimista depois de hoje à noite", escreveu em uma mensagem de texto. "Amanhã vamos liberar uma anomalia na matrix."

"Isso não é algo no tabuleiro de xadrez, então eles ficarão bastante surpresos", acrescentou cerca de uma hora depois. "'Lasers' do espaço."

A imagem mostra um evento político ao ar livre, com uma grande multidão ao fundo. À esquerda, Donald Trump, de terno, está em um púlpito, aparentemente fazendo um discurso. À direita, Elon Musk, vestido com uma camiseta preta e calças escuras, está pulando e levantando as mãos, demonstrando entusiasmo. O cenário é decorado com bandeiras e há um tapete vermelho no chão.
Elon Musk pula durante comício de campanha de Donald Trump em Butler, na Pensilvânia - Doug Mills - 5.out.2024/The New York Times

Depois que Trump venceu, Musk alugou uma casa em Mar-a-Lago, o resort do presidente eleito na Flórida, para ajudar na transição. O empresário participou de reuniões e telefonemas com líderes estrangeiros e elaborou planos para reformular o governo federal sob o novo Departamento de Eficiência Governamental, o Doge.

Segredos familiares

Musk também tem administrado as consequências confusas de seus esforços para ter mais filhos.

Até 2022, o empresário, que se casou e divorciou três vezes, havia gerado seis filhos em seu primeiro casamento (incluindo um que morreu na infância), além de dois com Boucher, que disse a pessoas próximas que acreditava estar em um relacionamento monogâmico e construindo uma família.

Mas enquanto uma barriga de aluguel estava grávida de seu terceiro filho, Boucher ficou furiosa ao descobrir que Musk havia recentemente tido gêmeos com Shivon Zilis, uma executiva de sua empresa de implantes cerebrais, a Neuralink, segundo pessoas familiarizadas com a situação.

A essa altura, temeroso de que as taxas de natalidade em declínio no mundo levassem ao fim da civilização, o bilionário encorajava publicamente as pessoas a terem filhos e doava US$ 10 milhões para uma iniciativa de pesquisa sobre crescimento populacional.

Ele também estava passando tempo com Simone e Malcolm Collins, figuras proeminentes no emergente movimento pronatalista, e incentivava seus amigos ricos a terem o maior número possível de filhos. Musk acreditava que o mundo precisava de mais pessoas inteligentes, segundo pessoas cientes das conversas.

Collins recusou-se a comentar sobre seu relacionamento com Musk, mas disse que o empresário "é uma das pessoas que leva essa causa a sério".

Mesmo enquanto gerava mais filhos, o blionário favorecia seu filho X. No final de 2022, durante um período em que Musk e Boucher estavam separados, ele começou a viajar com o menino por dias seguidos, muitas vezes sem aviso prévio, segundo pessoas familiarizadas com suas ações.

Boucher se reconciliou com Musk apenas para ter outra surpresa desagradável. Em agosto de 2023, ela soube que Zilis estava esperando um terceiro filho com Musk via barriga de aluguel e estava grávida do quarto.

Boucher e Musk iniciaram uma contenciosa batalha pela custódia, durante a qual Musk manteve X por meses. Por fim, eles assinaram um acordo de custódia conjunta que especificava manter seus filhos longe dos holofotes.

Em meados de 2023, sem o conhecimento de Boucher ou Zilis, Musk havia iniciado um relacionamento romântico com Ashley, a escritora, que vive na cidade de Nova York.

 Ashley disse em uma entrevista que, no início, Musk lhe disse que não estava namorando mais ninguém. Mas quando ela estava com cerca de seis meses de gravidez, ele assumiu que estava romanticamente envolvido com Zilis, que se tornou uma figura mais visível na vida de Musk.

Ashley disse que o empresário lhe contou que havia gerado filhos ao redor do mundo, incluindo um com uma estrela pop japonesa, e disse que estaria disposto a doar seu esperma para qualquer pessoa que quisesse ter um filho. "Ele fez parecer que era apenas sobre seu altruísmo e que realmente acreditava que essas pessoas deveriam simplesmente ter filhos", disse ela.

Segundo Ashley, em setembro, quando ela estava na sala de parto dando à luz, Musk lhe disse por mensagens que desapareciam no Signal que ele queria manter a paternidade e o relacionamento deles em segredo.

Na noite da eleição, por exemplo, ambos foram a Mar-a-Lago para celebrar a vitória de Trump, mas ela teve que fingir que mal o conhecia, diz a escritora.

Em troca do silêncio de Ashley, Musk ofereceu a ela US$ 15 milhões de uma vez e US$ 100 mil por mês até que o filho deles completasse 21 anos, de acordo com documentos analisados pelo The New York Times e reportados primeiramente pelo The Wall Street Journal. Mas ela não queria que a paternidade de seu filho fosse escondida.

Depois de tornar o caso público em fevereiro, ela processou Musk para que ele reconhecesse a paternidade e, posteriormente, para obter pensão alimentícia emergencial. O bilionário então buscou uma ordem de silêncio, alegando que qualquer publicidade envolvendo a criança ou comentários de Ashley sobre sua experiência seria um risco de segurança para o menino.

'Nenhuma simpatia por este comportamento'

Alguns dos antigos amigos de Musk expressaram preocupações sobre o que consideravam um comportamento público tóxico.

Em um boletim informativo de janeiro explicando por que a amizade deles havia terminado, Sam Harris, um intelectual público, escreveu que Musk havia usado sua rede social para difamar pessoas e promover mentiras. "Há algo seriamente errado com sua bússola moral, se não com sua percepção da realidade", escreveu Harris.

Mais tarde naquele mês, na posse de Trump, Musk bateu no peito e estendeu a mão diagonalmente para cima, um gesto semelhante a uma saudação fascista. "Meu coração está com vocês", disse ele à multidão. "É graças a vocês que o futuro da civilização está assegurado."

Musk descartou a indignação pública que veio na sequência, dizendo que havia feito um "gesto positivo".

Low, que é diretor executivo da NeuroVigil, uma empresa de neurotecnologia, ficou indignado com a atitude. Ele escreveu um email contundente a Musk, compartilhado com o The New York Times, criticando-o por "fazer a saudação nazista".

Quando Musk não respondeu à mensagem, Low publicou suas preocupações nas redes sociais. "Não tenho simpatia por esse comportamento", escreveu no Facebook, referindo-se ao gesto e a outras atitudes. "Em algum momento, depois de tê-lo confrontado repetidamente em privado, acredito que a coisa ética a fazer é falar abertamente, com força e sem desculpas."

No mês seguinte, Musk mais uma vez se viu sob escrutínio, desta vez por uma aparição na CPAC (Conferência de Ação Política Conservadora, na sigla em inglês), nos arredores de Washington.

Ao subir ao palco, ele recebeu uma motosserra de um de seus aliados políticos, o presidente da Argentina, Javier Milei. "Esta é a motosserra para a burocracia!", gritou Musk para a multidão que o aplaudia.

Alguns organizadores da conferência disseram ao The New York Times que não notaram nada fora do comum sobre seu comportamento nos bastidores. Mas, durante uma entrevista no palco, ele falou em surtos desconexos de gagueira e risos, usando óculos escuros. Clipes disso se tornaram virais enquanto muitos espectadores especulavam sobre possível uso de drogas.

A imagem mostra um evento onde um homem está segurando uma motosserra vermelha em um palco. Ele está usando um chapéu e óculos escuros, e parece estar se divertindo. Ao seu lado, há dois outros homens, um à esquerda com um terno azul e outro à direita, também em um terno, levantando o braço em sinal de celebração. O fundo é decorado com estrelas e o texto "Elon Musk" é visível.
Musk empunha uma motosserra dada pelo presidente argentino, Javier Milei, na CPAC (Conferência de Ação Política Conservadora), em Maryland - Eric Lee - 20.fev.2025/The New York Times

FOLHA

 

May 29, 2025

Operação contra grupo liderado por adolescente de 15 anos que estimulava automutilação de jovens nas redes

 Polícia Civil do Mato Grosso cumpriu mandados judiciais contra adolescentes apontados como líderes de grupo que estimulava automutilação online

 

Uma operação da Polícia Civil do Mato Grosso com o Ministério da Justiça desarticulou um grupo suspeito de violência contra adolescentes e crianças em plataformas de redes sociais, que seria comandado por um jovem de 15 anos apreendido na manhã de ontem. A operação Mão de Ferro 2 cumpriu em 12 estados 16 mandados de busca e apreensão, três prisões preventivas e apreendeu outros seis menores.

Segundo o delegado Gustavo Godoy Alevado, a investigação começou após um alerta de crimes cibernéticos no Mato Grosso levar à identificação da rede, que induzia, instigava e ensinava a automutilação ou mesmo ao suicídio. Outros práticas do grupo, a maior parte de jovens com idades entre 15 e 17, anos eram perseguições, ameaças, produção, armazenamento e compartilhamento de pornografia infantil, apologia ao nazismo e invasão de sistemas informatizados. Eles usavam plataformas como WhatsApp, Telegram e Discord. Somadas, as penas por esses crimes podem chegar a 20 anos de prisão.

O líder dos abusadores foi apreendido em Rondonópolis (MT). De acordo com o delegado, o adolescente havia sido alvo de buscas no ano passado, já na primeira fase da operação. Ele fora detido e liberado em seguida, e foram apreendidos dois celulares que seriam usados nos crimes. Em abril, o jovem de 15 anos foi alvo de outra operação policial.

De classe média, o rapaz estuda em uma escola estadual e, conforme a mãe, teria um diagnóstico de transtorno do espectro autista. Segundo investigadores, ele também é investigado por falsidade ideológica, após ter aberto uma conta bancária, com documentos fraudulentos, para negociar material pornográfico, que era enviado por meio do Telegram. A rede social informou que “aplica uma política rigorosa de tolerância zero” com material de abuso sexual infantil, que é removido por moderadores das partes públicas da plataforma.

Menina apreendida

Outro alvo foi uma moradora de Sinop (MT) de 16 anos identificada como uma das meninas cooptadas para dar instruções às vítimas sobre técnicas de automutilação, para “deixar apenas marcas” ou “machucar menos”, relatou Godoy. A organização também praticava crueldades contra animais e transmitiu ao vivo para 400 pessoas no Discord a execução de um gato.

O grupo é acusado ainda de extorsão a partir do acesso aos dados das vítimas, obtidos em vazamentos de informações de órgãos públicos. Três delas foram identificadas, mas duas não quiseram prestar depoimentos na investigação.

— Eles ganhavam a confiança de adolescentes, conseguiam os chamados nudes e começavam a extorqui-las. Diziam que se não obedecessem iriam expor os casos para a escola ou para os pais. As meninas eram coagidas a se cortar, beber água de vaso sanitário ou comer papéis com o nome dos integrantes do grupo escrito — detalhou o delegado.

Um dos integrantes enviou à mãe de uma vítima, pelo WhatApp, um vídeo com a adolescente. “Eu vou te denunciar e você nunca mais vai falar com a minha filha, vou te bloquear no meu celular e no dela”, respondeu a mãe. O criminoso disse que sabia a idade da mãe, onde ela trabalhava e xingou as duas.

A Meta informou que são banidos usuários no WhatsApp que compartilham conteúdos que colocam crianças em risco. A empresa acrescentou que, em todo o mundo, bane mais de 300 mil contas por mês por suspeitas de compartilhamento de imagens contendo exploração infantil. “Temos políticas, tecnologias e equipes especializadas focadas em eliminar interações abusivas e encorajamos que as pessoas denunciem comportamentos inapropriados às autoridades e também via aplicativo”, afirmou a Meta, que disse estar “à disposição de autoridades para colaborar em investigações”.

GLOBO