April 22, 2024

O governo enfrenta percalços e perde terreno na disputa com a oposição

 

 

 ANDRE BARROCAL

 O Palácio do Planalto anunciará na quarta-feira 24 o resultado de uma licitação destinada a selecionar quatro empresas de comunicação digital. Os escolhidos terão duas missões, e no fim das contas o objetivo é fazer a posição do governo a respeito de certos temas chegar à maior quantidade de cidadãos. Uma das tarefas será preparar, a partir do monitoramento das redes sociais, um diagnóstico acurado e rápido sobre o humor da população em assuntos que afetem a imagem de Lula e sua equipe, para que o Executivo possa reagir em momentos quentes no debate público. Uma forma de reação será pagar pelo aumento da circulação de conteúdos oficiais, o chamado impulsionamento.

A outra missão será proporcionar um canal direto com grupos específicos. O presidente Lula tem feito, neste ano, lances de comunicação segmentada. Em eventos, usou e mostrou meias com o símbolo do Corinthians, o time do coração, e com o rosto de Frida Kahlo, falecida pintora mexicana ícone do feminismo. Com o futuro serviço digital, o governo poderá, entre outras iniciativas, enviar mensagens de celular (via ­WhatsApp ou SMS) a beneficiários do Bolsa Família para informá-los sobre direitos. Entre estes, a possibilidade de retirar de graça 40 remédios em farmácias populares e o de que seus filhos matriculados no ensino médio recebam um “pé-de-meia” (uma bolsa) para não largarem a escola.

Nossa marca este
ano vai ser o salto na
comunicação digital”,
diz o ministro
Paulo Pimenta


O novo serviço consumirá cerca de um
terço do orçamento anual da Secretaria de
Comunicação Social da Presidência, sinal
do tamanho da aposta na ferramenta. Se-
rão 197 milhões de reais em 12 meses. Uma
pesquisa divulgada na terça-feira 16 pelo
Comitê Gestor da Internet apontou: 84%
dos brasileiros utilizam a web, bem acima
do que acontecia na passagem anterior de
Lula pelo Planalto (34%, em 2008). As redes
sociais praticamente empatam com
as tevês como meios de informação sobre
política, conforme levantamento Genial/
Quaest de março (32% e 34%, respectiva-
mente). Pelo levantamento, quanto mais
lulista, mais se assiste à tevê e quanto mais
bolsonarista, mais se navega nas redes. “O
novo serviço vai preencher uma lacuna
que temos. Nossa marca este ano vai ser
o salto na comunicação digital”, diz o mi-
nistro Paulo Pimenta, da Secom.

 
Lacuna que vai além do uso das ferra-

 mentas. A popularidade de Lula e seu go-
verno caiu ao longo de 2023, e o patamar
atual assemelha-se ao cenário da eleição
contra Jair Bolsonaro. É um quadro com-
plicador das relações com o Congresso.
Desde a eleição, há petistas a enxergar o
Parlamento de predomínio patronal e di-
reitista como obstáculo e ameaça ao presi-
dente. Estão aí novos capítulos da “guer-
ra fria” com o comandante da Câmara, o
deputado Arthur Lira, do PP de Alagoas,
para confirmar os prognósticos


O motivo de fundo do recrudescimen-
to da animosidade é o de sempre: a incer-
teza de Lira quanto à própria capacidade
de fazer o sucessor em fevereiro. O depu-
tado está decidido a instalar várias CPIs
paradas na gaveta, algo preocupante pa-
ra o governo (qualquer um), e a botar para
andar uma mudança constitucional que
tira parte do poder dos juízes do Supremo
Tribunal Federal, proposta aprovada no
Senado em 2023. A Corte tem sido uma
espécie de aliada do governo. Atacá-la é
atingir Lula indiretamente.

 
Lira age com o fígado. Um primo do
deputado foi demitido da chefia do Incra
em Alagoas na segunda-feira 15, dia em que
o ministro do Desenvolvimento Agrário,
Paulo Teixeira, lançou um plano de refor-
ma agrária para assentar 240 mil famílias
até 2026. Desde o início da gestão Lula, o
MST queria a cabeça de Wilson César
de Lira Santos, nomeado nos tempos de
Michel Temer. Lira e Teixeira haviam feito
um acordo, segundo apurou CartaCapital.
Santos permaneceria até março, quando
sairia para disputar a eleição municipal de
outubro. Ele desistiu de concorrer e dese-
java manter o cargo. Além do gesto sobre
CPIs, Lira facilitou o avanço de uma lei que
pune ocupações de terra, pronta para vota-
ção definitiva. Um soco no MST.

 
O episódio do primo veio no emba-
lo de uma troca pública de farpas entre
Lira, Lula e o responsável pela articula-
ção política presidencial, o ministro Ale-
xandre Padilha. O deputado tinha ficado
uma fera com o fato de correr na mídia a
conclusão de que havia demonstrado fra-
queza política no episódio da confirma-
ção pelo plenário, em 10 de abril, da pri-
são do deputado Domingos Brazão, acu-
mentas. A popularidade de Lula e seu go-
verno caiu ao longo de 2023, e o patamar
atual assemelha-se ao cenário da eleição
contra Jair Bolsonaro. É um quadro com-
plicador das relações com o Congresso.
Desde a eleição, há petistas a enxergar o
Parlamento de predomínio patronal e di-
reitista como obstáculo e ameaça ao presi-
dente. Estão aí novos capítulos da “guer-
ra fria” com o comandante da Câmara, o
deputado Arthur Lira, do PP de Alagoas,
para confirmar os prognósticos.

 
Para o alagoano, a conclusão emanou de
Padilha, a quem chamou publicamente de
“desafeto” e “incompetente”. Lira recusa-
-se a falar com o ministro faz tempo. En-
xerga (e está certo na percepção) alguém
que trabalha para miná-lo. “Só de teimo-
sia, o Padilha vai ficar muito tempo” no
cargo, declarou Lula também em público.

 
Ficará mesmo? CartaCapital tem ou-
vido de conselheiros presidenciais que o
Planalto vive sérios problemas de coor-
denação política. Um ministro admite:
“O governo está à deriva”. Visão idênti-
ca à exposta a portas fechadas a Lula pe-
lo presidente do Sindicato dos Metalúr-
gicos do ABC, Moisés Selerges: “O barco
está à deriva”. Segundo um colaborador
presidencial, a situação de Padilha é de-
licada. O presidente da Câmara não fala
com ele e o Senado não tem tradição de se
deixar influenciar pela pasta de Padilha,
a Secretaria de Relações Institucionais. A
propósito do Senado, aliás, no PT há quem
defenda trocar o ministro do Desenvolvi-
mento Social, Wellington Dias, para que
este assuma o mandato e reforce a base
governista por lá. Lula, além disso, esta-
ria decepcionado com o trabalho de Dias
na equipe ministerial. “O Senado desan-
dou”, afirma um conselheiro presidencial.

 
Na área política do Planalto, há quem
acredite que as negociações do PT com
vistas às eleições de prefeito e vereador
precisam levar em conta a necessidade
de reforçar candidaturas lulistas ao Se-
nado em 2026. Na terça-feira 16, o jornal
O Estado de S. Paulo relatou que Davi Al-
columbre, do União Brasil do Amapá, ex-
-presidente do Senado e candidato a reo-
cupar o cargo em fevereiro, teria feito che-
gar ao Supremo a avaliação de que, pelo
andar da carruagem, há chances de a opo-
sição aumentar o número de representan-
tes na Casa em 2026 e viabilizar a cassa-
ção de juízes. Impeachment de togado do
STF é atribuição do Senado.

 
Alcolumbre aliou-se à extrema-direita
para tentar voltar ao comando do Senado.
Como Lira na Câmara, não sabe qual se-
rá a posição do governo. Nos bastidores, o
líder de Lula no Senado, Jaques Wagner,
do PT da Bahia, nunca se compromete
com a candidatura de Alcolumbre. Es-
te é chamado por um senador petista de
“verdadeiro pai do orçamento secreto”.

 
O secretismo acabou, mas deixou o lega-
do de uma explosão de recursos a emen-
das parlamentares, obras inseridas no
orçamento por congressistas. O gigan-
tismo das emendas, 45 bilhões de reais
neste ano, contribui para dificultar a vi-
da legislativa de Lula. Wagner concorda:
há um parlamentarismo disfarçado. Pa-
ra um colaborador presidencial, a explo-
são de emendas causou uma mudança
sistêmica nas relações de poder em Bra-
sília, e o petista ainda não sabe como con-

 tornar a situação (tem estado a matutar).
Segundo Wagner, o Congresso ganhou
poder e manda muito, mas quem paga o
pato do mau humor popular é o gover-
no. Lula é aprovado por 50% dos brasi-
leiros e reprovado por 45%, conforme
a média de duas pesquisas de março, a
Genial/Quaest e a Ipec, ex-Ibope. Um ano
atrás, dava 52% a 39%. O pico de aprova-
ção foi no terceiro trimestre, 58% a 37%.

 
Em dezembro, dava 52% a 43%. Com a
avaliação do governo, o movimento foi se-
melhante: após um pico no terceiro tri-
mestre, recuo em dezembro e 2024. Nes-
te ano, 34% da população considera o go-
verno ótimo ou bom, 30% regular e 34%,
ruim ou péssimo, na média das pesquisas
Datafolha, Genial/Quaest e Ipec.

 
A queda da popularidade coincide
com a desaceleração da economia. O Bra-
sil cresceu 2,9% no ano passado, e a ex-
pansão concentrou-se no primeiro semes-
tre (foi de 1,3% entre janeiro e março e de
0,8% de abril a junho). O início do governo
teve a retomada dos reajustes reais do sa-
lário mínimo e a ampliação da isenção do
Imposto de Renda dos trabalhadores com
rendimento de até 1,9 mil reais mensais,

 valor que vigorava desde 2015, para 2,6
mil. Para o ano que vem, a equipe econô-
mica propôs subir o mínimo de 1,412 mil
para 1,502 mil, ganho real de 2,9%.

 
Na metade final do ano passado, o PIB
parou. Ficou em zero nos dois últimos tri-
mestres. Não à toa, agora em março, 38%
dos brasileiros diziam sentir que a eco-
nomia havia piorado de um ano para cá,
enquanto 34% viam tudo na mesma e só
26% acreditavam em melhora, de acor-
do com a pesquisa Genial/Quaest. Nos
dois estados mais populosos, São Paulo e
Minas Gerais, lar de 30% da população,
o sentimento era mais negativo: 42% dos
paulistas e 45% dos mineiros viam pio-
ra econômica em 12 meses, e só 23% (nos
dois estados), melhora. Menos mal para

 Lula que ainda predomine a esperan-
ça quanto aos próximos 12 meses (46%
apostem em melhora e 31%, no contrário).

 
As previsões do Ministério da Fazen-
da e do FMI indicam que neste ano o PIB
avançará menos do que em 2023. A esti-
mativa atual de ambos é de 2,2%. No di-
to “mercado”, aquele que o Banco Cen-
tral consulta toda semana, a projeção é de
1,9%. Lula, afirma um conselheiro, empe-
nha-se por provar ao País que a economia
vai surpreender. Por trás do verbo, ação.

 
O governo decidiu aceitar que em 2025
as contas públicas fiquem no zero a zero.
O plano inicial do ministro da Fazenda,
Fernando Haddad, era um saldo positivo.
Caso o Congresso aprove uma meta fis-
cal “zero”, o governo terá mais verba pa-
ra investir e tentar estimular a economia.

 
Com menos dinheiro no bolso dos
brasileiros, reconhece um ministro, fi-
ca mais fácil para a oposição bolsonaris-
ta ser bem-sucedida na disputa por co-
rações e mentes, especialmente via re-
des sociais. Sem esse fator econômico,
a declaração de Lula que juntou Israel,
Hitler e nazismo em um mesmo comen-
tário a respeito da guerra em Gaza, não
teria trazido tanta dor de cabeça.

CARTA CAPITAL    

 

 

 

 

April 19, 2024

A fome como arma

 

 A tragédia humanitária em Gaza intensifica-se
e a falta de alimentos destrói famílias e esperanças
 

P O R   P E T E R   B E AU M O N T

 E   K A A M I L A H M E D

 Duzentas e cinquenta calorias representam duas fatias de um pão integral comum vendido em supermercados: 12% da ingestão nutricional diária recomendada. Hoje, no norte de Gaza, dominado por um nível “catastrófico” de fome, como definiu a ONU, representa a ingestão calórica de um dia inteiro. Seis meses após o início da resposta militar de Israel, na sequência do brutal ataque do Hamas às comunidades fronteiriças do sul de Israel em 7 de outubro do ano passado, no qual 1,2 mil judeus foram mortos, na maioria civis, e quase 250 foram sequestrados como reféns, a fome aguda domina a faixa costeira

Para quem tem dinheiro, a comida é perigosamente escassa. Para aqueles que não têm nenhum – e depois de ­Israel obstruir a entrega de ajuda humanitária durante meses, segundo funcionários da ONU e de outras agências –, encontrar sustento é uma questão de vida ou morte. De acordo com o IPC, o mecanismo de monitoração da fome apoiado pela ONU, 1,1 milhão de palestinos, metade da população de Gaza, viverá numa penúria catastrófica dentro de três meses, se as coisas permanecerem no estado atual­ e a violência não aumentar. “Antes da guerra, tínhamos boa saúde e corpos fortes”, disse recentemente uma mãe à agência humanitária britânica Oxfam. “Agora, quando olho para meus filhos e para mim, perdemos muito peso. Tentamos comer tudo o que encontramos, plantas ou ervas comestíveis, apenas para sobreviver.”

Outra mãe de seis filhos repetiu esse
relato à Organização Mundial da Saúde e
explicou que nos mercados as plantas sil-
vestres estão principalmente disponíveis
a altos preços, “sem legumes, frutas, su-
co... sem lentilhas, sem arroz, batatas ou
berinjelas, nada”, levando muitos a sobre

viver à base de malva, uma erva daninha
comum. Numa Gaza arruinada e sitiada,
constantemente sob a ameaça de bombas,
artilharia e drones, a vida é definida por
um refrão repetido por muitos: “Ainda es-
tou vivo. Continuo a respirar”.

 
“Não sei se ainda sinto outra coisa
além de medo, tristeza e frustração”, afir-
ma Mohammed Mortaja, um entre as cen-
tenas de milhares de deslocados para a ci-
dade de Rafah, no sul do país, ainda hoje
sob a ameaça de uma nova ofensiva israe-
lense. “Todas as manhãs o sol nasce e vo-
cê está vivo. Sua jornada diária é perma-
necer vivo, na busca por água e comida e
a fugir dos bombardeios e da ocupação.”
Mortaja diz estar totalmente foca-
do na sobrevivência e não presta mais
atenção nas notícias. Depois de seis lon-
gos meses, a esperança também foi pos-
ta de lado, substituída por uma sensação
entorpecida de deslocamento. “Não sou
mais iludido por palavras como ‘trégua’
ou ‘cessar-fogo’. Não me importo com na-
da, apenas procuro o que pode saciar mi-
nha fome e minha sede e espero ansiosa-
mente por minha morte.”

Mais de 33 mil palestinos foram mor-
tos no enclave, incluídas mais de 13 mil
crianças, segundo o Ministério da Saúde
de Gaza. Em seis meses de conflito vio-
lento, após anos de bloqueio israelense à
faixa costeira, que serviu mais para for-
talecer o Hamas do que para prejudicá-
-lo, Gaza hoje é definida mais pelo que foi
perdido do que pelo que resta de uma so-
ciedade outrora vibrante. Blocos de apar-
tamentos e bairros inteiros foram arra-
sados. Os hospitais, reduzidos a ruínas,
estão cercados por cães e cheiram a esgo-
to. As universidades foram explodidas e
a agricultura destruída. A eletricidade e,
com ela, a capacidade de processar água
potável e residual, foram fatalmente in-
terrompidas, contribuindo para a propa-
gação descontrolada de doenças.

 
No mês passado, imagens analisadas
pelo Centro de Satélites das Nações Uni-
das indicaram que 35% dos edifícios da
Faixa de Gaza foram destruídos ou dani-
ficados na ofensiva. A vida foi atomizada,
pois a guerra levou mais de 80% da po-
pulação de 2,3 milhões a abandonar suas
casas e procurar abrigo, principalmente
no sul, em condições insalubres de super-
lotação. As entregas de ajuda humanitá-
ria foram estranguladas por Israel, que
fechou as passagens terrestres, enquan-
to as recentes operações de lançamento
aéreo são em escala limitada e muitas ve-
zes causam mortes por problemas com
falhas nos paraquedas e a queda de ali-
mentos e remédios no mar.

 
A questão em Gaza é para onde irá
a guerra agora. Uma avalanche de con-
denações internacionais de Israel pe-
la morte recente de sete trabalhadores
humanitários da instituição beneficen-
te World Central Kitchen, num ataque
prolongado de drones que atingiu seus
carros, um após o outro, segue-se à re-
volta pelo elevado número de mortos e
a fome crescente. Embora Tel-Aviv, sob
pressão dos Estados Unidos depois da
morte dos trabalhadores humanitários,
tenha concordado em abrir mais pas-
sagens fronteiriças para permitir mais
ajuda humanitária, algumas autorida-
des internacionais como o alto repre-
sentante de política externa da União
Europeia, Josep Borrell, acreditam ser
insuficiente, e tarde demais para evi-
tar a inanição. “Israel e seus aliados de-
vem garantir que a ajuda possa fluir li-
vremente para evitar a fome, e que ha-
ja um sistema de proteção para os tra-
balhadores humanitários que garanta
nossa segurança. Acima de tudo, preci-
samos de proteção para os civis pales-
tinos, que foram mortos indiscrimina-
damente nos últimos seis meses”, afir-
mou o norueguês Jan Egeland, secretá-
rio-geral do Conselho para Refugiados.

 
Juntamente com a ameaça de fome,
a maior questão é o que acontecerá em
Rafah, onde vivem 1,5 milhão de cida-
dãos. O primeiro-ministro de Israel,
Benjamin Netanyahu, reafirmou a in-
tenção de atacar a cidade, apesar das
objeções de Washington e de outros alia-
dos. Ahmed Masoud, ativista dos direi-
tos humanos atualmente em Rafah, de-
pois de ter sido deslocado seis vezes nos
últimos seis meses, experiência típica,
afirma ter perdido 40 amigos, sua ca-
sa e seu emprego. Agora, teme perder a
saúde mental. “Tudo o que pensamos é
como permanecer vivos, lutando para
conseguir água e comida. Quando che-
ga a noite, pensamos mais em ser mor-
tos, especialmente porque ouvimos 24
horas por dia, sete dias por semana, o
som dos aviões de guerra israelenses,
especialmente dos drones”, descreve
Masoud. “Tenho muita sorte de ainda
ter a cabeça e não a ter perdido ainda.”

 
Rafah deixou, no entanto, de ser uma
zona segura, embora nunca tenha esta-
do isenta de ataques aéreos, e a popula-
ção diz haver rumores de uma iminente
invasão israelense. “Tudo está destruí-
do ao nosso redor. Sentimos que a qual-
quer momento eles entrarão”, afirmou
outro palestino morador da cidade, que
não quis ser identificado. “Esperamos
pela evacuação de Rafah a qualquer mo-
mento. Provavelmente, iremos em dire-
ção ao mar, à praia.” Segundo Masoud,
todos esperam uma invasão, mas não sa-
bem para onde ir.

 
O sentimento de medo corrosivo e
generalizado levou aqueles que têm
contatos no estrangeiro a fazer apelos
desesperados, pedindo dinheiro em-
prestado para pagar as propinas exigi-
das pelos “intermediários” egípcios, às

ezes dezenas de milhares de dólares
por família, para atravessar a fronteira.

 
“O governo norte-americano quer um
plano claro para evacuar os retidos pa-
ra locais seguros. Para ser sincero, não
sei de que ‘área segura’ estão falando”,
diz Masoud. “É um medo muito grande,
mas estamos acostumados a ser mor-
tos, a ouvir notícias tristes, não temos
nada a perder. Então aqui estamos, à es-
pera do nosso destino.”

 
Apesar da crescente pressão interna-
cional a favor da interrupção dos com-
bates, entre elas a recente aprovação de
uma resolução do Conselho de Segu-
rança da ONU, as negociações de ces-
sar-fogo se concentraram na libertação
de dezenas de reféns israelenses detidos
pelo Hamas, muitos dos quais teriam

morrido em cativeiro, que permanecem
presos, apesar do enorme sofrimento. O
Hamas diz que as forças de Israel devem
deixar Gaza. Israel diz que deve concluir
a destruição do Hamas.

 
Apesar das alegações por Israel de
que matou cerca de 13 mil combaten-
tes inimigos e desmantelou as capa-
cidades militares do grupo na maior
parte de Gaza, não há, porém, sinais
de que o Hamas esteja acabado, e seus
integrantes se reagrupam em áreas
onde Israel havia declarado vitória.

 
Michael Milshtein, ex-oficial de alto
escalão da inteligência militar israe-
lense e especialista em estudos pales-
tinos na Universidade de Tel-Aviv, diz
que Israel enfrenta duas opções desa-
gradáveis: aceitar um acordo de reféns
e cessar-fogo que reconheça a sobrevi-
vência do Hamas, ou intensificar a cam-
panha militar e conquistar Gaza na es-
perança de que o inimigo seja destruí-
do. A expectativa de que a abordagem
atual dos militares israelenses possa
destruir o Hamas ou forçá-lo a se ren-
der, afirma, é “excesso de otimismo”.

 
Amos Harel, do jornal israelense
Haaretz, foi ainda mais contundente e
descreveu uma guerra estagnada, tro-
pas esgotadas e uma insensibilidade ca-
da vez maior em relação às vidas palesti-
nas, onde “a ideia de que ‘não há inocen-
tes em Gaza’” é comum entre os solda-
dos. “Hoje está claro para todos, exceto
para os seguidores cegos, que as promes-
sas de ‘vitória total’ que o primeiro-mi-
nistro Benjamin Netanyahu fazia todos
os dias são totalmente inúteis.”

 
Por enquanto, tudo o que se pode di-
zer com alguma certeza é que uma guer-
ra lançada com expectativas irreais vai
arrastar-se ainda por mais tempo em meio
ao crescente isolamento internacional de
Israel. E que aqueles que pagam o preço
mais alto são os civis palestinos de Gaza.  
 

CARTA CAPITAL 

 

Dickey Betts, Fiery Guitarist With Allman Brothers Band, Dies at 80

 

 Dickey Betts, a man with longish brown hair and a mustache, plays an electric guitar. He wears a brown leather jacket and has an intense look on his face.

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Dickey Betts, a honky-tonk hell raiser who, as a guitarist for the Allman Brothers Band, traded fiery licks with Duane Allman in the band’s early-1970s heyday, and who went on to write some of the band’s most indelible songs, including its biggest hit, “Ramblin’ Man,” died on Thursday at his home in Osprey, Fla. He was 80.

His death was announced on social media by his family. His manager David Spero said in a statement to Rolling Stone magazine that the cause was cancer and chronic obstructive pulmonary disease.

Despite not being an actual Allman brother — the band, founded in 1969, was led by Duane Allman, who achieved guitar-god status before he died in a motorcycle accident at 24, and Gregg Allman, the lead vocalist, who got an added flash of the limelight in 1975 when he married Cher — Mr. Betts was a guiding force in the group for decades and central to the sound that came to define Southern rock.

Although pigeonholed by some fans in the band’s early days as its “other” guitarist, Mr. Betts, whose solos seemed at times to scorch the fretboard of his Gibson Les Paul, proved a worthy sparring partner to Duane Allman, serving as a co-lead guitarist, rather than as a sidekick.

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Mr. Betts in 1977. His solos at times seemed to scorch the fretboard of his Gibson Les Paul.Credit...Richard E. Aaron/Redferns, via Getty Images

With his chiseled features, Wild West mustache and gunfighter demeanor, Mr. Betts certainly looked the part of the star. And he played like one. Nowhere was that more apparent than on the band’s landmark 1971 live double album, “At Fillmore East,” which was filled with expansive jams and showcased the intricate interplay between Mr. Betts and Mr. Allman. It sold more than a million copies.

“The second half of ‘At Fillmore East’ is as vivid and exhilarating as recorded rock has ever been,” Grayson Haver Currin of Pitchfork wrote in a 2022 appraisal.

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The Allman Brothers Band’s landmark 1971 live double album, “At Fillmore East,” was filled with expansive jams and showcased the intricate interplay between Mr. Betts and Duane Allman.Credit...Capricorn

A centerpiece of the album was “In Memory of Elizabeth Reed,” a haunting, jazz-influenced instrumental written by Mr. Betts whose title was taken from a headstone at a graveyard in the band’s hometown, Macon, Ga. That track’s “textural interplay,” Mr. Currin continued, “resembles Miles Davis’s then-new electric bands, organ and guitar oozing into one another like melting butter and chocolate.”

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Mr. Betts, left and Mr. Allman practicing in a hotel room before a concert in Spartanburg, S.C., in 1970. “Duane and I had an understanding,” Mr. Betts once said, “like an old soul kind of understanding of let’s play together.”Credit...Michael Ochs Archives/Getty Images

“Duane and I had an understanding, like an old soul kind of understanding of let’s play together,” Mr. Betts said in a 2020 interview with The Sarasota Herald-Tribune in Florida. “Duane would say, ‘Man, I get so jealous of you sometimes when you burn off and I have to follow it,’ and we would joke about it. So that’s kind of Duane and mine’s relationship. It was a real understanding. Like, ‘Come on, this is a hell of a band, let’s not hot dog it up.’”

Mr. Allman made his feelings about his bandmate clear. “I’m the famous guitar player,” he once said, “but Dickey is the good one.”

That brilliant guitar dialogue ended in Macon on Oct. 29, 1971, when Mr. Allman lost control of his motorcycle after swerving to miss a truck and died of extensive internal injuries sustained in the crash (Berry Oakley, the band’s bassist, was killed a year later in a motorcycle accident just a few blocks from the site).

Mr. Betts took over as the band’s effective leader and featured guitarist when the Allman Brothers Band regrouped to complete its next album, “Eat a Peach.” Released in 1972, it was critically acclaimed and vaulted to No. 4 on the Billboard charts. Among the album’s most memorable tracks was Mr. Betts’s sunny country-inflected number “Blue Sky,” which came to be regarded as a rock classic.

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Mr. Betts in performance with the Allman Brothers Band at the New Orleans Jazz & Heritage Festival in 1993.Credit...Clayton Call/Redferns, via Getty Images

The band reached new commercial heights with its follow-up the next year, “Brothers & Sisters,” which contained two of Mr. Betts’s signature songs: “Ramblin’ Man,” which rose to No. 2 on the Billboard Hot 100, and the upbeat instrumental “Jessica.”

“Ramblin’ Man,” which, like all his signature songs, Mr. Betts sang, is a carefree tale of an unfettered life on the open road. “I guess the song is more or less autobiographical,” he said in a 1973 interview with the future movie director Cameron Crowe, who was then a writer for Rolling Stone. “Not right down to the point, but overall it’s a pretty true song. There’s a lot of things I wish I could say in my songs that I can’t.”

He apparently made an impression on Mr. Crowe. With his horseshoe mustache and bad-boy swagger, he became the inspiration for Billy Crudup’s rock-star character in Mr. Crowe’s quasi-autobiographical 2000 film, “Almost Famous.” As Mr. Crowe told Rolling Stone in 2017: “Dickey seemed like a quiet guy with a huge amount of soul, possible danger and playful recklessness behind his eyes. He was a huge presence.”

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Mr. Betts in about 2000.Credit...Gems/Redferns, via Getty Images

Forrest Richard Betts was born on Dec. 12, 1943, in West Palm Beach, Fla., one of three children of Harold and Sarah Betts. Growing up on the Gulf Coast in Bradenton, near Tampa, he learned an early appreciation of music from his father, a fiddler, and started playing ukulele at 5.

He graduated to guitar and formed his own band in his teens. In 1967, he formed another band, the Second Coming, with Mr. Oakley. They eventually found themselves jamming with Duane Allman, who invited them to join his new band.

After the triumph of “Brothers & Sisters,” which topped the Billboard 200 for five weeks in 1973, the Allman Brothers Band started to fray. Gregg Allman started a side solo career, as did Mr. Betts, who released an album, “Highway Call,” under the name Richard Betts in 1974.

Along the way, the band’s outsize drug and alcohol use was becoming an increasing problem, as was the internal pressures that came with success. The band splintered in 1976 after Gregg Allman testified against his personal road manager in a federal drug case; Mr. Betts vowed never to work with Mr. Allman again.

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Mr. Betts had two side ventures, first the band Dickey Betts & Great Southern and later the Dickey Betts Band. He recorded albums with both groups.Credit...Sunset Blvd. Records and Freefalls Entertainment

Still, he did. Although Mr. Betts continued with a side venture, Dickey Betts & Great Southern, in 1979 the Allman Brothers Band released a comeback album, “Enlightened Rogues,” reviving the twin-guitar approach by adding a new guitarist, Dan Toler; the band would continue to tour and record, despite lengthy hiatuses, until 2000. That year, the group fired Mr. Betts, citing “creative differences” — while also alluding to continuing struggles with substance abuse, which he denied.

By that point Mr. Betts had been through plenty of struggles with drugs and alcohol, as well as multiple arrests, including a much-publicized incident in 1996, in which he was accused of aiming a .44 Magnum handgun at his wife, Donna, during a quarrel over his drug use and charged with aggravated domestic assault. The charges were dropped after he agreed to check into a rehab facility.

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He was photographed waving amid crowd of Grammy ceremony attendees. He had long brown hair and mustache and wore a brown cowboy hat and a multicolored vest and bluejeans.
Mr. Betts at the Grammy Awards in Los Angeles in 2005. His later years were marred by substance abuse and multiple arrests.Credit...Robert Galbraith/Reuters, via Redux

In addition to his wife, Mr. Betts’s survivors include his daughters, Kimberly, Christy and Jessica Betts, as well as his son, Duane Betts, who made appearances with the Allman Brothers Band in the 1990s and later joined Great Southern.

Despite undergoing brain surgery in 2018 after a fall at home, Mr. Betts released live albums with his outfit the Dickey Betts Band in both 2018 and 2019.

He received notable recognition when Bob Dylan referenced him in “Murder Most Foul,” Mr. Dylan’s 2020 opus about the assassination of President John F. Kennedy. It contains the line “Play Oscar Peterson, play Stan Getz/Play ‘Blue Sky,’ play Dickey Betts.”

When friends called him about the shout-out, Mr. Betts was deeply honored, he said in a recent interview, but also embarrassed. “I would say, ‘Well, he just used me because it rhymes with Getz.’”

THE NEW YORK TIMES