Conhecido por seu comportamento imprevisível e sua rebeldia incorrigível, o ator Paulo César Pereio morreu na tarde deste domingo (12), aos 83 anos, no Rio de Janeiro. Ele estava em tratamento de doença hepática avançada, em estado grave, e havia dado entrada de madrugada no Hospital Casa São Bernardo, na Barra da Tijuca.
Nascido em Alegrete, no Rio Grande do Sul, em 1940, Pereio despontou em um momento de efervescência do cinema brasileiro. Após destaque no teatro, onde interpretou de Beckett (“Esperando Godot”) a Maria Clara Machado (“Pluft, o fantasminha”), o gaúcho entrou no radar dos cineastas de vanguarda. Ainda que sua inspiração fosse clássica, com exemplo no ator americano Humphrey Bogart, símbolo da masculinidade dos anos 1940 e 1950, Pereio agradou em cheio os jovens diretores que buscavam reinventar a linguagem do cinema brasileiro.
Como Bogart, Pereio abusava de seu vozeirão e da forte presença em cena. E é assim que a sua figura marca o elogiado “Os fuzis”. Embora tenha saído brigado com o diretor Ruy Guerra (uma constante em sua carreira), iniciou durante as filmagens a sua longa amizade com Hugo Carvana, que também se tornaria uma figura marcante do Cinema Novo.
Quatro anos depois, com “O Bravo guerreiro” (1968), de Gustavo Dahl, Pereio aprofundou sua relação com o movimento artístico. Durante a pós-produção de “Os fuzis”, Pereio conheceu Glauber Rocha, que lhe convidaria para fazer uma pequena participação em “Terra em Transe” (1967). A ligação com o Cinema Novo continuaria ao longo dos anos 1970, sendo chamado por diretores como Joaquim Pedro de Andrade (“Os inconfidentes”), Cacá Diegues (“Chuvas de verão”) e Arnaldo Jabor (“Toda nudez será castigada” e “Eu te amo”).
Nos anos 1970, participaria ainda de um dos mais celebrados filmes experimentais da história, “Bang Bang” (1971), de Andrea Tonacci. O longa, que não chegou a ser programado no circuito comercial brasileiro, tem a sua cara: anárquico, inventivo, rebelde e provocador.
Além do cinema, Pereio brilhou no teatro entre 1956 e 2016, ainda que fazendo longos intervalos entre uma peça e outra nas últimas décadas. Atuou em espetáculos marcantes como “Roda viva” e colaborou com os maiores dramaturgos do país. Dirigiu a penúltima peça de Nelson Rodrigues (“O anti-Nelson Rodrigues”, de 1974) e compartilhou o espírito libertário e José Celso Martinez Corrêa em “As bacantes”, de 1996.Graças à sua voz excepcional, conseguiu driblar as suas crises financeiras com narrações e trabalhos para a publicidade.
Na televisão, fez ainda novelas e minisséries como “Gabriela”, “Roque Santeiro”, “A viagem”, “Presença de Anita” e “Carga pesada”, todas da TV GLOBO. Em 2004, passou a apresentar o programa “Sem frescura”, no Canal Brasil, em que recebia convidados para bate-papos descontráidos.
— O Pereio foi o ator que mais trabalhou nessa vida — diz o ator e amigo de longa data Stepan Nercessian. — Ele não descansava. Onde estivesse, estava o Teatro.
Nercessian é presidente do Retiro dos Artistas, onde Pereio residia desde 2020, após uma existência de excessos. Em entrevistas, Pereio contava que havia mudado seu estilo de vida no retiro. Solitário, dedicava seu tempo à leitura de Machado de Assis.
O ator foi casado três vezes e teve quatro filhos: Thomaz e João, com a atriz Cissa Guimarães; Lara Velho, com a atriz Neila Tavares; e Gabriel, com Suzana César de Andrade.
Dirigido por Tasso Dourado e Allan Sieber, o documentário “Pereio, eu te odeio” (2023) retrata com bom humor as excentricidades de Pereio e o carinho e a impaciência que provocava em seus próximos, incluindo a ex-mulher Cissa Guimarães e os amigos Hugo Carvana e Stepan. Nos depoimentos, todos relatam o quanto amavam odiá-lo.
— Só posso agradecer ao Pereio pelos nossos filhos. — diz Cissa Guimarães, que chegou a processar Pereio, em 1994, por atraso na pensão dos filhos. — Obrigada pela nossa família. Obrigada por tantos aprendizados, por tantos ensinamentos e emoções. Obrigada por me mostrar tantos rumos da vida, me mostrar o amor pelo nosso ofício e nos ensinar a fazer o nosso ofício. A cortina fecha aqui, mas abre no céu. E todos os aplausos serão sempre poucos para ele.
“Não quero que ela (Cissa) fique como vilã dessa história”, disse Pereio, na época. “Eu é que não me defendi quando devia. Não paguei porque não tinha dinheiro. Sofri um acidente e não podia trabalhar.”
Em outubro de 2023, Pereio saiu de sua reclusão do Retiro dos Artistas e compareceu para a sessão do documentário no Festival do Rio. Acompanhado de Cissa e dos filhos Thomaz e João, foi aplaudido pelo público.
— Nem sei o que dizer, estou tonto com a notícia... — lamentou Sieber. — Muito triste que essa pessoa tão genial, original, verdadeira e mestre do seu oficio se foi. Tive muita sorte de ter convivido com ele. Ele sempre foi muito generoso e carinhoso. O último de uma espécie.“Perdemos um ícone do nosso cinema”, escreveu a atriz Zezé Mota em seu Twitter. “Descansa meu amado Pereio. Quantos trabalhos icônicos e marcantes na TV, teatro e no cinema”
"Perdemos um ícone do nosso cinema", escreveu a atriz Zezé Mota em seu Twitter. "Descansa meu amado Pereio. Quantos trabalhos icônicos e marcantes na TV, teatro e no cinema"
GLOBO
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