Escritor se notabilizou por suas obras situadas em uma Nova York povoada de personagens desorientados
Paul Auster, o prolífico escritor americano e autor de "The New York Trilogy", morreu por complicações de um câncer de pulmão, informou o jornal The New York Times, nessa terça-feira. Após ganhar fama internacional com "A trilogia de Nova York", Auster teve sua obra foi traduzida para mais de quarenta idiomas.
Auster tinha 77 anos e faleceu em sua casa no Brooklyn, segundo o jornal, que citou a jornalista Jacki Lyden, amiga do romancista.
Em sua obra mais ambiciosa, “4 3 2 1” (Companhia das Letras), de 2018, Paul Auster imagina quatro variações de um indivíduo com o mesmo corpo e material genético, e as acompanha do nascimento à vida adulta, em diferentes circunstâncias. Admirador do poeta francês Stéphane Mallarmé, para quem “um lance de dados nunca abolirá o acaso”, o americano via a trajetória humana como um
A coincidência seria “uma arte poética desmunida de teorias”, como escreve em outro de seus livros mais famosos, “O caderno vermelho”, de 1993. Nele, Auster revisita 13 estranhas coincidências que havia anotado em seu caderno, transformando-as em contos.
O próprio autor creditava sua aproximação com a escrita a um lance de má sorte. Fã de baseball desde pequeno, Auster seguia de perto as façanhas do Giants de Nova York. Aos oito anos, depois de um jogo do Giants, ele teve a chance de falar com o seu grande ídolo, o jogador Willie Mays. Só que nenhum dos dois tinha lápis. O jogador se desculpou: “Sinto muito, garoto, sem lápis, sem autógrafo”.
O menino passou a noite chorando. E, depois do incidente, nunca mais saiu de casa sem levar algo com que pudesse escrever. “Se os anos me ensinaram uma coisa”, disse ele em uma entrevista de 2009, “é que, se você tem um lápis no bolso, há fortes chances de você ficar tentado a usá-lo”.
Anos depois, Auster se tornou uma estrela da literatura. O Times Literary Supplement of Britain chegou a defini-lo como “um dos escritores mais espetacularmente inventivos da América”.
O reconhecimento, porém, demorou para chegar. E também se deveu ao acaso. Em 1978, ele ainda enfrentava grandes dificuldades na carreira quando um amigo o chamou para assistir ao ensaio de um espetáculo coreográfico em 1978. Por pouco, não ia. Foi. E o que viu mudou a sua escrita e o fez embalar como autor. A fluidez dos movimentos dos bailarinos no palco lhe provocou uma espécie de epifania. “Alguma coisa aconteceu, e um mundo de possibilidades se abriu diante de mim”, lembrou ele em “O caderno vermelho”:
A estreia foi discreta, com o livro de memórias “A invenção da solidão”, reminiscências sobre o relacionamento distante com seu pai (o autor já o descreveu como um “titereiro que controlava seu alter ego, a partir de um local escuro e solitário”). Já o seu primeiro romance, “City of glass”, foi rejeitado por 17 editoras antes de ser publicado por uma pequena casa californiana, em 1985.
O livro marca o início da sua famosa trilogia de Nova York, que seguiria com as narrativas de “Ghosts” e “The locked room”. Mais tarde elas seriam reunidas em um só volume, “A trilogia de Nova York”, publicada no Brasil pela Cia das Letras. A obra foi listada pelo The New York Times como um dos 25 romances mais significativos de Nova York dos últimos 100 anos.
As três histórias mesclam suspense, mistério, investigação policial e metalinguagem com muito humor e engenhosidade. Vista frequentemente como um exemplo de literatura pós-moderna, a obra faz descontrói o gênero policial, dialogando com outros títulos e apresentando uma estrutura fragmentada e um narrador pouco confiável em busca de sua própria identidade.
Mais importante do que o caso a ser resolvido é a relação dos personagens com a cidade em que vivem e a dificuldade de dar um sentido ao fluxo de fatos aleatórios produzidos pela grande cidade. Com sua corrente ininterrupta, seus cruzamentos de vidas e trajetórias inusitadas, Nova York é um personagem à parte em seus enredos.
— Eu sempre soube que Nova York é uma cidade múltipla, e há muitas maneiras de olhar para ela, há muitas Nova Yorks —disse ele ao GLOBO em uma entrevista de 2012. — Em “A trilogia de Nova York”, falo da cidade de indivíduos solitários, dos tipos perdidos na grande cidade. Depois, em obras como o filme "Cortina de fumaça" e o romance "Desvarios no Brooklyn", eu tratava do sentimento de vizinhança do nova-iorquino, eu conectava as pessoas. Foram dois extremos.
Auster nasceu em Newark, em 1947, Nova Jersey, e licenciou-se em 1970 na Universidade de Columbia. A sua afinidade com a literatura francesa o levou a viver quatro anos no país de André Breton, Marcel Proust e Paul Elouard, alguns de seus autores favoritos.
Ele manteve um vínculo forte com a França, onde era muito apreciado e costumava ser chamado de “o mais francês dos escritores americanos”. Apesar do rótulo, sua obra era puramente americana, tendo Nova York — e, em especial o Brooklyn, onde se estabeleceu em 1980 — como a geografia existencial por excelência. Auster inspirou uma nova geração que afluiu ao bairro do Brooklyn a partir da década de 1990. O bairro está presente em livros como “A Noite do Oráculo” (2003), “Desvarios no Brooklyin” (2005) e “Sunset Park” (2010), entre outros.
A obra de Auster ainda inclui títulos de poesia, ensaios e O autor foi casado com a também escritora Lydia Davis entre 1974 e 1977. O casal teve um filho, Daniel, e uma neta, Ruby, ambos mortos em 2022. Em 1981, o autor encontrou sua segunda mulher, Siri Hustvedt, numa leitura de poesia. Conforme explicou em entrevista ao GLOBO em 2018, o casamento mudou a sua vida e foi mais um produto do acaso.
— As chances de nos encontrarmos eram pífias — lembrou ele. — Conhecíamos apenas uma pessoa no mundo inteiro em comum. Uma única pessoa que poderia nos ligar. No evento, começamos a conversar e então fomos embora juntos, continuamos a falar e acabamos dormindo juntos. E nunca nos separamos desde então. Penso nisso como o mais importante encontro inesperado da minha vida. Mudou tudo sobre o que eu sou e que tem sido minha vida.
Os títulos de Auster publicados no Brasil incluem poesia (“Todos os poemas), ensaios (“A invenção da solidão”) e inúmeros romances (“Invisível”, “Leviatã, “Timbuktu”, “Homem no escuro”, entre outros). Ele também escreveu e dirigiu os filmes “Cortina de Fumaça” (1995), “Fumo Azul (1995), “Lulu on the Bridge“ (1998) e “A Vida Interior de Martin Frost” (2006).
Em 2022, Siri Hustvedt publicou no seu Instagram que o marido havia sido diagnosticado com câncer e estava em tratamento no Centro Oncológico Memorial Sloan Kettering de Nova York. Ele faleceu anteontem, em sua casa no Brooklyn, aos 77 anos, por complicações de um câncer de pulmão, informou o jornal The New York Times, nessa terça-feira. Após ganhar fama internacional com "A trilogia de Nova York", Auster teve sua obra foi traduzida para mais de quarenta idiomas.
O ano de 2022 foi carregado de tragédias pessoais. Seu filho, Daniel Auster, foi acusado de matar a própria filha, Ruby, de oito meses. Conforme contou às autoridades, Daniel injetou heroína no próprio braço e deitou para tirar uma soneca com Ruby. Ao acordar, o bebê estava azul e sem vida. Daniel entregou-se à polícia. Ele respondia o processo em liberdade quando, poucos dias depois da morte da filha, foi encontrado morto, após sofrer uma overdose por heroína.
No mesmo ano, a esposa de Paul Auster, Siri Hustvedt, publicou no seu
Instagram que o marido havia sido diagnosticado com câncer e estava em
tratamento no Centro Oncológico Memorial Sloan Kettering de Nova York.
GLOBO
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