April 26, 2024

Marcha a ré: A vitória do Brazilstão

 

 

 A chantagem política no Congresso, somada ao suprassumo do rea­cionarismo e à falta de mobilização social, levaram mais uma vez o Brasil a desprezar as evidências científicas e a ignorar um avanço legal adotado em um número expressivo de países ocidentais. Na terça-feira 16, o Senado aprovou por 52 votos a 9 a Proposta de Emenda Constitucional que tipifica como crime “a posse ou porte de qualquer quantidade de droga”. A PEC tem como autor o próprio presidente da Casa, Rodrigo Pacheco, do PSD, e não traz alteração significativa à Lei de Entorpecentes em vigor desde 2006. Sua aprovação é, porém, mais um round da briga do Parlamento com o Supremo Tribunal Federal. Desde agosto do ano passado, o STF julga uma ação que poderia liberar o porte de maconha para consumo pessoal e estabelecer um critério objetivo para diferenciar usuários de traficantes: a quantidade de narcótico apreendido. Após o pedido de vista do ministro José Dias Toffoli, a votação foi interrompida com 5 votos favoráveis à mudança e 3 contrários.

 Não há previsão para o julgamento ser retomado, mas, nesse ínterim, a decisão do Senado aproxima o Brasil de ditaduras e teocracias que adotam uma política de tolerância zero em relação às drogas. Além de contribuir para o encarceramento em massa e de afastar dependentes químicos de tratamentos, devido ao temor de sofrer processos criminais, a iniciativa impede o País de avançar na regulamentação da Cannabis para fins medicinais e recreativos, uma indústria que movimentou 29,5 bilhões de dólares no ano passado ao redor do mundo e pode chegar a 58 bilhões em 2028, segundo um estudo da BDSA, principal empresa de pesquisa do setor.

Desde a virada do século, ao menos 21
países adotaram leis para legalizar ou
descriminalizar do uso pessoal de maco-
nha, bem como dos numerosos subprodu-
tos explorados pela indústria farmacêu-
tica. O ingresso mais recente no clube foi
o da Alemanha, onde, desde o começo do
mês, existem leis para reger a produção e
o consumo de Cannabis, e qualquer cida-
dão pode plantar mudas em casa, além de
portar até 25 gramas da erva.

 
A significativa adesão alemã tende a

impulsionar outras leis nacionais seme-
lhantes nos próximos anos. Desde 2022,
a legalização completa aconteceu em
Malta e Luxemburgo, um passo à frente
da Europa em uma direção indicada pe-
las sucessivas leis de descriminalização
iniciadas por Portugal, em 2001, e pos-
teriormente adotadas por Bélgica, Eslo-
vênia, República Tcheca, Suíça, Croácia,
Itália, Áustria e Geórgia. Famosa por su-
as coffee shops, onde ninguém é incomo-
dado se acender um baseado, a Holanda

curiosamente, jamais legalizou ou sequer
descriminalizou qualquer tipo de droga,
tendo sido apenas pioneira, ainda na déca-
da de 1970, de uma política de “vista gros-
sa” emulada em maior ou menor grau por
outras nações europeias. Portugal, por
sua vez, tornou-se referência pela ousa-
dia de suas leis de descriminalização, que,
além da maconha, abrangem outros tipos
de narcóticos, como cocaína e heroína.

 
Mais recentemente, os portugueses inclu-
íram as drogas sintéticas no rol de subs-
tâncias toleradas. Adendo: em nenhum
desses países houve uma explosão do
consumo, das mortes e da violência, uma
fake news repetida pelos proibicionistas.

 
Os avanços não são privilégio da Eu-
ropa. Leis de descriminalização da ma-
conha foram recentemente adotadas
em Israel, África do Sul, Tailândia e Ja-
maica. Entre as maiores economias, o
Canadá foi o primeiro a adotar a lega-
lização completa, em 2018, ao replicar
leis adotadas seis anos antes pelos esta-
dos de Washington e Colorado, nos Es-
tados Unidos. A iniciativa espalhou-se
por outros estados e, embora não exis-
ta uma lei federal sobre o tema, 54% d

regiões onde a maconha é legalizada. Na
nossa vizinhança, a Argentina descrimi-
nalizou a maconha desde 2009 e quatro
anos depois o Uruguai foi o primeiro país
do mundo a legalizar completamente a
produção e venda de maconha, além do
“uso recreativo” da planta. A pioneira na
América do Sul, entretanto, é a Colômbia,
que, após viver o pesadelo do narcoterro-
rismo nos “anos Pablo Escobar”, desde
1994 vem, entre idas e vindas, adotando
leis de descriminalização fundamentais
para reduzir os números da violência.
No Brasil, após diversos
governos, legislaturas
e presidências do STF
fugirem do assunto du-
rante anos, o proibicio-
nismo ganhou força, sobretudo após a
ascensão política da extrema-direita
nas eleições de 2018. “Esse atraso refle-
te o pânico moral disseminado pelos rea-
cionários que operam muitas vezes com
o discurso religioso para demonizar a
maconha. Quando esse discurso não é re-
ligioso, é policialesco. Às vezes, ambos.

 
Mas, de qualquer modo, é um discurso
bastante fechado para o debate e para a
influência de informações científicas e de
pesquisas sobre o racismo estrutural da
lei de drogas”, lamenta o neurocientista
e biólogo Sidarta Ribeiro. A dificuldade
para se travar o debate científico em
esferas como o Congresso acontece,
segundo o especialista, porque “existe
um posicionamento extremamente
lucrativo do ponto de vista político, que
joga para a plateia e com os preconceitos,
medos e mitos”.

 
Os prejuízos para o País são evidentes,
a começar pela segurança pública, onde
a “guerra às drogas” travada nos últimos
anos resultou em um espantoso aumento
tanto da violência policial contra pretos,
pobres e periféricos quanto da população
carcerária nacional. Um estudo elaborado
pelo economista Daniel Cerqueira e publi-
cado pelo Instituto de PesquisaEconômica

Aplicada revela que, em média, 34,3% dos
homicídios são atribuídos a questões re-
lativas a drogas, número que cresce para
46,6% no Rio de Janeiro. Em todo o Bra-
sil, os negros são objeto de 68% dos proces-
sos e prisões relacionados ao porte de dro-
gas. “Temos observado o impacto das po-
líticas de abordagem punitiva e da violên-
cia policial na vida de moradores de fave-
las e outras comunidades periféricas, on-
de a maioria da população é negra e em-
pobrecida”, diz o tcheco Jan Jarab, repre-
sentante de Direitos Humanos da ONU pa-
ra a América do Sul. Desde 2000, acres-
centa, a população carcerária brasileira
aumentou mais de 200% e continua em
crescimento. “No fim de 2023, o Brasil
registrou uma população carcerária de

852 mil detentos. Estima-se que até 40%
deles podem ter vínculos com drogas.”

 
Ao encher as unidades prisionais com
centenas de milhares de usuários e pe-
quenos traficantes a cada ano, o País re-
força o poder das facções que dominam
os presídios e cria uma base de recruta-
mento para o crime, alerta o deputado es-
tadual Carlos Minc, do PSB, pioneiro ao
tratar da questão da legalização da maco-
nha desde o seu primeiro mandato parla-
mentar, logo após o fim da ditadura. “En-
topem os presídios, onde pouco se estuda
e se trabalha, mas não faltam drogas e ce-
lulares. As principais facções comandam
o crime a partir dos presídios, como é o
caso do PCC e do Comando Vermelho”,
observa o parlamentar carioca

Para Cristiano Maronna, diretor da
organização Justa e autor do livro Lei de
Drogas Interpretada na Perspectiva da Li-
berdade (Ed. Contracorrente), a visão do
“direito penal máximo” que prega o en-
carceramento é deletéria porque não re-
duz a criminalidade: “O Brasil tem a ter-
ceira maior população prisional do plane-
ta e os índices de criminalidade são muito
elevados em comparação com outros paí-
ses. Esse modelo político criminal não en-
trega bons resultados, não entrega paz,
não entrega índices de segurança públi-
ca que sejam razoáveis. Quanto mais se
prende, mais as facções são fortalecidas
e esse círculo vicioso é retroalimentado”.

 
Em parceria com o Centro de Estudos
de Segurança e Cidadania, a Justa lançou
um guia com os principais pontos e pro-
postas sobre a legalização da maconha. O
documento menciona a pesquisa do neu-
ropsicofarmacologista inglês David John
Nutt, a revelar quais as drogas mais pre-
judiciais ao próprio usuário e aos que es-
tão no seu entorno. “Essa pesquisa con-

siderou drogas lícitas e ilícitas, e o álco-
ol é o campeão. Maconha, ecstasy e LSD
estão lá embaixo. Não tem nada mais da-
noso ao indivíduo e ao seu entorno do que
o álcool. No entanto, ele é glorificado em
comerciais na tevê, até patrocina even-
tos. A mensagem é clara: tomem cada vez
mais cerveja”, lamenta a socióloga Julita
Lemgruber, diretora do CESeC.
Uma das maiores anomalias
na Lei de Entorpecentes,
dizem os especialistas, é
deixar ao critério subjeti-
vo do policial – ou do juiz
– a decisão sobre se determinado caso con-
figura tráfico ou porte para uso pessoal. A
PEC de Pacheco não mexe com isso, embo-
ra o senador afirme o contrário. “A propos-
ta faz a ressalva da impossibilidade da pri-
vação da liberdade do porte para uso. Ou
seja, o usuário não será jamais penalizado
com o encarceramento”, disse o senador
logo após a aprovação. Depois, acenou às
bancadas da Bala e da Bíblia com a clássica
visão retrógrada sobre o uso de drogas. “O
motivo da dupla criminalização é que não
há tráfico de drogas se não há interessados
em adquiri-las. O traficante só aufere
renda, e a utiliza para comprar armas e
aumentar seu domínio territorial, por
meio da venda a um usuário final.”

 
Também pioneiro no debate, ao orga-
nizar nas universidades do Rio tribunais
populares sobre a legalização da maconha
nos anos 1990, o advogado Rogério Rocc

aponta a hipocrisia da visão majoritária
do Senado: “A classe média não é condu-
zida nesse tipo de flagrante como trafi-
cante, mas os pobres, os pretos em geral,
são”. Tal prática, diz, alimenta os índices
de sucesso de prisões e da eliminação de
“inimigos” em ações policiais. “Esse ini-
migo muitas vezes é forjado por uma lei
que permite que o policial ou o delegado
configure a lógica de um flagrante a seu
bel-prazer. As políticas de eliminação de
pobres e pretos nos mantêm num círculo
vicioso que justifica o aumento de investi-
mentos no combate à violência.”

 
Rocco avalia que o Senado faz o Bra-
sil andar quase 60 anos para trás na po-
lítica de drogas e reviver a implementa-
ção da punição aos usuários decretada
em dezembro de 1968, 13 dias após a de-
cretação do AI-5. “Foi uma medida explí-
cita de perseguição à juventude, aos que
resistiam aos arbítrios da ditadura, no
momento mais grave e grotesco do regi-
me militar. Hoje, significa um retroces-
so gravíssimo que se explica pela forma-
ção bem-sucedida de uma nova organiza-
ção da extrema-direita nacional.”
Oadvogado Ladislau Porto
lamenta que o Brasil es-
teja prestes a repetir um
erro histórico ao tratar a
questão das drogas sob a
ótica da segurança pública, e não da saú-
de. “Esse atraso é fruto de um racismo es-
trutural muito forte, porque a erva era
consumida pelos negros, em cachimbos
de barro. Fomos um dos primeiros paí-
ses a criminalizar o uso da maconha, na
década de 1830, em uma lei racista que
previa multa para quem vendesse a erva
e prisão de três dias para o escravo que
fumasse.” Além do racismo, persiste
uma falta de conhecimento muito gran-
de sobre a maconha, lamenta. “Enquanto
a ciência avança em demonstrar todas as
aplicações médicas da Cannabis, nós re-
trocedemos ao criminalizar o uso. Para
reverter esse quadro é preciso informa-
ção, é preciso fomentar o debate.”

O MERCADO DE
CANNABIS LEGAL
DEVE MOVIMENTAR
ATÉ  BILHÕES DE
DÓLARES  EM 2028

O tempo desperdiçado pelo Brasil no
uso da Cannabis pela saúde pública é a
outra faceta socialmente cruel da posi-
ção atrasada do País. Enquanto cente-
nas de milhares de brasileiros de bai-
xa renda que poderiam ter seus pro-
blemas de saúde curados ou ameniza-
dos com substâncias derivadas da plan-
ta – como o Canabidiol (também conhe-
cido como CDB), o composto molecular
GHB ou o próprio princípio ativo THC –
seguem sem tratamento nem acesso aos
produtos, os mais abastados pagam até
500 reais por um único frasco de medi-
camento nas farmácias. De acordo com
a Associação Brasileira da Indústria de
Canabinoides, a comercialização da cha-
mada Cannabis medicinal nas farmácias
do País mais que dobrou em 2023, ao re-
gistrar um crescimento de 127% em re-
lação ao ano anterior. Foram comercia-
lizadas 356,6 mil unidades de produtos
entre janeiro e dezembro do ano passa-
do, ante 157 mil em 2022, e o faturamen-
to do setor nas farmácias atingiu 150 mi-
lhões de reais, um salto de 119% diante
dos 65,2 milhões registrados em 2022.

 
“Muitas famílias de usuários de maco-
nha medicinal enfrentam desafios legais
e estigmas sociais relacionados ao uso da
planta para esse fim. Retrocessos na le-
gislação como essa PEC podem aumen-
tar o medo de criminalização e também
a perseguição por parte das autoridades,
colocando em risco a segurança e a es-
tabilidade dessas famílias”, alerta Mar-
garete Brito, fundadora da organização
Apoio à Pesquisa e Pacientes deCannabis
Medicinal. Dirigente da Associação Bra-
sileira para Cannabis, que também de-
fende o direito ao cultivo individual e co-
letivo da maconha, Pedro Zarur define
como “nefastas” as consequências da po-
lítica nacional. “Inocentes morrem dia-
riamente em nome de uma guerra con-
tra uma planta.”

 
Para Sidarta Ribeiro, “a maconha é
uma fronteira científica ativa na pes-
quisa biomédica brasileira”. Ele men-
ciona o professor Elisaldo Carlini que,
na Escola Paulista de Medicina da Uni-
fesp, foi o primeiro no mundo a demons-
trar em ratos, e depois em seres huma-
nos, que o Canabidiol é um poderoso an-
tiepiléptico. Professor da UFRN, Ribeiro
elenca outros trabalhos desenvolvidos na
USP e nas universidades federais de São
Paulo, Minas Gerais, Santa Catarina, Rio
Grande do Sul e Rio Grande do Norte. “O
Brasil tem tradição, tem cientistas e tem
alta qualidade científica nesse assunto,
mas tem também todos os entraves que
mantêm o País em uma posição de sub-
serviência científica.”
Um dos mais destacados
nomes nesse cenário, o
psiquiatra Dartiu Xavier
Silveira, professor da
Unifesp, afirma que, en-
tre os usuários de álcool, a dependên-
cia é de 15%, enquanto nos consumido-
res de maconha é de 9%. “Quando se tem
uma postura proibicionista, qualquer uso
vai ser visto como patologia. Daí surgem
aquelas medidas absurdas de internação
compulsória de um usuário. Gastam-se
rios de dinheiro do Estado para tratar
pessoas que nem sequer têm diagnósti-
co de dependência, que não precisariam
ser tratadas.” Silveira dá como exemplo
os discursos das igrejas fundamentalis-
tas. “O sujeito é usuário de álcool, mas,
quando se trata de maconha, é dependen-
te. As pessoas têm dificuldade de usar o
termo ‘usuário de maconha’, é como se
não existisse. Só isso já significa um viés,
e as políticas públicas seguem esse cami-
nho, que é o mais ridículo, porque caem
nas mãos de pessoas que são reacionárias.
Tem muito médico reacionário.”

 
Neurocientista e doutor em bioquími-
ca, Aderbal Aguiar afirma que a maco-
nha tem eficácia comprovada na terapia
de doenças que atingem o cérebro em vá-
rias fases da vida, a exemplo das crianças
com transtorno de espectro autista, dos
adultos com transtornos de humor, an-
siedade, depressão e insônia, e dos ido-
sos com doenças neurodegenerativas,
como Parkinson, Alzheimer e esclero-
se múltipla. Sem falar da epilepsia, que
atinge todas as idades. “Essa planta fun-
ciona muito bem, só que temos de impor-
tar, porque aqui é proibido.” Ele lembra
que quem consegue comprar o produto
importado é a população mais rica. “Já
quem depende unicamente do SUS fi-
ca prejudicado, porque o acesso é mui-
to mais restrito. Sem falar que, no SUS,
o uso desses medicamentos é limitado a
alguns casos raros de epilepsia.”

 
O Brasil ignora, ainda, o imenso poten-
cial da exploração da planta e seus deriva-
dos, que têm aplicação muito além da me-
dicina e atende setores como alimentação,
vestuário, cosméticos, navegação e cons-
trução civil. Somente a fibra de cânhamo
tem centenas de aplicações industriais
possíveis. “Poderíamos estar produzin-
do, mas estamos importando”, diz Aguiar.

 
A PEC da criminalização do uso e por-
te de drogas terá de passar pela análise e
votação na Câmara, mas a expectativa é
de aprovação. Isso se o texto não for pio-
rado ainda mais. Um dos nove senadores
que votaram contra a proposta, Humber-
to Costa, do PT, falou com CartaCapital
minutos após a votação. “Infelizmente,
o Brasil tem falhado bastante na políti-
ca sobre drogas. Essa questão deveria ser
tratada como problema de saúde públi-
ca. Temos de garantir àqueles que preci-
sam de tratamento humanizado, tirá-los
da esfera criminal e fortalecer a rede de
atendimento psicossocial. Estamos tam-
bém nos privando de pesquisar e adotar
produtos derivados da Cannabis, com
evidentes prejuízos econômicos e cien-
tíficos.” A maioria dos senadores prefe-
riu, no entanto, abraçar o populismo pe-
nal e o fundamentalismo moral e religio-
so. Foi a vitória do Brazilstão

CARTA CAPITAL 


  

     


April 25, 2024

Morre o jornalista Carlos Leonam, 'inventor' do ritual de aplaudir o pôr do sol em Ipanema

 

 Carlos Leonam

 

Fotógrafo e colunista social, ele também criou a expressão 'esquerda festiva' e ganhou Prêmio Esso por foto do astronauta russo Yuri Gagarin no Alto da Boa Vista 

 

Morreu na manhã desta quinta-feira (25) o jornalista, fotógrafo e colunista carioca Carlos Leonam, aos 84 anos. A informação foi confirmada pela família. Ele estava internado desde o último dia 13, na Casa de Saúde São José, no Rio de Janeiro, por causa de uma pneumonia bacteriana.

O velório e o enterro devem acontecer no próximo sábado (27), em local ainda a ser confirmado. Leonam deixa três filhos, Manoela, Caetano e Elisa, e dois netos, Cecilia e Oliver.

Carlos Leonam trabalhou, entre outros, nas revistas O Cruzeiro e Veja, e nos jornais Última Hora, Tribuna da Imprensa, Jornal do Brasil e O GLOBO. Neste último, assinou de 1974 a 1984 a Coluna de Carlos Swann. No Jornal do Brasil escreveu, no Caderno B, a página "Carioca (Quase Sempre)". Também escreveu para a revista Carta Capital.

Foi ainda diretor de arte, cineasta, publicitário e autor de fotos emblemáticas, como alguns retratos de Leila Diniz e Chico Buarque.

Foto de Leila Diniz  feita pelo jornalista Carlos Leonam — Foto: Carlos Leonam / Arquivo
Foto de Leila Diniz feita pelo jornalista Carlos Leonam — Foto: Carlos Leonam / Arquivo

A capa do disco "Construção", de Chico Buarque é de sua autoria.

Capa de "Construção", de Chico Buarque — Foto: Reprodução
Capa de "Construção", de Chico Buarque — Foto: Reprodução

Também tem um Prêmio Esso por uma foto do astronauta russo Yuri Gagarin, no Alto da Boa Vista.

Publicou o livro "Os degraus de Ipanema", que reúne uma seleção de seus textos em grandes jornais e revistas do país no período entre 1960 e 1990.

Leonam, reza a lenda, foi o "inventor" do célebre ritual de aplaudir o pôr do sol na Praia de Ipanema, conforme relatou o jornalista Zuenir Ventura certa vez:

"A cerimônia se repete todo dia. Quando o sol acaba de cumprir o seu trajeto habitual e desaparece lá pelos lados do Vidigal, os banhistas da Zona Sul se levantam da areia e aplaudem de pé. Os moradores já estão acostumados com o ritual. De casa ouço o barulho das palmas, dos assovios, de gritos e exclamações que se espalham pela Praia de Ipanema entre 19h30m e 19h45m. São jovens que não eram nascidos no verão de 68/69, quando o costume foi lançado num 'dia de exportação', como se dizia. Diante de um pôr do sol como esses de agora, o jornalista Carlos Leonam não se conformou: 'Essa tarde merece uma salva de palmas!'. Imediatamente, o grupo em que estava na altura do Posto 9 — Glauber Rocha, Jô Soares, João Saldanha, entre outros — deu início aos aplausos. Depois, o publicitário Roberto Duailib consagrou a cena, recriando-a num comercial de bronzeador para a televisão. A cidade que, segundo Nélson Rodrigues, vaiava até minuto de silêncio era capaz, também, de aplaudir o entardecer", contou Zuenir.

Ventura conta ainda, em seu livro "1968: o ano que não terminou", que a expressão "esquerda festiva" foi cunhada por Leonam, em 1963. Uma descrição de como a expressão surgiu é encontrada em "Os degraus de Ipanema".

Edney Silvestre disse que, "em suas colunas sociais, Leonam foi o inventor dos/das socialites e o maior propagador do mito de Ipanema; também, entre outras façanhas, circulou pelo Rio de Janeiro dos anos 1960, em seu Fusca tendo a bordo a segunda italiana mais sexy e mais bela da história: Claudia Cardinale".

Para o jornalista Joaquim Ferreira dos Santos (colunista de OGLOBO), que destaca a atuação de Leonam no colunismo social, ele "foi um desses homens que fizeram Ipanema nos anos 1960".

— Sempre teve texto muito bom e era muito bem informado — diz Joaquim. 

Filho do botânico e naturalista mineiro Leonam de Azeredo Penna e da professora Dorcelina Rosário Penna, Carlos Leonam nasceu no bairro do Catete, no Rio de Janeiro. Viveu até os 29 anos em Botafogo, onde aos 10 anos criou o jornal "A Voz da Rua", já dando mostras da própria vocação. De 1968 a 1977 morou em Ipanema, para onde retornou em 1990.

Torcedor "saudável" do Fluminense, como se definia, Leonam foi um dos criadores da torcida Jovem Flu, ao lado do jornalista Nelson Motta, do compositor Chico Buarque, do ator Hugo Carvana, da cantora Elis Regina, entre outros.

Foi editor-executivo do cine-jornal Canal 100, especializado em futebol, co-diretor do documentário "Futebol total" (na Copa do Mundo de 1974, na Alemanha) e co-roteirista de "Brasil bom de bola 78" (1978). Foi também assistente de direção em "O fabuloso Fittipaldi" (1973), filme de Hector Babenco e Roberto Farias sobre o piloto Emerson Fittipaldi. No cinema, fez ainda duas pontas como ator: no filme de Leon Hirszman "Garota de Ipanema" (1967) e no longa de Hugo Carvana "Bar Esperança", ambos no papel de si mesmo.

 
OGLOBO